30 Agosto 2024
O pró-prefeito do Dicastério para a Evangelização, em conversa com a Agência Fides, destaca também por que a viagem do Sucessor de Pedro é importante para toda a Igreja universal.
A entrevista é de Gianni Valente e Fabio Beretta, publicada por Vatican News, 27-08-2024.
Quatro nações em dois continentes, num total de quase 40 mil quilômetros a serem percorridos. O avião papal decolará do aeroporto de Fiumicino no dia 2 de setembro e dará início à mais longa e exigente visita apostólica do Papa Francisco, suspensa entre a Ásia e a Oceania. Mas o bispo de Roma não está deixando sua diocese para quebrar recordes. Sua viagem - sugere o cardeal Luis Antonio Gokim Tagle - é antes “um ato de humildade diante do Senhor que nos chama”. Um “ato de obediência à missão”. Enquanto se aproxima a viagem que levará o Papa Francisco à Indonésia, Papua Nova Guiné, Timor Leste e Singapura, o pró-prefeito do Dicastério para a Evangelização (Seção para a primeira evangelização e as novas Igrejas particulares), em conversa com a Agência Fides, sugere também por que a viagem do Sucessor de Pedro entre as Igrejas dos “pequenos rebanhos” é importante para toda a Igreja universal e pode interessar a todos aqueles que se preocupam com a paz no mundo.
Com quase 88 anos de idade, o Papa Francisco está prestes a realizar na mais longa e árdua viagem de seu pontificado. O que o leva a abraçar esse “tour de force”?
Eu me lembro que, na verdade, essa viagem à Ásia e à Oceania já estava planejada em 2020. Eu tinha acabado de chegar a Roma, à Congregação para a Evangelização dos Povos, e lembro que já havia esse projeto. Então, a pandemia de Covid-19 interrompeu tudo. E fiquei muito surpreso com o fato de o Santo Padre ter retomado esse projeto. É um sinal de sua proximidade paternal com o que ele chama de “periferias existenciais”. Digo a verdade: sou menos idoso que o Papa e sinto que essas longas viagens são pesadas. Para ele, abraçar até mesmo esse cansaço é um ato de humildade. Não se trata de um show para mostrar do que ainda é capaz. Como testemunha, digo que é um ato de humildade perante o Senhor que nos chama. Um ato de humildade e obediência à missão.
Alguns repetem: também essa viagem confirma que o Papa prefere o Oriente e negligencia o Ocidente...
Essa ideia de considerar as visitas apostólicas como um sinal de que o Santo Padre “prefere” um continente ou parte do mundo ou despreza outras partes é uma falsa interpretação das viagens papais. Depois dessa viagem, no final de setembro, o Papa planeja visitar Luxemburgo e Bélgica. Ele também visitou muitos países em muitas regiões da Europa. Parece-me que, com essas viagens, ele quer incentivar os católicos em todos os contextos. E também tenha em mente que uma grande parte da humanidade vive nessas áreas do mundo. A Ásia é o lar de dois terços da população mundial. A maioria dessas pessoas é pobre. E muitos batismos são realizados justamente entre os pobres. O Papa Francisco sabe que há muitas pessoas pobres lá, e entre os pobres há essa atração pela pessoa de Jesus e pelo Evangelho, mesmo em meio a guerras, perseguições e conflitos.
Outros apontam que os cristãos, em muitos países visitados pelo Papa, são em pequeno número em comparação com a população.
Antes de fazer suas viagens, o Papa recebeu convites não apenas das Igrejas locais, mas também de autoridades civis e líderes políticos que solicitaram formalmente a presença do Bispo de Roma em seus países. Eles querem a presença do Papa não apenas por motivos de fé, mas também por motivos de interesse para as autoridades civis. Para eles, o Papa continua sendo um símbolo poderoso para a coexistência humana em um espírito de fraternidade e para o cuidado com a Criação.
O senhor, como pastor pertencente à Igreja das Filipinas e depois Cardeal do Dicastério missionário, que experiências e encontros teve com os países e as Igrejas que o Papa visitará nos próximos dias?
Em Papua Nova Guiné, fiz a visita apostólica aos seminários a pedido do cardeal Ivan Dias, que era então prefeito da Congregação de Propaganda Fide. Fiz duas viagens em dois meses, visitando os seminários em Papua Nova Guiné e nas Ilhas Salomão. Também visitei a Indonésia e Cingapura, mas nunca estive em Timor Leste, embora tenha me encontrado muitas vezes com bispos, padres, religiosos e leigos desse país. Para mim, a Ásia é um “mundo composto de diversos mundos” e, como asiático, vejo que viajar pela Ásia abre a mente e o coração para vastos horizontes da humanidade, da experiência humana. O cristianismo também está incorporado na Ásia de maneiras que são surpreendentes para mim. Aprendo muito sobre a sabedoria e a criatividade do Espírito Santo. Sempre me surpreendo com as maneiras pelas quais o Evangelho é expresso e encarnado em meio a diferentes contextos humanos. Minha esperança é que o Papa e todos nós da comitiva papal, e até mesmo os jornalistas, possam ter essa nova experiência, a experiência da criatividade do Espírito Santo.
Quais são os dons e os pontos de conforto que as comunidades eclesiais visitadas pelo Papa em sua próxima viagem podem oferecer a toda a Igreja?
