18 Junho 2024
Bispos, padres e militantes católicos de base se manifestam de diferentes maneiras e se envolvem nas denúncias da crise social. Realmente importa o que a hierarquia e a congregação católica opinam? Isso tem alguma incidência? A relação entre política, religião e o profano. A influência de Francisco além das fronteiras de seu país.
A reportagem é de Washington Uranga, publicada por Página|12, 17-06-2024.
Bispos que expressam preocupação com a crescente crise alimentar e outros que alertam sobre a inação do Estado em políticas públicas e também chamam a atenção para a liderança política em geral; padres que vivem em bairros populares denunciando o governo por reter alimentos enquanto os pobres passam fome; declarações de organismos eclesiásticos que criticam a conjuntura e celebrações religiosas onde surgem manifestações de protesto contra o governo e suas medidas. Um presidente e membros do gabinete não apenas negligenciam a relação com as autoridades eclesiásticas, mas também agem com indiferença às solicitações e demandas dos bispos. Enquanto isso, desde Roma, Francisco continua atento ao que acontece no país, enviando mensagens e fazendo gestos com consequências políticas. Tudo isso forma o cenário no qual, além da prudência com que os membros da hierarquia católica tentam se manejar, coloca uma parte significativa da Igreja em aliança com aqueles que estão sendo vítimas dos ajustes e em uma relação cada vez mais tensa com o governo nacional.
Diante deste quadro, mais de uma pessoa se perguntará qual é a importância da Igreja Católica no atual panorama político e social da Argentina? Não há uma resposta única para isso. A maioria dos estudiosos das questões socio-religiosas sustenta que a Igreja Católica perdeu fiéis e também influência na vida cotidiana dos argentinos. Assumindo esse fato como verdadeiro, não se pode negar, no entanto, que a Igreja continua sendo uma das instituições com maior presença territorial e alcance federal na Argentina. Essa característica permite que ela capte com relativa facilidade os dados que emergem da realidade social: pela proximidade de seus ministros e agentes inseridos na base social, mas também pela capilaridade de sua presença. Para entender isso, é preciso olhar além da formalidade das paróquias e capelas, para perceber que existem agentes pastorais em organizações, em refeitórios, em espaços sociais, na educação, na cultura. Quando a Igreja menciona "agentes pastorais", isso de forma alguma se limita a padres ou religiosas, embora inclua todos eles. Agentes pastorais são, por assim dizer, "militantes" católicos: homens e mulheres que têm inserção institucional na Igreja e outras afinidades filosóficas e/ou espirituais, mas apenas contatos casuais ou não com o aparato eclesiástico. Não menos verdadeiro é que na Igreja convivem posições diferentes e até contraditórias, não apenas teológicas, mas também políticas e culturais.
A explicação anterior tenta enunciar por que a Igreja Católica como tal continua sendo uma referência no cenário social, político e cultural do país, embora sua influência esteja diminuindo devido à secularização geral e à evidência de uma sociedade cada vez menos atravessada pelo catolicismo religioso.
No entanto, a instituição católica e alguns de seus representantes ainda mantêm prestígio em muitos setores da sociedade. A isso se soma a mencionada capilaridade territorial, resultando em capacidade da Igreja de articular em momentos críticos as situações de sofrimento e transformação em vítimas.Contribui para isso também a crise geral do sistema político e a falta de referências que, da oposição, sejam capazes de aglutinar as demandas.
Estes e certamente outros são os motivos pelos quais diferentes protagonistas religiosos católicos, desde os Padres na Opção pelos Pobres (COPP), os padres das favelas, as equipes de Pastoral Social, as equipes de Justiça e Paz e Caritas de diferentes partes do país, até os próprios bispos, se tornaram intérpretes da crise alimentar vivida nas últimas semanas e porta-vozes das reivindicações populares sobre o assunto. Isso ocorre porque há convivência com aqueles que sofrem as aflições da crise e as angústias das privações.
