"Na cultura neoliberal do trabalho desenvolve-se toda uma apologia da necessidade de ser impiedoso, pois é o que a competitividade constante exige – e se a natureza humana é individualista e agressiva, se você não for impiedoso, outro será e tomará, assim, seu lugar", escreve Renake David, doutora em História pela Universidade Federal Fluminense, em artigo publicado por A Terra é redonda, 17-06-2024.
A Peste, romance de Albert Camus que narra as transformações na vida dos habitantes de uma cidade sob o domínio da peste bubônica – e faz uma alegoria de todas as formas de opressão humanas, notadamente o nazifascismo –, termina com um alerta após o relato do efusivo júbilo que tomava conta dos cidadãos de Orã com o fim da epidemia: “Na verdade, ao ouvir os gritos de alegria que vinham da cidade, Rieux lembrava-se de que esta alegria estava sempre ameaçada.
Porque ele sabia o que esta multidão eufórica ignorava e se pode ler nos livros: o bacilo da peste não morre nem desaparece nunca, pode ficar dezenas de anos adormecido nos móveis e na roupa, espera pacientemente nos quartos, nos porões, nos baús, nos lenços e na papelada. E sabia, também, que viria talvez o dia em que, para desgraça e ensinamento dos homens, a peste acordaria os seus ratos e os mandaria morrer numa cidade feliz”.[i]
Parece que, cerca de um século depois, em vários cantos do mundo, nos tocou viver em um ambiente muito propício para que o bacilo do fascismo saia de seu estado de latência e acorde seus ratos para morrer em países infelizes. Este texto pretende expor como algumas características essenciais do éthos neoliberal podem estar relacionadas ao crescimento da adesão ao discurso da extrema direita hoje.
Neoliberalismo é aqui entendido não como um mero conjunto de regras econômicas, mas como a mais recente fase histórica do capitalismo, que abarca uma unidade entre modelo de acumulação e formas políticas, sociais e culturais. Um conjunto de discursos, práticas e instituições que impõe, pela coerção e, sobretudo, pelo consenso, uma lógica normativa às condutas dos indivíduos, sejam eles pertencentes às classes dominantes ou às subalternas. Todas as épocas produzem as personalidades de que necessitam socialmente, isto é, adequam “a ‘civilização’ e a moralidade das mais amplas massas (…) às necessidades do contínuo desenvolvimento do aparelho econômico de produção”[ii], nas palavras de Antonio Gramsci.
Theodor W. Adorno, que dedicou boa parte de sua obra ao objetivo de evitar que Auschwitz se repetisse, tentou nos conscientizar sobre como a atmosfera cultural geral da dinâmica social capitalista no século XX tendia a gerar personalidades com inclinações antidemocráticas. Os estudos de The Authoritarian Personality, realizados em conjunto com Levinson, Sanford e Frenkel-Brunswik, tinham o intuito de identificar o fascismo latente em parcelas da população estadunidense da época e analisar seus determinantes. A pesquisa não encontrou tantos casos de pessoas abertamente antidemocráticas, mas identificou tipos de personalidades que indicavam uma grande suscetibilidade à propaganda fascista, cuja conformidade a ideologias autoritárias, em dados momentos de crise social, poderia passar de um estado latente – e muitas vezes não consciente – para sua defesa aberta e ações violentas contra minorias tomadas como bodes expiatórios em uma sociedade onde a dominação social é cada vez mais abstrata e impessoal[iii].
À época em que foi publicado o resultado dessa pesquisa, 1950, Adorno avaliava que a personalidade manipuladora era a mais perigosa na tipologia elaborada a partir das características dos altos pontuadores na “escala F” (“F” de fascismo). Marcado pela estereotipia[iv] extrema – noções rigidamente dicotômicas (bom vs. mau, nós vs. os outros, eu vs. o mundo) tornam-se fins e não meios, e o mundo é dividido em campos administrativos, vazios e esquemáticos –, o tipo manipulador tem obsessão por “fazer coisas”, não se importando minimamente com o conteúdo de tais ações, e faz da atividade, da eficiência enquanto tal, um culto. Seu amor não consegue ser dirigido a outras pessoas, sendo absorvido por coisas, máquinas, equipamentos, enquanto as pessoas são tratadas como uma massa amorfa. Possui um tipo de consciência coisificada – “No começo, as pessoas desse tipo se tornam, por assim dizer, iguais a coisas. Em seguida, na medida em que o conseguem, tornam os outros iguais a coisas”[v]. Adorno notava que este era um padrão encontrado “em numerosos homens de negócio e também, em número cada vez maior, entre membros da ascendente classe gerencial e tecnológica que mantêm, no processo de produção, uma função entre o antigo tipo de proprietário e a aristocracia dos trabalhadores”[vi].
Quinze anos após a publicação dos estudos de The Authoritarian Personality, Adorno alertava para o clima cultural que alimentava a preocupante tendência do desenvolvimento de números cada vez maiores de sujeitos inclinados à fetichização da técnica, i.e., que consideram a técnica como sendo algo em si mesma, com uma força própria, esquecendo que ela é um produto do trabalho humano. “Os meios – e a técnica é um conceito de meios dirigidos à autoconservação da espécie humana – são fetichizados, porque os fins – uma vida humana digna – encontram-se encobertos e desconectados da consciência das pessoas”[vii]. A supervalorização da técnica é algo muito característico da consciência coisificada do tipo manipulador e é o que leva, “em última análise, quem projeta um sistema ferroviário para conduzir as vítimas a Auschwitz com maior rapidez e fluência a esquecer o que acontece com estas vítimas em Auschwitz”[viii].
E não é que essas características da obsessão com a eficiência e a atividade incessante, da consciência reificada, da supervalorização da técnica, estão muito presentes nas subjetividades constituídas pelo neoliberalismo, tão bem sintetizadas por Pierre Dardot e Christian Laval no que designaram como “sujeito empresarial”? Este deve conduzir sua vida de forma a render um desempenho sempre mais produtivo, de modo a expandir seu “capital humano” indefinidamente e, assim, garantir sua empregabilidade[ix]. As lógicas da concorrência e da eficiência e o modelo de empresa passam a reger todas as esferas da vida.
