10 Setembro 2024
Pesquisador defende a necessidade de atenção à proteção da Amazônia e dos interesses das populações tradicionais como estratégias contra a crise do clima.
A entrevista é de Fabrício Queiroz, publicada por O Liberal, 05-09-2024.
Eventos extremos, como a seca que a Amazônia enfrentou em 2023 e as chuvas que devastaram o Rio Grande do Sul neste ano, colocaram em evidência o temor de que o mundo já convive com cenários provocados pelas mudanças climáticas. Nesse contexto, a importância do bioma se sobressai, tanto por conta das ameaças, quanto pela contribuição que dá para a captura do carbono da atmosfera e para criação de novas estratégias de desenvolvimento de base sustentável.
Membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês), o doutor em Física, Paulo Artaxo, discute as vulnerabilidades e potencialidades do Brasil diante da realidade atual da agenda ambiental. O pesquisador, que também é vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), ressalta ainda a perspectiva científica sobre desenvolvimento sustentável e as pautas que devem ganhar atenção na COP30 em Belém.
A atenção do mundo para as questões ambientais cresceu nos últimos 50 anos e, nesse processo, a Amazônia também ficou em maior destaque. Na sua avaliação, o avanço do debate ambiental repercutiu de que forma nas políticas para proteção do bioma?
Não há dúvida nenhuma que desde a Conferência de Estocolmo, de 1972, a questão ambiental tomou uma dimensão muito mais importante globalmente falando, pois a ciência sempre está enfatizando os riscos que a nossa sociedade está correndo com a atual trajetória de destruição dos recursos naturais do planeta como um todo. Então, isso é muito positivo, mas infelizmente, não está tendo os resultados desejados porque nós continuamos em uma trajetória perigosa do ponto de vista de aquecimento global e destruição dos nossos ecossistemas. Em particular, a Amazônia toma um papel muito importante aí, porque é, certamente, um dos biomas mais importantes de todos os continentes e pelo seu potencial de mudar o aquecimento global e o balanço de carbono a nível global. Infelizmente, essa importância da Amazônia não está se transformando em políticas públicas que possam refletir uma proteção do bioma mais eficiente. Nós já desmatamos cerca de 19% da área da Amazônia como um todo, e a região continua sendo pressionada por garimpos ilegais, por invasões de terras indígenas, invasões de áreas protegidas e com outras atividades ilegais. O que é muito indesejável do ponto de vista da sociedade brasileira.
O Brasil busca assumir um papel de liderança na agenda climática, porém o senhor aponta em seus trabalhos que o país tem oportunidades e vulnerabilidades para enfrentar os desafios das mudanças do clima. Como equacionar isso?
É importante percebermos que o Brasil tem vantagens estratégicas enormes no enfrentamento às mudanças climáticas, mas também tem vulnerabilidades que têm que ser levadas em conta em qualquer governo na sua luta pela predominância na questão da manutenção dos ecossistemas em nosso planeta. O Brasil possui uma enorme possibilidade de sequestro de carbono que nenhum outro país possui, pela sua extensão, por causa da Amazônia, da Mata Atlântica e vários ecossistemas com alta densidade de carbono. Nós temos um potencial de geração de energia elétrica através de energias renováveis, como energia eólica e energia solar, que nenhum outro país do planeta sequer chega perto. Portanto, o Brasil deve aproveitar suas vantagens estratégicas. Nós também temos o maior programa de biocombustíveis do planeta, com a produção de etanol vindo de cana de açúcar, que é maior do que qualquer outra iniciativa de biocombustíveis que possamos ter no nosso planeta.
Mas nós temos vulnerabilidades importantes e uma delas é uma economia baseada no agronegócio, que com a redução da precipitação no Brasil central pode não ser tão produtivo assim já ao longo dos próximos anos. Temos também vulnerabilidades fundamentais porque a nossa geração de hidroeletricidade depende da chuva e, portanto, tem uma vulnerabilidade importante em relação ao clima. Temos também 8.500 km de áreas costeiras que são vulneráveis ao aumento do nível do mar e, portanto, temos que cuidar muito bem delas, pois o aumento da erosão junto com o aumento dos eventos climáticos extremos pode trazer importantes problemas. Então, o que nós precisamos é que o governo leve em conta as nossas vantagens estratégicas e as nossas vulnerabilidades para que a gente possa explorar e desenvolver o nosso país de uma maneira muito mais sustentável do que estamos fazendo atualmente.
Nesse contexto, que contribuições a Amazônia traz para a agenda climática brasileira e global?
O Brasil tem que cumprir as suas obrigações tanto do Acordo de Paris quanto das reuniões das Conferências das Partes do Acordo Climático feitas depois do Acordo de Paris. Um desses compromissos é zerar o desmatamento da floresta amazônica até 2030. Todo esforço vai ser necessário para cumprir essa meta e é fundamental que o Brasil desenha uma trajetória factível para que essa meta seja efetivamente cumprida. Mas ela tem que ser complementada com um amplo programa de regeneração ecológica das áreas degradadas que temos no Brasil em todos os biomas. Isso é fundamental para trazer de volta o Brasil no caminho da liderança ambiental e climática do nosso planeta.
Belém sediou recentemente a 76ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que teve como tema central “Ciência para um futuro sustentável e inclusivo: por um novo contrato social com a natureza”. Qual sua visão sobre esse contrato social e como se traduz em desenvolvimento sustentável?
Esse novo contrato social significa essencialmente que temos que mudar o nosso modelo econômico baseado na superexploração dos recursos naturais do planeta por um novo modelo econômico ou um novo contrato social que leve em conta as necessidades efetivas da população e não somente de alguns setores da indústria, como, por exemplo, a indústria do petróleo ou do desmatamento da Amazônia. Temos que olhar para o interesse da população, incluindo a população indígena, quilombolas, ribeirinhos e a população brasileira em geral. Isso é absolutamente fundamental para construirmos um futuro que seja minimamente sustentável para o Brasil.
O Brasil se prepara para sediar a COP30 em 2025, dez anos após o Acordo de Paris e com o mundo caminhando para superar a meta de aquecimento de 1,5° e o temor de que a Amazônia vai alcançar o chamado ponto de não retorno. Na sua avaliação, em que pontos as Nações precisam avançar para evitar esse cenário?
Nós observamos que a emergência climática está realmente se tornando cada vez mais importante, com o aumento muito expressivo dos eventos climáticos extremos, como as cheias no Rio Grande do Sul, as secas na Amazônia em 2023 e também em 2024 e incêndios florestais em várias áreas do nosso planeta. A questão da Amazônia é crítica nesse ponto porque vários trabalhos científicos recentes apontam para a possibilidade da Amazônia estar atingindo um ponto de não retorno de sobrevivência do ecossistema, que poderia fazer com que o ecossistema amazônico essencialmente se tornasse um novo ecossistema desconhecido ainda, com muito menos carbono sendo armazenado, e essas emissões de carbono para a atmosfera podem efetivamente agravar em muito o aquecimento global em nosso planeta.
Nós temos que evitar esse cenário com todas as nossas forças e com todas as nossas ferramentas. O cenário internacional não está favorável à adoção de políticas efetivas de redução de emissões de gases de efeito estufa, com duas guerras ocorrendo, com guerras comerciais também acontecendo e, portanto, nós temos que lidar, além da emergência climática, com essa instabilidade global, e isso traz dificuldades importantes nas negociações climáticas. Mas, de alguma maneira, nós vamos efetivamente ter que lidar com essas dificuldades e implantar políticas que acabem com a exploração completa dos combustíveis fósseis, que acabem com o desmatamento das florestas tropicais, que invistam pesadamente em recuperação ecológica e reflorestamento, para que possamos remover parte do carbono que foi lançado na atmosfera. Basicamente, esse é o único caminho possível de sustentabilidade para o nosso planeta e esperamos que seja efetivamente implementado na COP29 e na COP30 no Brasil.
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Por um novo contrato com a natureza. Paulo Artaxo fala sobre o papel do Brasil - Instituto Humanitas Unisinos - IHU