Portanto, temos visto denúncias de diferentes porta-vozes eclesiásticos, bispos, padres e outros. Advertências de natureza institucional, declarações jornalísticas apontando a gravidade da situação, até manifestações de claro tom político dentro de atos religiosos, como as ocorridas nas paróquias de Santa Cruz e Imaculado Coração de Maria na última semana, sem deixar de mencionar a "explicação" e o pedido de "desculpas" posterior do bispo Carrara no segundo caso. Do púlpito da catedral de Buenos Aires, o arcebispo Ignacio García Cuerva não hesitou em falar das responsabilidades dos governantes e da liderança política.
No mesmo dia, o bispo Carlos Tissera, presidente da Caritas e titular da diocese de Quilmes, se expressou de maneira muito semelhante. O presidente da Conferência Episcopal, Oscar Ojea, toda semana oferece uma mensagem onde não faltam referências aos problemas dos argentinos. Entre outros, ouvimos a voz de Jorge Lugones, bispo presidente da Pastoral, de Jorge Lozano, arcebispo de San Juan, e de Eduardo García, bispo de San Justo. Todos eles chamando a atenção para o agravamento da pobreza, a necessidade de encontrar soluções e a responsabilidade do Estado na matéria.
Tanto os COPP quanto os padres que trabalham em bairros populares convivendo com os mais pobres, alertam e denunciam "profeticamente".
Além das palavras, a Igreja acrescenta gestos que, do ponto de vista religioso, assumem e incorporam a perspectiva social. Assim será na próxima quarta-feira em La Matanza, quando o bispo Ojea presidir uma missa "junto às mães da Pátria" em agradecimento e reconhecimento às mulheres que "todas as manhãs, quando ainda está escuro, acendem luzes tênues em nossos refeitórios". Celebrações semelhantes e coincidentes ocorrerão no mesmo dia em paróquias e capelas de outras partes do país. Os protagonistas dirão que não fazem política. Os fatos revelam que a política está presente e é inseparável dessas manifestações.
Em vários desses gestos, os religiosos aparecem misturados e coordenados com organizações e movimentos sociais com os quais trabalham no território. Caritas foi uma das primeiras instituições que o governo de LLA convocou para canalizar a escassa ajuda social fornecida até agora. Mas foi o bispo Tissera quem, no Te Deum em 25 de maio, alertou sobre a importância de considerar os movimentos e organizações sociais nas tarefas de solidariedade e assistência. "Aprendemos a trabalhar com um grande número de movimentos, associações, centros comunitários, sindicatos, etc.", disse ele. E advertiu que "hoje ninguém pode assumir a quantidade e complexidade do trabalho social de forma individual, e é por isso que insistimos em integrar todos aqueles que, com enorme sensibilidade, cuidam dos mais pobres, e em fornecer-lhes também a ajuda necessária para que possam continuar fazendo isso". "Ninguém se salva sozinho", repete o Papa vezes sem conta.
Nada do anterior pode ser lido à margem da presença de Jorge Bergoglio como Francisco no Vaticano. Ele é o Papa de toda a Igreja, mas não desvia seu olhar do que acontece na Argentina. Aqueles que o visitam reconhecem que ele está informado até os detalhes da realidade de seu país. E, intencionalmente ou não, suas ensinamentos universais, críticos sobre economia e formas de fazer política, a primazia dos pobres, o funcionamento da justiça e o cuidado com o ambiente, podem ser aplicados (e o são) ao que acontece aqui. Muitos bispos são porta-vozes diretos de suas perspectivas e preocupações. Mas para não deixar dúvidas, o Papa diz coisas como "nenhum governo pode moralmente exigir que seu povo sofra privações incompatíveis com a dignidade humana", deixa-se fotografar com líderes sindicais aeronáuticos ao lado de uma bandeira da Aerolíneas Argentinas e se reúne com o governador Axel Kicillof no Vaticano um dia antes de Javier Milei chegar a Roma.
No meio de tudo isso, dentro e fora da Igreja, persiste a dúvida se Francisco visitará ou não a Argentina. Ele disse que tem vontade de fazê-lo, mas a confirmação ainda está pendente. Há razões a favor e contra, ligadas à saúde do pontífice, mas também a questões relativas à política e à conjuntura do país. É uma decisão que Bergoglio tomará sozinho, mesmo depois de ouvir opiniões de diferentes atores.