A ideia de fazer de si mesmo uma empresa sugere que cada indivíduo pode conduzir, controlar, gerir sua vida elaborando “estratégias” adequadas e racionalizando seus desejos. Na administração de si mesmo, o indivíduo deve empreender um autoaprimoramento[x] constante, tornando-se cada vez mais eficaz, pronto para vencer cada competição e garantir sua permanência no jogo da “empregabilidade”. Todas as atividades do indivíduo devem ser concebidas como um processo de valorização do eu, assemelhando-se a uma produção, a um investimento, a um cálculo de custos[xi]. Estas técnicas de administração de “capital humano” são pragmáticas, “orientadas para a solução”. Dardot e Laval notam que “Não visam tanto ao porquê, mas ao ‘como isso funciona’. Para seguirmos o estilo das fórmulas encontradas nesse tipo de discurso, ‘o fato de encontrar o prego responsável pelo furo não diz nada sobre a maneira como se deve trocar o pneu’”[xii].
Na esfera profissional, as relações sociais tornaram-se transações comerciais pontuais, sem qualquer expectativa de confiança, compromisso ou solidariedade. Dardot e Laval mostram como as relações com o outro são vistas como uma forma de venda a mais e, da mesma maneira que são desenvolvidas técnicas de persuasão para vender um sapato ou um apartamento, também foram criadas técnicas para aumentar a eficácia dessas relações. O ser humano é uma empresa individual e toda empresa precisa de publicidade. E, como na publicidade, “Não se trata de dizer o que é verdadeiro e o que não é. Trata-se de perguntar qual é a forma mais eficaz e mais construtiva de se comunicar com alguém”, adverte uma apresentação pedagógica de programação neurolinguística[xiii]. O que importa é convencer o outro para obter resultados eficientes. O outro é um mero instrumento.
E como a ética da empresa aplicada à condução da subjetividade tornou a atividade laboral o veículo essencial da realização pessoal, os imperativos da eficiência e da concorrência como norma de conduta se alastram por todas as relações sociais humanas, assim como incide também sobre a relação do indivíduo consigo mesmo – que deve sempre buscar a melhor versão de si, ultrapassando seus feitos incessantemente – desde a mais tenra idade, pois é de criança que se começa e encher o porquinho de “capital humano”. Anne Helen Petersen mostra como, a partir da década de 1980, nos lares de classe média, os pais começaram a adotar o “cultivo combinado” na educação de seus filhos, i. e., preencher o tempo de suas crianças com atividades que as preparassem para o mercado de trabalho no futuro – desde aulas de balé, piano, línguas estrangeiras, esgrima, participação em diversas competições, até o estímulo à formação de uma rede de contatos influentes. “(…) para ser ‘bem-sucedida’, uma criança Millennial, pelo menos de acordo com os padrões da classe média, tinha que se preparar para o burnout”[xiv].
O fato de o trabalho ser considerado a esfera primordial da realização pessoal não quer dizer, entretanto, que a identidade de classe do trabalhador é incentivada, muito pelo contrário. Na era neoliberal, os trabalhadores são estimulados a se “libertarem do estatuto passivo do assalariado” – leia-se, basicamente, direitos sociais e trabalhistas garantidos em conjunto pelo Estado e pela empresa – da Era de Ouro e se tornarem empresas de si mesmos a fim de serem bem-sucedidos. Eufemismos como “colaborador” passam a substituir “trabalhador” ou “funcionário”, termos que viraram quase tabu no mundo corporativo. Nessa ultra-robinsonada, não há espaços para redes de suporte coletivo, como os sindicatos, considerados não apenas inúteis, mas inimigos do sucesso individual. A atomização social preconizada pela ordem neoliberal é um adubo imprescindível para que floresça o ambiente de competição generalizada. Todos e cada um estão submetidos ao imperativo da competitividade, que nunca cessa.
Portanto, para “vencer na vida”, é necessário ter dentro de si a tal obsessão por fazer coisas que Adorno identificava na personalidade manipuladora. Um depoimento de um associado da Goldman Sachs nos anos 2000 ilustra com precisão essa característica e como ela virou conduta normativa entre homens de negócios e gerentes:
“A autoestima tem a ver com isso – completar e fazer coisas. Em uma grande empresa ou no mundo acadêmico, é difícil fazer as coisas. [Em Wall Street,] você trabalha com muitas pessoas e todas são superdedicadas, muito inteligentes e motivadas de verdade, e isso cria um ambiente muito bom. Acho que nos velhos tempos, nos anos 1950 ou 1960, as pessoas meio que tinham um padrão definido para suas vidas. Elas iam trabalhar, subiam na hierarquia devagar e faziam qualquer coisa que lhes fosse ordenada. Acho que agora as pessoas foram seduzidas pela possibilidade de dar saltos na carreira e pela grande diferença que podem fazer, quão importante você pode se sentir ou qualquer outra coisa que seja atraente para elas… Acho que nos dias de hoje, você pode fazer muita coisa, e isso é sedutor. É por isso que pessoas que já têm dinheiro mais do que suficiente, respeito mais do que suficiente, continuam envolvidas nisso, sacrificando seu tempo com a família, porque precisam se sentir necessárias. E não há nada melhor do que estar sempre entregando e concluindo coisas” [xv].
Por “coisas” o sujeito neoliberal quer dizer “trabalho”, i. e., fazer seu “capital humano” gerar valor, mais valor, incessantemente. Se você se concede um descanso… um descanso não, uma pausa, uma pausa que não é estratégica o suficiente para lhe permitir trabalhar 130 horas semanais[xvi], você pode perder sua empregabilidade. E não importa que uma enorme quantidade de pesquisas[xvii] demonstre que excesso de trabalho, uma hora ou outra, resulta em queda de desempenho – porque o capataz que se instaurou dentro de cada consciência lhe diz que “cada momento que se passa sem trabalhar significa que outra pessoa está saindo à sua frente”[xviii]. Petersen sublinha que, conforme os sindicatos e a legislação que os protegia se tornaram impopulares durante a era neoliberal, o mesmo sucedeu à solidariedade entre trabalhadores. Como cada indivíduo se enxerga como um trabalhador independente em constante competição, como uma empresa, a solidariedade torna-se um empecilho[xix]. À medida que crescem os níveis de precariedade das condições de trabalho, aumentam a propaganda e o sentimento de que é necessário, para permanecer um bom competidor no mercado de trabalho, estar disposto a ultrapassar, constantemente, todos os limites físicos e emocionais. “Sair da sua zona de conforto” tornou-se um dos maiores clichês no receituário para o sucesso do homem-empresa.
Nos últimos anos, assistimos à ascensão e propagação da “hustle culture” –“cultura da labuta” ou “cultura da ralação”. “Hustle” compreende o sentido de pressa, assim como os de atividade, movimento, aperto e luta competitiva. O indivíduo capturado por esse modo de ser não é só obcecado por fazer coisas, mas também em ostentar que é obcecado por fazer coisas, acelerada e incansavelmente. É o pessoal ávido por exclamar “Segundou!” no lugar de “Sextou!” nas redes sociais[xx].
As empresas da economia dos bicos (Gig Economy) elaboram campanhas agressivas louvando esse tipo de “dedicação”. Uma delas achou por bem publicar em seu blog a história de uma de suas motoristas, que, a uma semana de dar à luz, sentiu fortes contrações, mas continuou levando passageiros de um lado para o outro, pois pensava que era só um desconforto qualquer, e quando ela finalmente se deu conta de que era mesmo o bebê querendo sair do útero uma semana mais cedo, dirigiu-se ao hospital, não sem, no meio do caminho, fazer outra corrida[xxi].
No Brasil, a iFood se notabilizou por uma ação de marketing 4.0 contra as greves dos entregadores, e vários de seus conteúdos eram típicos da cultura da labuta – “Correria hoje pra construir o amanhã”, “Não pare quando estiver cansado. Pare quando estiver tudo feito”[xxii]. Outra campanha emblemática do tipo manipulador, “possesso pela vontade de doing things”[xxiii] é esta: “Você almoça um café. Você persiste na sua persistência. Privação do sono é sua droga favorita. Você pode ser uma pessoa de ação. Fiverr – Nós acreditamos em pessoas de ação (doers)”[xxiv].
O bilionário mais autocongratulatório dos nossos tempos, o novo dono do ex-Twitter, é um grande entusiasta da cultura da labuta. Em novembro de 2016 ele postou que havia lugares mais tranquilos do que a Tesla para trabalhar, “mas ninguém nunca mudou o mundo trabalhando 40 horas semanais”. E completou com outro dos maiores contos do vigário da razão neoliberal: se você ama o que faz, “(quase) não sente que está trabalhando”[xxv].
Fica evidente que o sujeito ideal do neoliberalismo deve estar disposto a nunca parar de trabalhar. Na tão disseminada fórmula “Não pare quando você estiver cansado. Pare quando tiver finalizado a tarefa”, à primeira vista, parece que o descanso virá após o serviço terminado, mas, como observam Dardot e Laval, a subjetividade empresarial desta fase do capitalismo define uma “subjetivação pelo excesso de si em si ou, ainda, pela superação indefinida de si”. A satisfação nunca chega, porque o gozo está num “além de si sempre repelido”[xxvi]. É a lógica da sobrevivência de uma empresa – se não há crescimento econômico, se seu capital não é continuamente expandido, ela perece diante das concorrentes.
Durante os primeiros impactantes meses da pandemia da Covid-19, a Secretaria de Comunicação do governo Bolsonaro formulou uma peça publicitária cujo lema era “O Brasil não pode parar”[xxvii], na qual o locutor citava diversas profissões, repetindo “o Brasil não pode parar”. Cerca de dois meses depois, na cruzada bolsoguedista antilockdown, a Secom lançou outra campanha, desta feita aludindo a um dos mais famosos lemas nazistas, “O trabalho liberta”: “Parte da imprensa insiste em virar as costas aos fatos, ao Brasil e aos brasileiros. Mas o governo, por determinação de seu chefe, seguirá trabalhando para salvar vidas e preservar o emprego e a dignidade dos brasileiros. O trabalho, a união e a verdade libertarão o Brasil…”[xxviii].
Deve ter escorrido uma furtiva lágrima entre alguns membros do governo Bolsonaro quando souberam da dedicação da rede de supermercados Carrefour em não fechar nem em caso de um trabalhador morrer em pleno expediente – foi só cobrir o corpo do recente defunto com alguns guarda-sóis e cercá-lo com uns tapumes improvisados para nenhum funcionário ou cliente se distrair com impulsos de comiseração, um sentimento claramente improdutivo para os padrões neoliberais[xxix]. Afinal, chega de frescura, de mimimi. Vamos ficar chorando até quando?[xxx]
O realismo exagerado é outro traço que o sujeito neoliberal compartilha com a personalidade manipuladora. Possesso pela vontade de “fazer coisas”, o tipo manipulador não pode imaginar, nem por um segundo, o mundo diferente do que ele é. “A qualquer custo ele procura praticar uma pretensa, embora delirante, realpolitik”[xxxi]. “É preciso ser realista”, dizem. Não deve haver utopia. Por realismo esse sujeito entende o reconhecimento da “esmagadora superioridade do existente em relação ao indivíduo e suas intenções, de que se advoga um ajuste que implica a resignação em relação a qualquer tipo de melhoria básica, de que se desiste de qualquer coisa que possa ser chamada de devaneio e de que se remodela a si mesmo como se fosse um apêndice do maquinário social”[xxxii].
Ora, uma das marcas indeléveis do clima cultural nos anos neoliberais é a desqualificação das utopias – seja como tolice, infantilidade ou caminho pavimentado para o totalitarismo. No plano coletivo, há todo um trabalho de criação de consenso em torno dessa ideia, difundida em diversas plataformas. No plano individual, as diversas técnicas neoliberais para a autoadministração da nossa “empresa interna” individual – coaching, programação neurolinguística, análise transacional – vendem ferramentas para que tenhamos mais chances de nos adaptarmos melhor à realidade, tornando-nos mais operacionais mesmo diante das situações mais estressantes ou deprimentes[xxxiii].
As pesquisas de The Authoritarian Personality mostraram que, entre os altos pontuadores da “escala F”, a negação da utopia encontra-se bastante vinculada a ideias como “a maldade eterna e intrínseca da natureza humana” e o “instinto humano de luta”. Adorno alertava que “uma pessoa pode expressar agressividade mais livremente quando crê que todos estão fazendo o mesmo”[xxxiv]. A difamação da natureza humana como egoísta e belicosa também é bastante compartilhada pelo ideário neoliberal. Essa crença cultural foi até fantasiada com trajes de ciência, como denuncia Susan McKinnon, comumente apresentada sob a rubrica de “psicologia evolucionista”, que adultera a teoria da evolução e da seleção natural numa “genética neoliberal”, naturalizando os “valores econômicos neoliberais do interesse individual, da competição, da escolha racional e do poder do mercado para criar relações sociais” [xxxv].
Na cultura neoliberal do trabalho desenvolve-se toda uma apologia da necessidade de ser impiedoso, pois é o que a competitividade constante exige – e se a natureza humana é individualista e agressiva, se você não for impiedoso, outro será e tomará, assim, seu lugar. O mundo da civilização capitalista é pintado como um estado de natureza, mas os bem-sucedidos nesse vale-tudo podem furar os olhos dos competidores com uma faca Christofle, trajando um terno Armani, após terem chegado de helicóptero à arena. Mas que eles não se acostumem a esses mimos, pois “nada é garantido” e, na próxima batalha, tudo lhes pode ser retirado.
Para mostrar seu valor pessoal na sociedade neoliberal, é imperativo superar seus limites, sejam físicos, psicológicos ou morais. Nos reality shows de competição, que exprimem tão bem a ética do sujeito-empresa neoliberal, a impiedade, a sabotagem e o egoísmo são vistos como mais uma “habilidade” qualquer na competição. Segundo um participante desses programas de naturalização do sofrimento (tanto do sofrimento autoimposto quanto o do imposto ao concorrente), “Em situações de sobrevivência, há muitas coisas das quais você tem que se livrar. No que concerne aos objetivos morais, às vezes é cada um por si. A parte da compaixão, você tem que matar”[xxxvi].
Silvia Viana mostra como esses programas estão cheios de exemplos como este, que reproduzem a ética da hegemonia neoliberal que deve conformar o sujeito-empresa. O trabalho sujo passa a ser valorizado como coragem – “É necessário esforço para ser mau, ir contra a própria consciência”[xxxvii]. Christophe Dejours assinala: “A violência, a injustiça, o sofrimento infligido a outrem só podem se colocar ao lado do bem se forem infligidos no contexto de uma imposição de trabalho ou de uma ‘missão’ que lhes sublime a significação”[xxxviii].
Em uma entrevista ao jornal português Público, Dejours relata o caso de um estágio de formação na França em que, no início, cada um dos 15 participantes – todos quadros superiores – recebeu um gatinho. Ao fim do estágio, que durou uma semana, o diretor ordenou que todos matassem esses gatos. Era uma formação para ser impiedoso. 14 pessoas obedeceram. A única que não acatou a ordem adoeceu e teve que se consultar com Dejours. O entrevistador comenta: “Está a descrever um cenário totalmente nazi…”[xxxix].
Pois é… Em Eichmann em Jerusalém, Hannah Arendt discorre sobre o papel de Heinrich Himmler em “resolver problemas de consciência”, apontando que ele quase nunca tentava justificar as atrocidades nazistas em termos ideológicos, mas sim buscava inverter a direção dos instintos que afetam todo homem normal diante do sofrimento físico alheio, fazendo que se voltassem para o próprio indivíduo perpetrador da violência: “Assim, em vez de dizer ‘Que coisas horríveis eu fiz com as pessoas!’, os assassinos poderiam dizer ‘Que coisas horríveis eu tive de fazer na execução dos meus deveres, como essa tarefa pesa sobre os meus ombros!’”[xl]. Na perpetração dos horrores nazistas, reinou a mesma lógica da valorização do trabalho sujo como heroísmo.
Adorno constatou que muitos antissemitas politicamente fascistas no Terceiro Reich eram do tipo manipulador, como Himmler, Höss e Eichmann. “Sua inteligência sóbria, junto com a ausência quase completa de quaisquer afetos, torna-os talvez os mais impiedosos de todos. Seu modo organizacional de olhar para as coisas os predispõe a soluções totalitárias. Seu objetivo é a construção de câmaras de gás // em vez do pogrom.” Não é nem mesmo preciso odiar os bodes-expiatórios escolhidos – lidam com eles por medidas administrativas, sem qualquer contato pessoal com as vítimas. “Seu cinismo é quase completo: ‘A questão judaica será resolvida de maneira estritamente legal’ é a maneira como falam sobre o frio pogrom”[xli].
Algumas considerações de Arendt sobre a subjetividade de uma parcela dos nazistas também se assemelham à descrição da personalidade manipuladora feita por Adorno. Segundo Arendt, o nazismo percebeu que, para sua máquina do domínio e do extermínio, “as massas coordenadas da burguesia constituíam material capaz de crimes ainda piores que os cometidos pelos chamados criminosos profissionais [oriundos da ralé], contanto que esses crimes fossem bem organizados e assumissem a aparência de tarefas rotineiras”[xlii]. Ela assinalava que Himmler não era “boêmio como Goebbels, nem criminoso sexual como Streicher, nem louco como Rosenberg, nem fanático como Hitler, nem aventureiro como Göring”, mas um homem “mais normal”.
A grande capacidade de Himmler para organizar as massas sob o domínio nazista partia do pressuposto de que os homens, em sua maioria, não eram boêmios, fanáticos, aventureiros, maníacos sexuais, loucos nem fracassados, “mas, acima e antes de tudo, empregados eficazes e bons chefes de família”.
Arendt julgava que a atomização do indivíduo burguês, expressa em sua grande devoção a questões de família e de carreira pessoal, era o produto da crença burguesa na suma importância do interesse privado. O típico homem que Himmler organizou para a tortura e assassinato em massa, de forma industrial, “era o burguês que, em meio às ruínas do seu mundo, cuidava mais da própria segurança, estava pronto a sacrificar tudo a qualquer momento – crença, honra, dignidade”[xliii].
No início da década de 1940, Herbert Marcuse, ao analisar a nova mentalidade construída sob o regime nazista, apontava como, após a I Guerra Mundial, o ritmo da reconstrução e da modernização do aparato industrial alemão foi admirável, mas os lucros obtidos desse aparato não foram os esperados pelos capitalistas alemães, devido ao encolhimento do mercado interno, à perda do mercado externo, e à legislação social da República de Weimar[xliv].
O nazismo lhes ofereceu a volta de uma política imperialista direta, a expansão do mercado interno e a passagem de um rolo compressor sobre a legislação social (e dos partidos e movimentos sociais de esquerda, que a apoiavam)[xlv]. “O mesmo princípio de eficiência que, na organização dos negócios, levou à arregimentação da indústria, beneficiando os mais poderosos conglomerados, leva, na organização do trabalho, à total mobilização da força de trabalho”[xlvi].
E entre as principais características da subjetividade na Alemanha nazista, Marcuse destaca justamente as ideias de competitividade implacável, eficiência, pragmatismo, glorificação do indivíduo e do risco, tão caras ao neoliberalismo. A população alemã, sob o nazismo, havia sido impregnada com “uma racionalidade que mede todos os assuntos em termos de eficiência, sucesso e eficácia. O ‘sonhador’ e ‘idealista’ alemão tornou-se o ‘pragmático’ mais brutal do mundo. Ajustou seus pensamentos, sentimentos e comportamento à racionalização tecnológica que o nacional-socialismo transformou na mais formidável arma de conquista. Pensa em quantidades: em termos de velocidade, habilidade, energia, organização, massa”[xlvii].