Nesses países, as comunidades cristãs são quase sempre uma minoria, um “pequeno rebanho”. Em lugares como a Europa, a Igreja, no entanto, desfruta de um certo “status” cultural, social e até mesmo civil de respeito. Mas também em muitos países do Ocidente voltamos a essa experiência da Igreja como um pequeno rebanho. E pode ser bom olhar para as Igrejas de muitos países do Oriente para ver como nos comportamos quando estamos em uma condição, em um estado de pequenez. A experiência dos primeiros apóstolos, dos discípulos de Jesus, se repete muitas vezes nesses países. Um pároco do Nepal me disse que o território de sua paróquia é do tamanho de um terço da Itália: ele tem apenas cinco paroquianos espalhados nesse grande território. Estamos em 2024, mas o contexto e a experiência se parecem com os Atos dos Apóstolos. E as pequenas igrejas do Oriente podem nos ensinar.
A primeira etapa da viagem papal é a Indonésia, o país com a maior população muçulmana do mundo.
A Indonésia é uma nação arquipélago, e há uma enorme diversidade de situações culturais, linguísticas, econômicas e sociais. É também o país do mundo com o maior número de habitantes de religião muçulmana. E a grande dádiva do Espírito Santo para a comunidade católica indonésia é a coexistência que não nega a diversidade. Espero que a visita do Papa leve um novo ímpeto à fraternidade entre os fiéis de diferentes religiões.
Em suas visitas, o senhor pôde vivenciar os sinais concretos dessa convivência fraterna?
Disseram-me que o terreno onde está a Universidade Católica é um presente do primeiro presidente. Uma mensagem forte, para mostrar que no povo indonésio todos são aceitos como irmãos e irmãs. Lembro-me também de quando participei do Dia da Juventude na Ásia. Devido ao baixo número de cristãos, havia também muitos jovens muçulmanos entre os voluntários envolvidos na organização. A Conferência Episcopal me deu dois assistentes, ambos muçulmanos, que vi realizando suas tarefas com grande reverência pela Igreja.
Segunda etapa: Papua Nova Guiné.
A Igreja em Papua Nova Guiné é uma Igreja jovem, mas já deu à Igreja universal um mártir, Peter To Rot, que também era catequista. Papua Nova Guiné também é um país multicultural, com várias tribos que ocasionalmente entram em conflito umas com as outras. Mas é um país onde a diversidade pode ser uma riqueza. Se suspendermos nossos preconceitos, mesmo em culturas tribais podemos encontrar valores humanos próximos aos ideais cristãos. E, em Papua Nova Guiné, há lugares onde a natureza é incontaminada. No ano passado, estive lá para a consagração de uma nova catedral. Perguntei ao bispo sobre a água, e ele disse: “podemos beber a água do rio, ela é potável”. Graças à sua sabedoria tribal, eles conseguiram manter a harmonia com a natureza e podem beber diretamente do rio. Algo que nós, nos chamados países desenvolvidos, não temos mais.
Terceira etapa: Timor Leste.
É significativo que o Papa toque a Indonésia e depois o Timor Leste. Dois países que têm uma história de luta e que agora estão em paz. Uma paz frágil, mas que, graças a ambos, parece duradoura. Lá, o relacionamento entre a Igreja local e o governo é muito bom. O governo local também apoia os serviços educacionais relacionados à Igreja. E me parece que a Igreja foi um dos pontos de referência para a população durante a guerra pela independência. O povo de Timor Leste diz que sua fé em Cristo os sustentou durante os anos de luta pela independência.
Quarta etapa, Cingapura.
É um dos países mais ricos do mundo, e é uma maravilha ver um povo que alcançou tal nível de profissionalismo e vanguarda tecnológica em apenas alguns anos e com recursos limitados, graças também ao seu senso de disciplina. O governo de Cingapura garante liberdade a todas as comunidades de crentes e as protege de ataques e atos desrespeitosos. As ofensas contra as religiões são severamente punidas. As pessoas vivem em segurança, assim como os turistas. Mas é necessário equilíbrio. A história nos ensina a ter cuidado para que a aplicação das leis não acabe contradizendo os próprios valores que as leis devem proteger.
Também nesses países - especialmente em Papua Nova Guiné - o trabalho apostólico é pontuado por histórias de missionários mártires. Mas, às vezes, o trabalho dos missionários continua a ser apresentado apenas como uma expressão do colonialismo cultural e político.
Existe essa tendência e essa tentação de ler a história, especialmente a história das missões, com os esquemas culturais de hoje e de impor nossas visões aos missionários que viveram séculos atrás. Em vez disso, a história deve ser lida com calma. Os missionários são um presente para a Igreja. Eles obedecem ao próprio Cristo, que disse aos seus que fossem até os confins da terra para proclamar o Evangelho, prometendo que sempre estaria com eles. Algumas vezes, alguns líderes de nações levaram missionários a diferentes lugares durante os processos de colonização. Mas esses missionários foram para evangelizar, não para serem manipulados e usados pelos colonizadores. Muitos sacerdotes, missionários e religiosos agiram contra as estratégias de seus governos e foram martirizados.
Qual é o elo misterioso que une sempre martírio e missão?
Há dois anos, foi publicado um estudo sobre liberdade religiosa. Havia um dado claro: nos países onde havia intimidação e perseguição, o número de batismos estava aumentando. Onde há uma possibilidade real de martírio, a fé se espalha. E mesmo aqueles que não são crentes se perguntam: de onde vem toda essa força que os leva a oferecer suas vidas? É o Evangelho em ação. E o nosso objetivo, também para o Dicastério para a Evangelização, é ajudar as Igrejas locais, não impor uma forma mentis ou uma cultura diferente da deles”.
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O Papa na Ásia e Oceania. As pequenas Igrejas podem nos ensinar. Entrevista com Cardeal Tagle - Instituto Humanitas Unisinos - IHU