12 Agosto 2024
O Papa reafirmou seu desejo ardente de visitar a China, disse que os católicos chineses têm “o vírus da esperança” e revelou o conselho que daria ao seu sucessor em uma entrevista exclusiva com o padre Pedro Chia, SJ, diretor do Escritório de Comunicação dos Jesuítas da Província Chinesa, divulgada em 9 de agosto.
A reportagem é de Geraldo O'Connell, publicada por America, 09-08-2024.
A entrevista em vídeo foi conduzida em espanhol pelo Padre Chia na biblioteca particular do palácio apostólico do Vaticano, em 24 de maio, festa de Nossa Senhora Auxiliadora, venerada pelos 12 milhões de católicos chineses no Santuário de Sheshan, nos arredores de Xangai.
Em uma conversa abrangente, o Papa Francisco falou sobre como ele lida com o estresse e a gestão do tempo, os maiores desafios de seu papado, as crises na vida religiosa, a graça dos Exercícios Espirituais e os conselhos que ele daria a uma pessoa que considera a vocação jesuíta.
Questionado sobre como consegue manter uma agenda lotada de audiências, reuniões e discursos, Francisco diz que é possível fazer isso “vivendo uma vida organizada” e “sabendo delegar”, porque “se alguém tenta fazer tudo sozinho, as coisas não funcionam”. Isso requer a colaboração de muitas pessoas, incluindo os presidentes dos dicastérios. “Eu faço o que tenho que fazer com a ajuda de todos”, ele disse.
O padre Chia perguntou como o papa lida com críticas e oposição. Francisco respondeu que mesmo os críticos que não são construtivos “são sempre úteis porque fazem a pessoa refletir sobre suas ações”. Ele disse que consultar e ouvir os outros também o ajuda. Quanto a enfrentar a resistência, ele disse:
“Muitas vezes você sabe que tem que esperar, suportar... e muitas vezes se corrigir porque por trás de alguma resistência pode haver críticas [construtivas]. Às vezes também com dor, porque a resistência, como acontece nesses momentos, não é apenas contra mim pessoalmente; é contra a Igreja”.
“Por exemplo”, ele disse, “há um grupo, algumas pessoas, que só reconhecem [os papas] até Pio XII, não os papas [que vêm] depois”. Ele lembrou que uma revista espanhola publicou recentemente “uma lista de 22 grupos que acreditam que a Cátedra de São Pedro está vaga (sede vacante). Mas são grupos pequenos. Eu acho que com o tempo eles se integrarão à Igreja”.
Questionado se como papa ele experimentou alguma “consolação” inesquecível, Francisco disse que há muitas, mas se recusou a mencionar uma experiência em particular. “Mesmo momentos de dificuldade ou desolação são sempre resolvidos depois em um nível mais alto… com consolação”, ele disse.
Quando o Padre Chia perguntou qual foi o maior desafio do seu pontificado, Francisco apontou para a pandemia da Covid-19 e os conflitos na Ucrânia, Mianmar e Israel-Palestina.
“Sempre tentei resolvê-los por meio do diálogo”, disse ele. “E quando isso não funciona, com paciência e sempre com senso de humor. A oração de São Tomás More me ajuda muito, pedindo senso de humor. Tenho rezado essa oração todos os dias por mais de 40 anos: 'Conceda-me, Senhor, senso de humor'”.
O papa também confirmou que passou por crises em sua vida religiosa como jesuíta:
"Claro! Senão, eu não seria humano! As crises têm que ser superadas sempre com duas coisas. Primeiro, você emerge de uma crise se elevando, como de um labirinto. Uma crise, de certa forma, é como um labirinto — você anda e anda e parece que nunca sai. Você emerge de uma crise se elevando. E segundo, você nunca sai sozinho. Você sai com ajuda ou por meio de companheirismo. Deixar-se ajudar é muito importante, não é?"
Durante a entrevista, Francisco respondeu com humor várias vezes, como quando perguntado sobre o que diria a um jovem que lhe dissesse que queria ser jesuíta, Francisco brincou: "Deixe-o se tornar um dominicano!" Em um tom mais sério, ele acrescentou: "Eu diria a ele para permitir que alguém o acompanhasse e entrasse em discernimento". Além disso, ele acrescentou: "Há algo na Companhia de Jesus que nunca devemos perder... o espírito missionário... É uma ordem missionária. É interessante que as dificuldades e resistências que Santo Inácio enfrentou no começo foram conflitos com pessoas que olharam para dentro e perderam seu espírito missionário".
Francisco lembrou que quando foi nomeado provincial dos jesuítas na Argentina, ainda jovem, enfrentou conflitos “de estar fechado…. Eu os chamava de ‘doenças de clausura’. O Senhor ajudou aqueles que me aconselharam a enviar alguns de nossos para as missões na Argentina. E foi assim que a Equipe Missionária Argentina foi formada. E isso trouxe ar fresco. Foi maravilhoso”.
Questionado se há “algum aspecto particular” dos Exercícios Espirituais que está frequentemente em seu coração como papa, o primeiro papa jesuíta respondeu: “Todos eles… Eu diria que depende das circunstâncias, às vezes uma coisa me ajuda mais do que outra, certo? Mas uma coisa que tento fazer é... procurar acompanhamento... ouvir primeiro antes de decidir. Ter alguém me acompanhando para que eu não cometa erros”.
Ciente de suas deficiências, o papa disse que em oração ele pede “a graça de ser perdoado. Que o Senhor tenha paciência comigo”.
Voltando sua atenção para a China, o Papa Francisco mais uma vez reafirmou seu desejo sincero de visitar o país, embora as autoridades de lá ainda não tenham feito um convite. “Ah, sim, eu realmente quero”, ele disse. Se esse sonho se tornar realidade, ele disse que gostaria de “visitar a Mãe de Sheshan, Maria Auxiliadora”. Ele acrescentou que em frente à entrada de seu apartamento na Casa Santa Marta, há uma estátua da Virgem de Sheshan. Ele disse que gostaria de se encontrar “com os bispos, certamente, e com o povo fiel de Deus. Eles são fiéis. Eles são de fato um povo fiel... que passou por tanta coisa e permaneceu fiel”.
Questionado sobre qual mensagem gostaria de enviar aos católicos da China, e especialmente aos jovens católicos, por meio desta entrevista, Francisco disse: “Sempre uma mensagem de esperança. Mas parece tautológico enviar uma mensagem de esperança a um povo que é mestre da espera. Os chineses são mestres da paciência, mestres da espera... Vocês têm 'o vírus da esperança'. É uma coisa muito bonita”.
Como há muitos chineses e muitos católicos chineses em diferentes países do mundo, perguntaram a Francisco se ele tinha alguma mensagem para eles. Depois de revelar que ele “costumava ajudar um grupo de chineses na Argentina”, o papa respondeu: “Vocês são descendentes de um grande povo… Vocês são um grande povo. Não desperdicem essa herança. Passem adiante com paciência, essa herança de grandes pessoas que vocês têm”.
No fim da entrevista, quando lhe foi pedido que desse sua bênção a todos os chineses, o Papa falou: “Por intercessão da Mãe de Sheshan, em sua festa de hoje, dou a bênção a todo o povo chinês, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém”.
Olhando para o futuro, o padre Chia perguntou ao papa: “Quais são seus sonhos para a Igreja Católica em 50 anos?” Francisco lembrou que “alguns dizem que será uma igreja menor, mais reduzida”. Ele então acrescentou: “Acho que a Igreja deve ter cuidado para não cair na praga do clericalismo e na praga da mundanidade espiritual. A mundanidade espiritual, como diz o padre Henri de Lubac, é o pior mal que pode acontecer à Igreja. A mundanidade [é]... ainda pior do que a época dos papas concubinários. É o que ele diz”.
Quando perguntado sobre o que diria ao seu sucessor como papa, Francisco, que completa 88 anos em 17 de dezembro, respondeu sem hesitação: “Reze!” Um momento depois, ele acrescentou, como explicação: “Porque o Senhor fala em oração”.
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Em nova entrevista, Francisco compartilha seus conselhos para os homens que desejam se juntar aos jesuítas — e para seu sucessor - Instituto Humanitas Unisinos - IHU