30 Junho 2020
O Timor-Leste é um país jovem com muito a aprender política, moral e espiritualmente.
A reportagem é de Anton Bele, publicada por La Croix International, 29-06-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
A República Democrática de Timor-Leste é um país católico, tanto segundo sua história quanto segundo a observação da realidade atual.
A nação, que se tornou independente em 20-05-2002, tem, hoje, apenas dezoito anos de idade e ainda convive problemas que é de se esperar de um jovem.
Ao entrar no Timor-Leste pela região oeste, imediatamente se percebe uma atmosfera católica. Ao longo da estrada, em cada localidade, veem-se igrejas de muitos tamanhos.
O país possui uma população de 1.318,445 pessoas, das quais 96,9% são católicos. O restante compreende um pequeno grupo de muçulmanos e protestantes.
Um padre na capital Dili, quando perguntado se havia algum outro povo com uma religiosidade autêntica, imediatamente respondeu: “Aqui todos nascem católicos, mesmo antes de serem batizados. Se alguém pergunta a religião de um timorense, a pessoa ficará surpresa, porque a população do Timor-Leste é automaticamente católica e não pode ser diferente”.
Mapa Timor-Leste (Foto: Wikimedia Commons CC)
Entrando em Dili pelo leste, os visitantes deparam-se imediatamente com uma estátua gigante de São João Paulo II, visto por uns como tendo desempenhado um papel central na libertação do país em seus 23 anos de domínio indonésio.
“Quando o Papa João Paulo II veio a Dili em 1989, suspeitamos que em breve estaríamos livres da ocupação indonésia, que difundiu o Islã entre nós”, diz um líder comunitário e palestrante de 58 anos que não quis se identificar.
“Para marcar essa sua visita, erguemos uma estátua em homenagem ao santo na entrada da cidade. Sentimos uma alegria enorme quando nos separamos da Indonésia em 1999. De l976 a 1999, fomos colonizados politicamente e via religião.
“Mesquitas e centros de oração brotaram em todo lugar e muitos, especialmente as crianças, se viram forçados a converterem-se ao Islã. Agora, as mesquitas e as mashallahs foram todas demolidas. Nós nos corrompemos (…) aprendemos a enganar as pessoas e a roubar. Graças a Deus, hoje estamos livres”.
Um padre, de 62 anos, que vive na área rural do país, tem uma opinião semelhante quanto ao domínio indonésio, mas também desprezou o ex-senhor colonial do país, Portugal.
“Éramos quase 100% católicos, mas o comportamento está longe dos ensinamentos e das tradições católicos. O estelionato e o roubo são um legado da Indonésia. Beber álcool e o convívio com jogos de azar estão piorando, enquanto a prostituição está em todo o lugar, especialmente em Dili. E isso é um legado da era portuguesa”.
Apesar disso, inexistem problemas reais quanto à vida econômica, especialmente com respeito às necessidades básicas, para quem vive no interior do país.
“As pessoas que vivem nessas localidades conseguem dinheiro fácil. Têm muitos dólares americanos nesses lugares”, disse um outro líder comunitário em Dili.
“Outros trapaceiam o sistema solicitando benefícios aos quais não têm direito graças a um erro do governo em verificar esses casos. Outros fazem dinheiro recusando-se a se aposentar”, disse, referindo-se a alguns professores que ainda lecionam já com idade na casa dos 70 anos.
A recusa em se aposentar tem causado problemas, afirma o entrevistado. “Significa que a geração mais jovem não está tendo chances no mercado de trabalho. Então, o nível de desemprego é alto. Isso e a corrupção rampante entre as autoridades têm manchado a sociedade. Costumávamos culpar a Indonésia pela corrupção; agora estamos fazendo pior”, falou.
Um comerciante da Indonésia, dono de um estabelecimento em Dili, também lamenta o desemprego entre os jovens.
“As pessoas têm dinheiro e o poder de compra é suficiente, mas os jovens não gostam do trabalho no campo, que ainda é o maior empregador, e outras formas de trabalho é difícil ter, especialmente trabalhos no governo. Muitos jovens estão desempregados e vagueiam pela cidade. Os projetos que envolvem investimentos do exterior, principalmente os da China, empregam um pessoal próprio, porque os locais não são considerados bons o bastante”, disse ele.
“Isso tem levado a um influxo de estrangeiros, muitos dos quais são chineses e que não se misturam com os moradores. O que tem levado a um novo problema: o de grandes quantidades de terras sendo adquiridas por chineses e o comércio nas comunidades passando a estar controlado por eles”.
Também existem problemas no campo da educação, segundo um educador de 55 anos, morador de Dili.
“A educação não é tão avançada quanto gostaríamos. Um problema é a língua, quando se trata de os nossos alunos irem para a Indonésia ou países de língua inglesa. A maioria dos alunos que estudam aqui são de uma qualidade medíocre”, disse.
Segundo o educador, nas escolas timorenses ensinam-se três idiomas: o tétum (língua local), o português e o inglês. Isso leva a uma confusão e limita a aquisição de conhecimento entre os professores, o que afeta os alunos e, consequentemente, a força de trabalho.
Uma situação política instável no país igualmente tem causado problemas, com mudanças ministeriais frequentes que resultam em muitas reviravoltas e mudanças na política.
“Lamentavelmente, a educação moral não recebe atenção suficiente de forma que a disciplina e a autoestima dos alunos são baixas. Somos todos católicos, mas, como claramente parece ser, não somos católicos em nosso comportamento”, disse.
“Nas escolas, os professores têm medo dos alunos. Temos um ditado: ‘A vida do professor está nas mãos dos alunos’. Os alunos passam para uma série superior automaticamente”.
Em relação à vida comunitária católica, um ativista leigo, que trabalha com a Legião de Maria e com grupos carismáticos, concordou com o educador:
“Somos uma Igreja Católica apenas no nome. As queixas dos padres das dioceses de todo o país são as de que os católicos vivem mais com base nas formalidades católicas do que tendo um comportamento católico. Este governo tem muitos funcionários corruptos, seja na legislatura, seja no executivo ou no judiciário. Mesmo nas polícias e no exército, a corrupção é rampante”, disse o entrevistado.
“Nós, pessoas comuns, sabemos e vemos que a situação não está melhor de quando éramos ocupados pela Indonésia. Em maio e outubro, nós diligentemente rezamos o rosário, e todas as noites em que uma casa recebe a visita da estátua da Virgem Maria, ela se transforma em um lugar para festas, que duram a noite inteira. Honrar a Nossa Senhora durante estes dois meses se tornou uma desculpa para fazer festa e se embebedar.
“É verdade que estatisticamente somos católicos – quase 100% –, mas o comportamento das pessoas não chega a 50%”.
O Timor-Leste ainda é jovem e precisa aprender a se organizar política, social, moral e espiritualmente. Infelizmente, o país está passando por tantas coisas que não são propícias aos ensinamentos do amor.
“Tenho as minhas dúvidas sobre se a próxima geração irá permanecer católica ou não”, me contou um amigo em Dili.
“Nós, desta geração antiga, em breve não estaremos mais aqui, e está claro que o que é verdadeiro e bom, segundo as tradições e os ensinamentos da Igreja Católica, está se esvaindo. Deveria haver uma ampla conscientização, no Timor-Leste, quanto ao que é a vida em um país católico”.
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Timor-Leste. Um país católico debate-se com os seus demônios interiores - Instituto Humanitas Unisinos - IHU