Marcuse ponderava que o terror que ameaçava o indivíduo alemão a qualquer momento provocava nele essa mentalidade: “aprendeu a ser desconfiado e astuto (…), mecanizar suas ações e reações e adaptá-las ao ritmo da arregimentação universal. Esta factualidade é o próprio cerne da mentalidade nacional-socialista e o fermento psicológico do sistema nacional-socialista”[xlviii]. Marcuse ressalta que o discurso de Adolf Hitler no Clube da Indústria em janeiro de 1932 enfatizava que, no mundo moderno, fosse no âmbito privado, social ou político, a vida se baseava no princípio da eficiência.
“De acordo com este princípio, os indivíduos, assim como os grupos sociais e as nações recebem uma participação no produto social medido pelo seu desempenho na luta competitiva – independentemente dos meios pelos quais este desempenho foi atingido e independentemente de seus fins, desde que se mantenham dentro do padrão social estabelecido. Para Hitler, a sociedade moderna se perpetua pela competição implacável entre grupos e indivíduos desiguais: somente o concorrente mais implacável e mais eficiente consegue se manter neste mundo”[xlix].
Segundo Marcuse, o Estado nazista foi a consumação do individualismo competitivo, e não seu reverso, como tantas vezes foi e é interpretado. “O regime libera todas as forças do autointeresse brutal que os países democráticos haviam tentado dominar e as combina com o interesse da liberdade”[l]. A ênfase no indivíduo presente nas proclamações ideológicas nazistas tinha sua contrapartida na organização das massas, que é guiada pelo princípio da atomização e do isolamento. Ao contrário da organização de classe, a organização de massas não se dá pela consciência de um interesse comum, mas é apenas uma coordenação de indivíduos, “cada um seguindo seu interesse próprio mais primitivo e a unificação destes se efetua pelo fato de este autointeresse próprio se reduzir ao simples instinto de autopreservação, que é idêntico em todos eles”[li].
Não quero argumentar que neoliberalismo e fascismo são a mesma coisa. Assim como Amós Oz, considero que distinguir entre as gradações do mal é uma parte difícil e absolutamente necessária do exercício moral. É preciso “prestar atenção às diferenças entre o que é ruim, pior e o pior de tudo”[lii]. Logicamente, o fascismo é o que está no balaio com a etiqueta “pior de tudo”. O que tento fazer aqui é chamar atenção para certas afinidades inquietantes entre a subjetividade-modelo produzida pelo neoliberalismo e 1) os tipos de personalidade que os estudos de Adorno detectaram, nos anos 40 do século passado, como as mais propensas a serem seduzidas pela propaganda fascista, e 2) algumas características que o fascismo histórico considerava ideais como norma de conduta para sua subjetividade-modelo.
Portanto, parece-me que o Zeitgeist do neoliberalismo torna mais fácil a tarefa da propaganda fascista, ao mesmo tempo que cria as condições objetivas para que a adesão popular – seja por entusiasmo ou identificação total (ou quase), seja por indiferença aos horrores que vêm anexados ao ticket fascista – se dissemine como rastilho de pólvora.
As semelhanças entre o contexto histórico de surgimento do fascismo clássico e o que estamos vivendo hoje em dia são suficientemente alarmantes. Refiro-me, sobretudo, à imensa concentração de capital e, consequentemente, ao crescimento da desigualdade social e da instabilidade econômica, com milhões de indivíduos buscando novas formas de sobrevivência para evitar o descenso social – ou ficando frustrados com a quebra de expectativas de ascensão social. Às brutais pressões econômicas, soma-se a corrosão da legitimidade das principais instituições da democracia burguesa, consideradas corruptas e ineficientes para proteger os que se sentiram logrados, injustiçados ou deixados para trás.
Grandes ondas de ressentimento vão se formando e elas alcançam níveis maiores onde a atomização social se dissemina com mais profundidade. Hoje temos como agravante a crise climática, que expõe claramente a obsolescência do modo de produção capitalista, guiado pela compulsão do crescimento incessante em um planeta cujos recursos são finitos e cujo equilíbrio ecológico do qual a vida humana depende é extremante complexo e delicado.
Ainda que, contra todas as condições catalisadoras dos tempos neoliberais, uma nebulosa fascista não se precipite, é demasiado preocupante que tanto da mentalidade fascista sobreviva tão difusa entre nós. E isso não deveria nos surpreender porque o fascismo surgiu como uma forma de administração capitalista para tentar solucionar uma crise de lucratividade combinada a uma crise de legitimidade.
Tenho a impressão de que o significante “nazismo” (e seus derivados) ainda provoca muita rejeição, mas muito do conteúdo que o seu significado expressa é aceito ou naturalizado, num surreal divórcio entre significante e significado. Alguns intelectuais contemporâneos europeus lamentam uma amnésia dos fatos de horror que ocorreram sob o regime nazista e clamam por uma batalha pela memória. Esta é, de fato, crucial para barrar o fascismo, mas não é suficiente, especialmente se ignorarmos quais as condições sociais que geram os amnésicos. E, ainda assim, sabendo os fatos, será possível que o pensamento possa trabalhá-los de forma categorial? Porque não adianta termos o conhecimento de todos os fatos se formos como “Irineu Funes, o memorioso”, isto é, incapazes de estabelecer relações conceituais, mesmo possuindo uma memória infalível.
E essa é uma das grandes tragédias do desenvolvimento capitalista: limitar o pensamento humano à apreensão do factual isolado, reduzi-lo a um simples atributo para a qualificação no mercado de trabalho. O alinhamento das temporalidades vividas pelo indivíduo com as necessidades da rotação do capital desestimula a reflexão intelectual e a espiritual porque o tempo que se dispende com elas é considerado improdutivo, visto que o pensamento é nivelado ao imediatamente presente. Adorno e Horkheimer, em Dialética do Esclarecimento, advertiram para a regressão que a sociedade industrial avançada produzia sobre a efetuação do juízo, subtraindo-lhe a capacidade de julgar, de distinguir o verdadeiro e o falso.
O pensamento estava se convertendo em um “objeto de luxo fora de moda”. Essa expressão me remete a uma fala de Arthur Weintraub, entrevistado por Eduardo Bolsonaro em uma live, quando revela ser um dos gurus da cloroquina do Ministério da Saúde paralelo montado por Jair Bolsonaro. Segundo Arthur, o então presidente o conclamou: “Ô, magrelo, você que é porra-louca, vai lá e estuda isso daí, cara”. E então ele começou a ler artigos na internet. Sobre o método científico, Arthur se expressou assim: “O modelo acadêmico, que segue o método científico, é um modelo arcaico, cara, é uma coisa que vem de quando não tinha internet, era tudo no papel, as pessoas tinham tempo…”[liii].
Esse “naufrágio da reflexão” pavimenta o caminho para as arbitrariedades e o embrutecimento da administração fascista: “Quando o fascismo substituiu no processo penal os procedimentos legais complicados por um procedimento mais rápido, os contemporâneos estavam economicamente preparados para isso; eles haviam aprendido a ver as coisas, sem maior reflexão, através dos modelos conceituais e termos técnicos que constituem a estrita ração imposta pela desintegração da linguagem”[liv].
Mark Fisher, cerca de sete décadas depois, relatava como o trabalho dos professores encontrava-se sob uma intolerável pressão para mediar “a subjetividade pós-letrada do consumidor no capitalismo tardio e as demandas do regime disciplinar (passar nos exames e coisas do tipo)”[lv], analisando os impactos de uma “cultura pontilhada, a-histórica e antimnemônica” sobre a geração Z e uma parte da geração Y, para as quais “o tempo, desde sempre, veio cortado e embalado em micro fatias digitais”[lvi] e o reconhecimento de slogans é o suficiente para orientar-se no plano informacional dos tempos da internet.
A união entre o celular e a internet constitui uma ferramenta poderosa na produção do pensamento estereotipado, tão marcante no tipo manipulador e fundamental para as necessidades do aparelho econômico de produção do capitalismo moderno. A vivência virtual pelo smartphone predispõe nossa consciência a ser cativa da proliferação de imagens, da celebração do efêmero, das robinsonadas, da pressa, do ruído e da luz incessantes, da vigília constante, e avessa ao silêncio, ao sono, à solitude, à ponderação, à introspecção, à hesitação – porque estes últimos significam um aumento no tempo de rotação capital, cada vez mais intolerável na sociedade do desempenho, amparada na compulsão capitalista pela expansão.
Adorno e Horkheimer observaram que, na sociedade capitalista, a partir do século XX, “quem hesita se vê proscrito como um desertor. Desde Hamlet, a vacilação tem sido para os modernos um sinal do pensamento e da humanidade. O tempo perdido representava e mediatizava ao mesmo tempo a distância entre o individual e o universal”[lvii].
E uma observação de Victor Klemperer é bastante ilustrativa de como a postura anti-hesitação também era valorizada pelo nazismo: “ponto de vista de Montaigne: Que sais-je, o que sei? Ponto de vista de Renan: o ponto de interrogação é o mais importante de todos os sinais de pontuação. É a posição de extremos antagonismo à teimosia e à autoconfiança nazistas. O pêndulo da humanidade oscila entre ambos os extremos, procurando o ponto de equilíbrio. Antes de Hitler e durante o período de Hitler afirmou-se inúmeras vezes que todo progresso se deve aos obstinados e todos os empecilhos se devem aos simpatizantes do ponto de interrogação. Não se pode afirmar isso com certeza, mas se pode afirmar, com certeza, que mãos sujas de sangue são sempre de obstinados”[lviii].
O capitalismo vem se tornando, assim, cada vez mais, o reinado dos “doers”, dos homens de ação, do tipo manipulador. Se, na aurora do capitalismo, tornar-se um apêndice da máquina era a figura que marcava a alienação humana, se a desantropomorfização imposta pelo capitalismo era representada pela animalização, por tornar-se um “gorila amestrado”, hoje nossa alienação é marcada pela tentativa da imitação mais próxima possível da máquina, nossa desantropomorfização é representada pela digitalização da nossa subjetividade – a máquina opera pela estereotipia.
Por isso é necessário, como advertiu Brecht, que não se qualifique o fascismo simplesmente como uma “onda de barbárie que desabou como uma catástrofe da natureza sobre alguns países”. Tomar uma posição contra o fascismo sem criticar o capitalismo, que o engendra, seria como querer “comer sua porção de vitela sem abatê-la. Querem comer a vitela, mas não querem ver o sangue. Contentam-se em saber que o açougueiro lava as mãos antes de trazer a carne. Não são contra as relações de propriedade que produzem a barbárie. São apenas contra a barbárie”[lix].
A ameaça do bacilo do fascismo é eterna… enquanto dure o capitalismo.
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[i] Albert Camus, A Peste, Rio de Janeiro: Editora Record, 1999, p. 269. O romance foi escrito durante os anos que Camus integrou o movimento da resistência francesa ao nazismo e publicado pela primeira vez em 1947.
[ii] Antonio Gramsci, “Caderno 13 (1932-1934) – Breves notas sobre a política de Maquiavel” in: Cadernos do Cárcere, vol. 3, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000, p. 23.
[iii] Cf. Theodor W. Adorno, Estudos Sobre a Personalidade Autoritária, São Paulo: Editora Unesp, 2019.
[iv] A estereotipia nos estudos frankfurtianos nada tem a ver, portanto, com o conceito de estereotipia associado ao Transtorno do Espectro Autista, que compreende comportamentos motores e verbais repetitivos, restritos e sem finalidade aparente.
[v] Theodor W. Adorno, “Educação após Auschwitz” in: Educação e Emancipação, São Paulo: Paz e Terra, 2021, p. 141. Palestra na Rádio de Hessen, transmitida em 18 de abril de 1965, publicada pela primeira vez em 1967.
[vi] Theodor W. Adorno, Estudos Sobre a Personalidade Autoritária, São Paulo: Editora Unesp, 2019, pp. 561-562, grifos adicionados.
[vii] Theodor W. Adorno, “Educação após Auschwitz” in: Educação e Emancipação, São Paulo: Paz e Terra, 2021, pp. 143-144.
[viii] Theodor W. Adorno, “Educação após Auschwitz” in: Educação e Emancipação, São Paulo: Paz e Terra, 2021, p. 144.
[ix] Cf. Pierre Dardot & Christian Laval, A Nova Razão do Mundo: Ensaio Sobre a Sociedade Neoliberal, São Paulo: Boitempo, 2016.
[x] Em inglês, self-improvement, termo bastante usado no corporativês. Ellen Wood, ao defender a tese de que o capitalismo nasce no campo, chama atenção para como “improve” (melhorar/aprimorar/aperfeiçoar), em sua acepção original, significava, literalmente, fazer alguma coisa visando ao lucro monetário, especialmente por meio do cultivo de terras. No século XVII, “improver” (melhorador) referia-se àquele que tornava a terra produtiva e lucrativa. Com o tempo, “improve” e seus derivados foram adquirindo o significado mais geral que conhecemos hoje – “e seria interessante pensar nas implicações de uma cultura em que a palavra correspondente a ‘tornar melhor’ enraíza-se no termo que corresponde a lucro monetário”. Ellen Wood, A Origem do Capitalismo, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 89.
[xi] A “atividade do indivíduo, sob suas diferentes facetas (trabalho remunerado, trabalho beneficente para uma associação, gestão do lar familiar, aquisição de competências, desenvolvimento de uma rede de contatos, preparação para uma mudança de atividade etc.), é pensada em sua essência como empresarial.”, diz um dos gurus do “desenvolvimento pessoal”. Bob Aubrey, L’entreprise de soi, Paris: Flammarion, 2000, p. 15 apud: Pierre Dardot e Christian Laval, A Nova Razão do Mundo: Ensaio Sobre a Sociedade Neoliberal, São Paulo: Boitempo, 2016, p. 335.
[xii] Pierre Dardot e Christian Laval, A Nova Razão do Mundo: Ensaio Sobre a Sociedade Neoliberal, São Paulo: Boitempo, 2016, p. 340.
[xiii] Antoni Girod, La PNL, Paris: Interéditions, 2008, p. 37 apud: Pierre Dardot e Christian Laval, A Nova Razão do Mundo: Ensaio Sobre a Sociedade Neoliberal, São Paulo: Boitempo, 2016, p. 340.
[xiv] Anne Helen Petersen, Não Aguento Mais Não Aguentar Mais: Como os Millennials Se Tornaram a Geração do Burnout, Rio de Janeiro: HarperCollins, 2021 [2020], pp. 64-65, capítulo 2 (Miniadultos em crescimento).
[xv] Karen Zouwen Ho, Liquidated: An Ethnography of Wall Street, Durham: Duke University Press, 2009 apud: Anne Helen Petersen, Não Aguento Mais Não Aguentar Mais: Como os Millennials se Tornaram a Geração do Burnout, Rio de Janeiro: HarperCollins Brasil, 2021, p. 180.
[xvi] Marissa Mayer, ex-CEO do Yahoo, disse em entrevista ao Bloomberg Businessweek, em 2016, que trabalhar 130 horas semanais é possível “se você é estratégico sobre quando você dorme, quando você toma banho e quão frequentemente você vai ao banheiro”. Max Chafkin, “Yahoo’s Marissa Mayer on Selling a Company While Trying to Turn It Around” in: Bloomberg, 4 ago. 2016. Último acesso: 25 ago. 2023.
[xvii] Camilo Rocha, “Quais as críticas a quem glorifica a ‘ralação’ no trabalho?” in: Nexo via Democracia e Mundo do Trabalho em Debate, 18 fev. 2019. Último acesso: 25 ago. 2023.
[xviii] Miya Tokumitsu, Do What You Love And Other Lies About Success and Happiness, Nova York: Regan Arts, 2015 apud: Anne Helen Petersen, Não Aguento Mais Não Aguentar Mais: Como os Millennials Se Tornaram a Geração do Burnout, Rio de Janeiro: HarperCollins Brasil, 2021, p. 122.
[xix] Cf. Anne Helen Petersen, Não Aguento Mais Não Aguentar Mais: Como os Millennials se Tornaram a Geração do Burnout, Rio de Janeiro: HarperCollins Brasil, 2021.
[xx] Em inglês, usam a sigla “T.G.I.M” – Thank, God, It’s Monday!”.
[xxi] Ver Bryan Menegus, “Lyft Thinks It’s Exciting That a Driver Was Working While Giving Burth” in: Gizmodo, 22 set. 2016. Último acesso: 25 ago. 2023.
[xxii] Ver Clarissa Levy, “A Máquina Oculta de Propaganda do iFood” in: A Pública, 4 abr. 2022. Último acesso: 25 ago. 2023.
[xxiii] Theodor W. Adorno, “Educação após Auschwitz” in: Educação e Emancipação, São Paulo: Paz e Terra, 2021, p. 140.
[xxiv] “You eat a coffee for lunch. You follow through on your follow through. Sleep deprivation is your drug of choice. You might be a doer. Fiverr – In doers we trust”. Ver Jia Tolentino, “The Gig Economy Celebrates Working Yourself to Death”, The New Yorker, 22 mar. 2017. Último acesso: 25 ago. 2023.
[xxv] Ver Erin Griffith, “Why Are Young People Pretending to Love Work?”, The New York Times, 26 jan. 2019. Último acesso: 25 ago. 2023.
[xxvi] Pierre Dardot e Christian Laval, A Nova Razão do Mundo: Ensaio Sobre a Sociedade Neoliberal, São Paulo: Boitempo, 2016, p. 357, grifos no original.
[xxvii] Ver “Governo federal lança vídeo em tom emocional pedindo que o Brasil não pare; veja”, Tempo, 22 mar. 2020. Último acesso: 25 ago. 2023.
[xxviii] Ver Anaís Motta, “Secom usa lema associado ao nazismo para divulgar ações, mas nega relação” in: UOL Notícias, 10 maio 2020. https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/05/10/secom-usa-lema-associado-ao-nazismo-para-divulgar-acoes-contra-a-covid-19.htm. Último acesso: 25 ago. 2023.
[xxix] Ver “Trabalhador morre em supermercado no Recife; corpo é coberto por guarda-sóis, e local continua funcionando”, G1, 19 ago. 2020. https://g1.globo.com/pe/pernambuco/noticia/2020/08/19/representante-de-vendas-morre-em-supermercado-no-recife-e-corpo-e-coberto-por-guarda-sois.ghtml. Último acesso em 26 ago. 2023.
[xxx] Ver Daniel Gullino, “Chega de frescura, de mimimi. Vão ficar chorando até quando?”, diz Bolsonaro sobre pandemia, O Globo, 4 mar. 2021. https://oglobo.globo.com/saude/coronavirus/chega-de-frescura-de-mimimi-vao-ficar-chorando-ate-quando-diz-bolsonaro-sobre-pandemia-1-24909333. Último acesso: 26 ago. 2023.
[xxxi] Theodor W. Adorno, “Educação após Auschwitz” in: Educação e Emancipação, São Paulo: Paz e Terra, 2021, p. 140.
[xxxii] Theodor W. Adorno, Estudos Sobre a Personalidade Autoritária, São Paulo: Editora Unesp, 2019, p. 419.
[xxxiii] Cf. Pierre Dardot & Christian Laval A Nova Razão do Mundo: Ensaio Sobre a Sociedade Neoliberal, São Paulo: Boitempo, 2016.
[xxxiv] Theodor W. Adorno, Estudos Sobre a Personalidade Autoritária, São Paulo: Editora Unesp, 2019, p. 155.
[xxxv] Susan McKinnon, Genética Neoliberal: Uma Crítica Antropológica da Psicologia Evolucionista, São Paulo: Ubu Editora, 2021, p. 188.
[xxxvi] Silvia Viana, Rituais de Sofrimento, São Paulo: Boitempo, 2012, p. 155.
[xxxvii] Silvia Viana, Rituais de Sofrimento, São Paulo: Boitempo, 2012, p. 156.
[xxxviii] Christophe Dejours, A Banalização da Injustiça Social apud: Silvia Viana, Rituais de Sofrimento, São Paulo: Boitempo, 2012, p. 156, grifos no original.
[xxxix] “Um suicídio no trabalho é uma mensagem brutal – entrevista a Christophe Dejours”, Público, 1º
fev. 2010. Disponível Aqui. Último acesso: 20 ago. 2023.
[xl] Hannah Arendt, Eichmann em Jerusalém: Um Relato Sobre a Banalidade do Mal, São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 122.
[xli] Theodor W. Adorno, Estudos Sobre a Personalidade Autoritária, São Paulo: Editora Unesp, 2019, p. 562, grifos adicionados.
[xlii] Hannah Arendt, Origens do Totalitarismo, São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 472. Brecht também notou esse apego à ordem e a obsessão pela execução perfeita da tarefa ordenada na sociedade nazista, sem que o conteúdo da tarefa importasse, e o fez tema de um dos primeiros diálogos de sua obra Conversas de refugiados. Sobre a compulsão ordeira de um membro da SS: “O sentido da ordem era-lhe de tal maneira entranhado que ele preferia não açoitar a fazê-lo de forma desordenada”. Sobre o desperdício ordeiro da guerra: “A ordem consiste em desperdiçar as coisas de modo planejado. Tudo aquilo que é jogado fora, ou arruinado, ou devastado, deve ser registrado e enumerado no papel, isso é ordem. Contudo, a principal razão para que a ordem seja observada é de natureza pedagógica. O homem não pode executar certas tarefas se não o fizer de modo ordeiro. Refiro-me aqui às ordens absurdas. Faça um prisioneiro cavar uma vala e então novamente soterrá-la e em seguida voltar a cavá-la, e deixe-o fazê-lo da maneira mais desleixada, como lhe der na telha; ele se tornará louco, ou rebelde, o que dá no mesmo. Se, porém, for instado a segurar a pá dessa ou daquela maneira, a não enterrá-la um único centímetro mais fundo, e se uma linha for esticada demarcando o ponto onde ele deve cavar, de modo que a vala tenha uma medida exata, e se novamente, ao soterrá-la, zelar para que o terreno fique tão plano como se nenhuma vala houvesse sido escavada, então o trabalho pode ser executado e tudo vai andar na linha, como diz a expressão popular”. Bertolt Brecht, Conversas de Refugiados, São Paulo: Editora 34, 2017, pp. 14; 16.
[xliii] Hannah Arendt, Origens do Totalitarismo, São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 472.
[xliv] Cf. Herbert Marcuse, “A nova mentalidade alemã” in: Herbert Marcuse, Tecnologia, Guerra e Fascismo, São Paulo: Fundação Editora da Unesp, 1999.
[xlv] Adam Tooze destaca que os registros disponíveis da famosa reunião entre 25 homens de negócios e Hitler, Schacht e Göring na mansão deste último, em de 20 de fevereiro de 1933, mostram que o conflito entre esquerda e direita foi o tema central dos discursos tanto de Hitler quanto de Göring. Cf. Adam Tooze, O Preço da Destruição: Construção e Ruína da Economia Alemã, Rio de Janeiro: Record, 2013, cap. 3. “Sócios: o regime e o mundo dos negócios na Alemanha”.
[xlvi] Herbert Marcuse, “Estado e indivíduo sob o nacional-socialismo” in: Herbert Marcuse, Tecnologia, Guerra e Fascismo, São Paulo: Fundação Editora da Unesp, 1999, p. 123.
[xlvii] Herbert Marcuse, “A nova mentalidade alemã” in: Herbert Marcuse, Tecnologia, Guerra e Fascismo, São Paulo: Fundação Editora da Unesp, 1999, p. 197.
[xlviii] Herbert Marcuse, “A nova mentalidade alemã” in: Herbert Marcuse, Tecnologia, Guerra e Fascismo, São Paulo: Fundação Editora da Unesp, 1999, p. 197.
[xlix] Herbert Marcuse, “Estado e indivíduo sob o nacional-socialismo” in: Herbert Marcuse, Tecnologia, Guerra e Fascismo, São Paulo: Fundação Editora da Unesp, 1999, p. 112, grifos adicionados.
[l] Herbert Marcuse, “Estado e indivíduo sob o nacional-socialismo” in: Herbert Marcuse, Tecnologia, Guerra e Fascismo, São Paulo: Fundação Editora da Unesp, 1999, p. 121.
[li] Herbert Marcuse, “Estado e indivíduo sob o nacional-socialismo” in: Herbert Marcuse, Tecnologia, Guerra e Fascismo, São Paulo: Fundação Editora da Unesp, 1999, p. 122.
[lii] Amós Oz, “Em louvor às penínsulas” in: Como Curar Um Fanático: Israel e Palestina: Entre o Certo e o Certo, São Paulo: Companhia das Letras, 2016, p. 20.
[liii] Ver GREG NEWS | BRASIL PARALELO , entre 2m17s e 2m39s.
[liv] Theodor W. Adorno e Max Horkheimer, Dialética do Esclarecimento, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985, p. 166.
[lv] Mark Fisher, Realismo Capitalista, São Paulo: Autonomia Literária, 2020, p. 49.
[lvi] Mark Fisher, Realismo Capitalista, São Paulo: Autonomia Literária, 2020, p. 48.
[lvii] Theodor W. Adorno e Max Horkheimer, Dialética do Esclarecimento, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985, p. 169.
[lviii] Victor Klemperer, LTI: A Linguagem do Terceiro Reich, Rio de Janeiro: Contraponto, 2009, pp. 131-132.
[lix] Bertolt Brecht, “Cinco dificuldades no escrever a verdade” in: marxists.org, . Último acesso: 19/10/2022. Um ano após a chegada dos nazistas ao poder na Alemanha, Brecht escreveu o panfleto político “Cinco dificuldades no escrever a verdade”, distribuído ilegalmente em seu país natal.