06 Julho 2024
"O linguista-ativista e o ex-presidente uruguaio dialogam num livro e logo passam dos temas geopolíticos para falar de afetos, amizade, amor", escreve Lucia Capuzzi, jornalista italiana, em artigo publicado por Avvenire, 03-07-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
O linguista-ativista e o ex-presidente uruguaio dialogam num livro e logo passam dos temas geopolíticos para falar de afetos, amizade, amor: “Os seres humanos precisam de comunidade, de família".
Um é "o louco mais brilhante ainda em circulação". O outro é “a figura política mais cativante do mundo”. É assim que José “Pepe” Mujica e Noam Chomsky se descrevem. Dois homens diferentes por formação, origem social e geográfica. O que os une é a luta para preservar a liberdade mais difícil de todas: a liberdade de pensamento. Sobre essa base, o jovem ativista mexicano Saúl Alvídrez convida-os a se encontrarem na fazenda do ex-presidente uruguaio em julho de 2017 para um diálogo aprofundado sobre o presente e o futuro. Desse encontro inédito nasce Sopravvivere al XXI secolo (Sobreviver ao século XXI, publicado na Itália pela Ponte delle Grazie, 212 páginas, 18,00€).
Saúl Alvídrez. Chomsky & Mujica: Sobrevivendo ao século XXI. Civilização brasileira, 2024 (Foto: divulgação)
No início, o “pai da linguística” e o ex-guerrilheiro discutem sobre atualidades: geopolítica, aquecimento global, aumento das desigualdades. Suas palavras são apaixonadas e lúcidas: atravessam as zonas cinzentas sem ficarem enredados. Ambos viveram muito tempo e aprenderam a encontrar fragmentos de esperança nos fragmentos deste tempo complexo e fascinante. “Os dados até agora não são encorajadores – afirma Chomsky -, mas ver os jovens protestarem contra o que está sendo feito ao seu futuro é um raio de esperança”. “Você sabe o que às vezes me pergunto: por que tive tanta pressa de nascer? Gostaria de ter esperado um pouco mais e vivenciar essa batalha com os jovens”, completa Mujica.
À medida que as frases fluem, aos poucos a conversa vai ficando mais próxima. O intelectual estadunidense e o político latino-americano, acompanhados pelas respectivas esposas, abordam os temas do amor, da morte e, sobretudo, da vida. “O maior milagre que existe”, ressalta Mujica que reivindica o dever de lutar pela felicidade: “Não é necessariamente chegar ao poder ou esperar que o mundo ou a sociedade mudem. O que pode mudar agora sou eu: eu posso mudar e dedicar tempo às coisas fundamentais e não me deixar escravizar." “Estar absorvidos por um trabalho criativo sob o próprio controle é uma experiência incomparável e é preciso agir para que as pessoas não fiquem mais privadas disso. Pode ser qualquer coisa, fazer pesquisa num laboratório de física ou consertar o carro na garagem no fim de semana”, ecoa Chomsky. Não há, portanto, nenhuma diferença entre empenho público e existência privada.
Esta última não é engolida pela primeira: pelo contrário, sem uma coerência nos comportamentos cotidianos, a batalha pela emancipação dos oprimidos torna-se um slogan. Daí a reavaliação dos laços de afeto, de amizade, de amor. “Os seres humanos precisam de comunidade, da família e de tudo o mais, afirma o ex-presidente que, nos quinze anos de prisão durante a última ditadura uruguaia, experimentou a sua falta . Devemos construir mundos coletivos e não ficar isolados, porque sozinhos ficamos imersos numa sociedade que nos engole." Na prática, criar “menos eu e mais nós”. Não, porém, monólitos em que o ser humano seja zerado, longe disso. O desafio urgente, conclui o intelectual estadunidense, é “ampliar a liberdade e o seu exercício, permitir que todos se beneficiem da riqueza cultural do passado e de outras civilizações, e desenvolver os seus próprios recursos internos para criar a cultura de amanhã, mas em liberdade."
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O diálogo próximo entre Chomsky e Mujica. Artigo de Lucia Capuzzi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU