06 Julho 2024
A moderação tem sido frequentemente confundida com o moderacionismo e usada para adormecer a sociedade. Os católicos às vezes se tornaram a ala moderada do espectro político. Com o grave risco de esquecer a solidariedade em nome do moderacionismo.
O comentário é de Franco Pizzolato, professor emérito de Literatura Cristã Antiga da Universidade Católica de Milão. O artigo foi publicado em La Barca e il Mare, 29-06-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A moderação é uma virtude? Sim, mas não no sentido em que ela normalmente é entendida. Um pensamento moral tradicional vinculou a virtude, toda virtude, a uma “medida” (modus), de onde vem o nome “moderação”.
Ela foi interpretada como o meio-termo entre dois excessos, ambos a serem evitados. Mas sempre foi difícil dizer como se determina esse meio-termo. Manzoni havia se permitido fazer uma refinada ironia. Em “Os noivos”, ao falar da juventude do cardeal Federigo Borromeo, ele contava como teve que combater na juventude com aqueles seus tutores que “sempre pregam que a virtude está no meio; e eles fixam o meio justamente naquele ponto aonde eles chegaram e no qual se sentem confortáveis”.
A moderação é declarada um componente fundamental da política. Porque, ao moderar os desejos excessivos dos indivíduos, ela cria a possibilidade de um encontro, no meio do caminho, entre pessoas diferentes e impede que o conflito se torne o fim de uma cidade. Mas deve ter o cuidado para não se transformar em meio para adormecer a sociedade.
De fato, muitas vezes, a moderação é invocada por quem quer defender sua posição privilegiada. Nesse caso, ela é melhor chamada de moderacionismo, ao bloquear o próprio movimento histórico.
Um elogio acrítico à moderação parece ter forçado os católicos a representarem a “ala moderada” dos partidos políticos. E pouco se pensou que o católico tem, em sua estrutura espiritual e em sua bagagem doutrinal, uma vocação a uma socialidade avançada, até mesmo revolucionária, que é um incêndio: “Vim trazer fogo à terra; e como gostaria que já estivesse aceso!” (Lc 12,49).
É uma socialidade que tem características diferentes daquela predominante no nosso tempo dos direitos individualistas, nos quais, muitas vezes, se faz com que o progressismo resida e que, em vez disso, é a forma contemporânea assumida pela ética burguesa da liberdade absoluta do desejo do indivíduo. A socialidade cristã visa aos direitos do homem/mulher em relação, ou seja, vincula todos os direitos dos indivíduos a uma responsabilidade em relação ao outro. Raramente, ela escolhe o valor do meio, sobre o qual facilmente se adensam os consensos, mas sim aquele que corre mais risco de se perder, que está na periferia social. A moderação cristã, portanto, não é a premissa ideológica da equidistância, mas sim a escolha desequilibrada do valor mais fraco.
Portanto, se a moderação é buscar o meio-termo justo, isso significa que ela escolhe o excesso que está em sofrimento para restabelecer o equilíbrio que a história desequilibrou. Esse foi o impulso que deu origem à questão social (e à doutrina social) no campo católico no fim do século XIX.
O princípio da “lei igual para todos” não bastava quando nem todos eram iguais devido às condições históricas e não podiam se valer da lei. Por isso, as primeiras encíclicas sociais condenavam tanto o comunismo marxista, materialista e ateu quanto o liberalismo anti-humano que garantia as formas democráticas, mas impedia, de fato, o acesso dos pobres ao poder.
Uma moderação mal entendida (clérico-moderacionismo) esteve na base do acordo eleitoral entre católicos e liberais no início do século XX, ao qual se opuseram, não sem consequências, o bispo Radini Tedeschi e o jovem padre Roncalli.
O moderacionismo social foi o pedágio que a Igreja sentiu que tinha de pagar ao liberalismo – e depois ao fascismo – para defender outros valores, religiosos, mas também de política eclesiástica, considerados em risco.
Para combater o comunismo distante, deu-se início àquele casamento da religião com a ética burguesa, tipicamente individualista, que sobreviveria até à queda do comunismo e corroeria os valores cristãos por dentro, em nome da liberdade absoluta do indivíduo, que no fim se tornou o criador de sua própria tabela de valores, inclusive religiosos. E bloquearia a vida democrática italiana durante tantos anos em uma luta entre guelfos e gibelinos que levou os dois grandes partidos populares (católicos e de esquerda) a brigarem e que fazia rir a burguesia individualista.
É preocupante que ainda hoje haja quem, dentro do mundo católico (ou daquilo que dele resta ou daquele que assim se define), negue seu apoio aos direitos sociais devido à suposta presença de ideologias que já evaporaram.
Parece-nos que o perigo comunista, que combatemos quando ele parecia real, é hoje evocado para anular o Estado social, que é a maior conquista política do século XX.
Para onde está indo a socialidade cristã? Que fim teve a grande ideia evangélica, que desde os primórdios do cristianismo chega até ao Concílio e às encíclicas sociais contemporâneas, de que a propriedade é dada por empréstimo a quem deve fazê-la frutificar em benefício de todos?
Se as traições da socialidade em nome da moderação já não têm medo da raiva do pobre, resignado e impotente, pode chegar um vingador novo, mais subtil e não menos perigoso: o enfraquecimento do espírito de solidariedade.
Ele começa a se manifestar contra os distantes, vistos como agressores e, de todos os modos, objetivamente incômodos, mas se aproxima cada vez mais dos próximos e chega, por meio de uma inevitável expansão, ao ponto de nos tornar desinteressados em qualquer outra pessoa, e o outro, desinteressado de nós.
Não podemos nos iludir achando que podemos deter esse vírus fora do nosso raio vital e impedir que ele também nos prejudique, mais cedo ou mais tarde, tornando-se uma cultura antirrelacional que, mais cedo ou mais tarde, irá punir a todos e romper o pacto social que mantém a cidade unida.
Se um Estado que renuncia à sua natureza de Estado social trai sua função de solidariedade e deixa todos à mercê do mercado e apoia os fortes que o podem explorar, talvez seja hora de estudar e propor novas formas de vida associada: formas de solidariedade comunitária (e também, por que não?, eclesiais), como as que os nossos antepassados criaram nas fraternidades e os nossos bisavôs nas sociedades de ajuda mútua.
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A moderação (político-eclesial) é uma virtude? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU