27 Junho 2024
"Não foram muitos os observadores que deram a devida atenção ao que aconteceu no Congresso pela Paz na Ucrânia, em 16 e 17 de junho passado".
O artigo é de Giuseppe Savagnone, diretor do Escritório para a Pastoral da Cultura da Arquidiocese de Palermo, na Itália, em artigo publicado por Tuttavia.eu, 24-06-2024.
Todos, naturalmente, destacaram que, dos 80 países e das 4 organizações internacionais que subscreveram os 10 pontos da proposta de paz do presidente ucraniano Zelensky, houve 12 que não quiseram fazê-lo: Índia, Brasil (presente como observador), México, Colômbia, África do Sul, Indonésia, Tailândia, Líbia, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Armênia, Vaticano (também presente como observador).
Sem contar os 68 Estados que recusaram o convite para participar - no total, o governo suíço havia convidado 160 -, expressando já com essa recusa seu dissenso. E entre esses está a China, cujo papel em uma eventual negociação de paz é fundamental.
Em todas as crônicas e comentários, foi reconhecido que não se tratava de uma oposição marginal. Alguns dos Estados que não assinaram são gigantes, mesmo sob o ponto de vista demográfico. Basta pensar que juntos representam algo como 2 bilhões e 25 milhões de habitantes. Se a esses adicionarmos a China, que não enviou nenhum representante, chegamos a 3 bilhões e 66 milhões de pessoas, quase metade da população mundial.
Mas foi destacado que, de qualquer forma, o documento foi assinado, entre outros, pelos Estados Unidos, todos os membros da UE, o Conselho da Europa, a Comissão Europeia, o Parlamento Europeu, o Reino Unido, o Canadá, a Turquia, a Argentina, Israel, Japão, Coreia do Sul. Em resumo, os países que contam, os do G7, mais alguns outros que se alinham com suas posições.
O que muitas vezes não foi destacado é a importância histórica do que está acontecendo, e do qual a questão da guerra na Ucrânia é apenas uma manifestação: a divisão do planeta em duas áreas, que não correspondem ao esquema fácil segundo o qual os países democráticos - que seriam, em sua maioria, os do G7 e membros da OTAN - lutariam em defesa da liberdade contra os totalitários.
Porque alguns dos Estados que se distanciam da linha dos Estados Unidos e seus aliados em relação à Rússia também são democráticos, como a Índia e o Brasil. Outros, como a Rússia, não o são de forma alguma. O que, então, os une?
O fato é que todos esses países hoje se reconhecem como parte do chamado "Sul Global", uma expressão cada vez mais usada para designar todas aquelas nações que foram de alguma forma vítimas de colonialismo ou exploração e que estão experimentando processos de desenvolvimento ainda incompletos (até recentemente falava-se de "países em desenvolvimento").
A própria guerra na Ucrânia destacou e intensificou essa oposição, que já havia surgido em abril de 2022, quando, no dia seguinte à invasão russa, a Assembleia Geral da ONU suspendeu a Rússia do Conselho de Direitos Humanos.
Biden expressou, nessa ocasião, toda sua satisfação por uma decisão que, em sua opinião, demonstrava "o quanto a guerra de Putin fez da Rússia um pária (…). Continuaremos a trabalhar com as nações para responsabilizar a Rússia pelas atrocidades cometidas, aumentar a pressão sobre a economia russa e isolar a Rússia do palco internacional".
O presidente americano, no entanto, não prestou suficiente atenção ao fato de que a decisão - embora tomada por ampla maioria - não foi unânime. 93 países se pronunciaram a favor, enquanto 24 se opuseram e 58 se abstiveram.
Entre os contrários, muitos históricos aliados de Moscou, como China, Cuba, Bielorrússia, Síria e Vietnã, e outros que se tornaram recentemente graças à ajuda militar recebida do Kremlin, como Mali, Gabão e Zimbábue. Havia também os abstenções, entre os quais figuravam mais ou menos os mesmos que agora não consideraram assinar o documento de Zelensky: Índia, Brasil, México, África do Sul, Indonésia, Tailândia, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos.
Particularmente significativa foi a posição da China, que explicitava, em vez de um acordo total com a Rússia sobre o mérito de sua política, um dissenso em relação ao estilo enfatizado pelo presidente americano, baseado na exclusão: "O diálogo e a negociação são a única maneira de sair da crise na Ucrânia", disse o embaixador chinês na ONU, Zhang Jun, após a votação. "Esta resolução", acrescentou, "agrava as divisões entre os Estados membros, joga gasolina no fogo e não ajuda nas negociações de paz".
Uma reflexão que provavelmente está na base da escolha do Vaticano de não assinar o documento final do encontro de Lucerna, claramente inspirado na lógica da oposição frontal à Rússia.
Uma lógica que, aliás, já havia determinado, em março de 2014, após a anexação da Crimeia pela Rússia, a exclusão da Rússia do G8 - o grupo dos países do mundo com as economias mais avançadas - de que fazia parte desde 1997. E que se expressaria, após a agressão de Putin contra a Ucrânia, em ondas sucessivas de sanções cada vez mais pesadas que, nas intenções dos Estados da OTAN, deveriam quebrar sua economia.
Para não falar da exclusão sistemática dos atletas russos de todas as competições internacionais, dos torneios de futebol às paraolimpíadas de Pequim, e do cancelamento da presença de artistas e obras de arte russas em exposições e teatros.
As coisas não aconteceram como Biden e os outros líderes da OTAN previram. A Rússia não ficou isolada no "palco internacional". E sua economia não entrou em colapso; ao contrário, apesar de ter sofrido fortes impactos, superou, segundo os dados mais recentes do Banco Mundial publicados no início de junho, a do Japão, desalojando-o do quarto lugar no ranking mundial.
Entre as explicações para essa resiliência inesperada está o fato de que, antes da crise ucraniana, a Rússia já havia estabelecido fortes laços com o "Sul Global" mencionado anteriormente. A expressão mais evidente e significativa desses laços é a nova realidade do BRICS.
Também conhecido como "Grupo dos Cinco", o BRICS é um fórum econômico internacional fundado em 2009 por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (BRICS é o acrônimo composto por suas iniciais) como uma aliança entre economias emergentes. Recentemente, ao núcleo inicial foram adicionados Emirados Árabes Unidos, África do Sul, Irã, Egito e Etiópia. E outros, como Nigéria e Turquia, estão se orientando para participar.
Trata-se de Estados com histórias, culturas e instituições muito diferentes entre si. E, ao contrário da OTAN, o BRICS não envolve uma aliança político-militar entre os membros. Há, no entanto, algo que os une e que explica sua proximidade com a Rússia (geograficamente não pertencente ao conceito de "Sul"), e é a sua aspiração a emergir, em potencial ou explícita oposição aos países ricos e, em grande parte, ex-colonialistas do G7, contestando seu papel hegemônico, até agora tido como indiscutível.
O terreno do conflito é, antes de tudo, econômico. Trata-se de desmantelar o quadro de uma economia neocapitalista que até agora teve nos Estados Unidos seu eixo. Nesse sentido, a proposta apresentada na cúpula de agosto de 2023 pelo presidente do Brasil, Lula da Silva, de introduzir uma moeda comum que permita aos países BRICS não recorrer ao dólar americano para realizar transações.
O que de fato aconteceu não é ainda a adoção de uma moeda única, mas o uso das moedas dos próprios países, em substituição ao dólar. Em geral, o uso do dólar nos negócios dos países BRICS está em forte diminuição, apenas 28,7% em 2023, ano em que um quinto de todo o comércio mundial de petróleo foi realizado com moedas diferentes do dólar.
Em resumo, o esforço de emancipação do Ocidente está em pleno andamento e o BRICS exerce uma crescente atração sobre países da Ásia e da África que nutrem, de forma mais ou menos explícita, uma atitude de ressentimento em relação a ele.
O espaço sempre teve um papel simbólico importante na definição das relações entre as diferentes realidades sociais, políticas e econômicas do planeta. Por muito tempo, após a Segunda Guerra Mundial, o eixo espacial fundamental foi o horizontal: Leste e Oeste, Oriente vs Ocidente.
Falava-se de "países do Leste" para indicar não apenas uma localização geográfica, mas a pertença ao mundo comunista, e de "países do Oeste" para designar os Estados democráticos.
No tempo da globalização, o planeta parecia unificado pela vitória do Ocidente democrático e neocapitalista. As diferenças eram relativizadas por um horizonte econômico comum, que também era um fator de paz política.
A crise ucraniana abriu caminho para o que o presidente Biden chamou, em um de seus discursos, de "uma nova ordem mundial", acentuando necessidades e perspectivas que já estavam amadurecendo no período anterior (o BRICS nasceu em 2009, mas é evidente que seu papel era muito diferente para uma Rússia estreitamente ligada à Alemanha de Angela Merkel, como era até fevereiro de 2022, e a atual, agora isolada dos países europeus).
Agora, o eixo espacial prevalente é o vertical Norte-Sul. O sentido da oposição Norte-Sul é duplo: por um lado, refere-se a uma polarização entre ricos e pobres, por outro, a uma hostilidade crescente entre ex-colonizadores e ex-colonizados.
Se o Ocidente tentar resolver a crise com sanções e a exclusão da Rússia do cenário internacional, existe o risco concreto de ele mesmo acabar isolado.
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A Rússia e o protesto do Sul Global. Artigo de Giuseppe Savagnone - Instituto Humanitas Unisinos - IHU