26 Julho 2024
"O coração ideal dessa conexão da Igreja Católica com a mais alta instituição esportiva pode ser encontrado em um componente desconhecido para a maioria, que remonta às próprias raízes do olimpismo. O famoso criador dessa realidade agora universal em nível institucional (...), o Barão Pierre de Coubertin (1863-1937), tinha como guia espiritual um dominicano, o Pe. Martin Didon (nascido Henri Louis Rémy), a quem estava ligado por profunda amizade", escreve Gianfranco Ravasi, ex-prefeito do Pontifício Conselho para a Cultura, em artigo publicado por Il Sole 24 Ore, 21-07-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Rumo aos jogos. Angela Teja analisa as dimensões filosóficas e ético-espirituais de 'Citius, altius, fortius' e o perfil do dominicano, um extraordinário espírito eclético em seus interesses, que o sugeriu fazendo referência a uma matriz tomista.
Nunca pratiquei nenhum esporte, com exceção da caminhada quilométrica quase diária, que, no entanto, não é reconhecida como esporte. E, no entanto, talvez eu seja o clérigo que mais teve contatos, relações e diálogos com o Comitê Olímpico Internacional e seu presidente Thomas Bach, a tal ponto que - quando concluí meu mandato como chefe do Dicastério da Cultura do Vaticano, em outubro de 2022 - recebi de suas mãos, como homenagem simbólica, uma das medalhas de ouro das Olimpíadas de Tóquio.
Padre Henri Didon, de Angela Teja (Foto: Divulgação)
Essa premissa autobiográfica, talvez um pouco despudorada, é, no entanto, necessária para apresentar um ensaio de Angela Teja, a mais importante estudiosa do esporte como fenômeno histórico e cultural e, de certa forma, aparentado à religião (muitos esportistas evocaram seu início nas quadras esportivas dos oratórios paroquiais do passado). De fato, o apêndice do livro contém toda a documentação dos encontros e da troca de correspondências entre a Santa Sé e o COI, incluindo aquelas diretas entre o Presidente Bach e o Papa Francisco, que é particularmente sensível a esse tema, a ponto de endossar a criação de uma Athletica Vaticana, que também começou a aparecer em algumas competições internacionais.
O coração ideal dessa conexão da Igreja Católica com a mais alta instituição esportiva pode ser encontrado em um componente desconhecido para a maioria, que remonta às próprias raízes do olimpismo. O famoso criador dessa realidade agora universal em nível institucional (basta pensar na relevância do nosso Comitê Olímpico Nacional), o Barão Pierre de Coubertin (1863-1937), tinha como guia espiritual um dominicano, o Pe. Martin Didon (nascido Henri Louis Rémy), a quem estava ligado por profunda amizade. Foi esse religioso, nascido em 1840 e dotado de um extraordinário espírito eclético nos seus interesses, que sugeriu o lema olímpico latino "Citius-Altius-Fortius", de implícita matriz tomista.
Na realidade, essa tríade que se refere - por meio de um comparativo absoluto - a uma tensão progressiva na velocidade, altura e força foi inicialmente elaborada em 1891 dentro da atividade pedagógica que o Pe. Didon exercia no colégio francês de Arcueil. Em seu ensaio, a estudiosa também reconstrói a gênese desse lema em suas dimensões filosófica e ético-espiritual, antes de ele entrar oficialmente na "Carta Olímpica" de 1949, quando o Pe. Didon e o próprio Coubertin já haviam morrido há tempo (o dominicano havia falecido em 1900), mas com uma acepção tendencialmente “física”. No entanto, o Comitê Olímpico havia se esforçado para atribuir-lhe implicitamente uma qualidade mais moral como código de conduta nas competições esportivas.
A visão inicial estava, de fato, relacionada à renovação do sistema educacional com o propósito de uma formação integral da pessoa: um equilíbrio interativo entre corpo e alma era promovido desde os tempos clássicos.
Quem não se lembra do ditado Mens sana in corpore sano, extraído de um verso (356) da 10ª Sátira do poeta latino Juvenal (séculos I e II d.C.)? A paideia grega exaltava uma educação baseada na euritmia física, psíquica e intelectual, tanto que os eventos olímpicos clássicos eram até mesmo geradores de poesia, como as Odes Olímpicas de Píndaro (séculos VI-V a.C.).
Neste ponto, porém, voltemos à relação do Vaticano com o COI, que foi selada por uma visita oficial minha à sede de Lausanne, em abril de 2016. Foi já naquela ocasião que - também pela sensibilidade do presidente Bach - foi colocada sobre a mesa a questão da atualização do lema olímpico, levando em conta certos fenômenos de prevaricação ou de torcida exasperada e a necessidade de recuperar o autêntico espírito de "competição", que em sua própria etimologia latina supõe um petere, ou seja, um "competir" cum "juntos".
As muitas visitas de Bach ao Vaticano, o empenho da própria instituição olímpica, as várias conferências e encontros com as outras religiões em torno dos temas da inspiração-inclusão-envolvimento e a própria presença da Santa Sé com um seu observador nos vários Jogos e Sessões Olímpicas levaram à ideia de transformar a tríade em uma tetralogia: Citius-Altius-Fortius-Communiter, que poderia ser traduzido para o inglês como Faster-Higher-Stronger-Together (inicialmente, o COI tinha proposto uma corruptela em latim, Communis). Assim, quase cem anos depois, completava-se o projeto de Pe. Didon com uma dimensão, além de tudo, cara ao Papa Francisco, aquela da fraternidade esportiva.
Afinal de contas, um de seus antecessores, Pio XI, havia sido um montanhista quase "profissional", tanto que alguns picos e rotas de escalada ainda levam seu sobrenome original, Ratti. Sem mencionar João Paulo II, definido como "o atleta de Deus", fotografado enquanto esquiava, fazia canoagem e natação, e frequentemente se dirigia aos esportistas de todas as modalidades, enquanto o Papa Francisco foi e é um torcedor do time de futebol São Lourenço de Buenos Aires, do qual é sócio (nº 88235N-O). Além disso, o símbolo do jogo é uma das categorias analógicas também usadas na teologia, e o escritor francês André Maurois observava que "o verdadeiro espírito esportivo sempre participa do espírito religioso", muitas vezes usando seus símbolos e ritos.
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Padre Didon inspirou o lema olímpico. Artigo de Gianfranco Ravasi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU