26 Julho 2024
Clara E. Mattei é historiadora econômica na New School for Social Research de Nova York. É autora de A ordem capital: como economistas inventaram a austeridade e abriram caminho para o fascismo (Boitempo, 2024).
A entrevista é de Alex Favalli, publicada originalmente por Die Tageszeitung junge Welt, e reproduzida por Sin Permiso, 19-07-2024. A tradução é do Cepat.
Frear a dívida é uma necessidade inevitável?
Não. A ideia de que o freio à dívida é uma necessidade absoluta é claramente uma decisão política para obscurecer o que é uma prioridade muito maior. Trata-se de justificar a transferência de recursos das classes trabalhadoras para as elites investidoras. Isto é óbvio porque temos um freio à dívida, mas paradoxalmente aumenta a margem de manobra para aumentar os recursos militares para além das necessidades da OTAN, a fim de armar Israel e alimentar ainda mais a guerra na Ucrânia. A lógica da austeridade cai por terra assim que se vê onde o Estado capitalista realmente gasta o dinheiro.
Não há dinheiro para o sistema social, mas há sempre muito dinheiro para as grandes empresas, para o complexo militar-industrial, para toda a transição verde, que está nas mãos dos gestores de ativos globais.
Até que ponto isto explica o sucesso eleitoral dos partidos de direita?
É evidente que a direita se alimenta do descontentamento com a precariedade, das consequências das políticas de austeridade.
A política de austeridade está estabilizando a economia ou o ministro da Economia [da Alemanha] está simplesmente mentindo?
Ele está, sem dúvida, mentindo. O interessante da economia clássica é isso: a extrema austeridade. Eles sabem que o tipo de crescimento a que aspiram só beneficiará as classes mais altas. Pressionam para cortar os gastos sociais porque, uma vez cortados, não aumentarão novamente. O crescimento econômico representa lucros maiores para as empresas.
O valor na economia é sempre criado através da exploração, mas é claro que neste momento da história pressionam mais do que nunca por uma maior exploração para evitar a redistribuição do capital. Isto não leva à estabilidade, mas também não é o objetivo. A prioridade é manter a classe trabalhadora sob controle e tornar estáveis as condições para a acumulação de capital; essa é a sua definição de estabilidade.
Em cada crise, os economistas liberais tentam salvar o sistema e os assalariados pagam o preço. Mas como a ideia da produtividade passou dos trabalhadores para os empresários?
Marx dizia que a hegemonia consiste em convencer as pessoas de que o que interessa a alguns poucos interessa a todos, e não há pessoas melhores para impor o consenso hegemônico do que os acadêmicos, que em última análise se beneficiam do sistema.
Eles não estão preocupados em não conseguir chegar ao final do mês, ao contrário de muitas pessoas. A ideia de que as medidas de austeridade são para um bem maior é atraente para aqueles que não sofrem diretamente a coerção econômica. Vivemos num sistema econômico destrutivo que não se preocupa com a subsistência das pessoas.
Nós, da esquerda, não podemos defender mais gastos sociais sem falar das relações salariais. Se não falarmos de exploração, estamos apenas participando para acobertar o sistema.
Quão próximos estão o fascismo e a economia de livre mercado em termos econômicos?
Dizem-nos que o fascismo é uma coisa completamente diferente da nossa forma atual de sociedade. No meu livro mostro que o fascismo, tanto em termos políticos como teóricos, nada mais é do que capitalismo com esteroides. O fascismo é o melhor aliado do capitalismo quando se trata de aumentar a taxa de exploração, enfraquecer os trabalhadores e torná-los submissos.
Maffeo Pantaleoni, um dos fundadores do fascismo e do marginalismo na Itália, segue sendo discutido ainda hoje entre os economistas como um grande pensador. Os economistas limitam-se a separar a teoria da política. Mas quando juntamos as duas, é realmente óbvio que o fascismo é coerente com a nova teoria econômica clássica e anda de mãos dadas com as políticas de austeridade que ainda hoje dominam as nossas condições supostamente democráticas.
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“A lógica da política de austeridade não se sustenta”. Entrevista com Clara Mattei - Instituto Humanitas Unisinos - IHU