12 Junho 2024
Depois das recentes declarações do Papa, vamos tentar esclarecer sobre padres, heterossexualidade e homossexualidade, em relação não só aos percursos educativos no seminário, mas também aos que devem acompanhar o clero após a ordenação.
A entrevista é de Luciano Moia, publicada por "Avvenire", 09-06-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Padres e orientação sexual: tem-se falado muito sobre isso nas últimas semanas. Uma frase do Papa relatada pela mídia abriu um debate muitas vezes conduzido de forma inadequada, como se aquelas palavras - certamente não felizes, mas roubadas por alguma indiscrição - apoiassem um juízo negativo contra a homossexualidade. O tema, na realidade, é muito mais complexo e diz respeito ao amadurecimento afetivo de todos os candidatos à ordem, não apenas daqueles que têm uma orientação homossexual.
A verdadeira questão, portanto, é iniciar nos seminários, como em todos os âmbitos educacionais ligados à Igreja, uma autêntica e metódica educação para a sexualidade, que se torne uma proposta sistemática de formação permanente para o clero marcada pela coragem de enfrentar com transparência as questões mais delicadas e íntimas.
Como conciliar, então, as normas atuais, que colocam um filtro e que o Papa na quinta-feira já reiterou como válidas perante o Dicastério para o Clero, e o desejo de ir em frente na vocação também para os homossexuais (convite dirigido pelo próprio Francisco a um homossexual que lhe havia escrito)? A questão é aberta, delicada e complexa e as contribuições desta página são o primeiro passo de um percurso de aprofundamento que o Avvenire continuará na suas Páginas. E a primeira etapa coloca no centro justamente a dimensão fundamental que diz respeito todos os padres, futuros ou já ordenados: a necessidade de percursos de formação sérios, serenos, completos e permanentes.
Uma pessoa com orientação homossexual pode ser um sacerdote santo, sábio e prudente?
A pergunta é deflagrada com toda a inevitável polêmica após o debate iniciado pelas palavras do Papa Francisco, primeiro a brincadeira na assembleia dos bispos italianos, depois o incentivo ao seminarista gay. De qualquer forma, um tema muito sério. Aquele da relação complexa e muitas vezes dramática entre sacerdotes e orientação sexual. No plano de fundo está a formação permanente dos sacerdotes, com a necessidade de um percurso educativo estruturado – nem sempre presente hoje – sobre afetividade e sexualidade. Conversamos sobre isso com Chiara D'Urbano, psicóloga e psicoterapeuta, especialista em formação para sacerdotes, consagrados e consagradas, além de consultora do Dicastério para o Clero.
A pergunta que se reapresenta nestes últimos dias é a mesma de sempre: uma pessoa com orientação homossexual pode ser um sacerdote santo, sábio e prudente. Ou seja, plenamente realizado?
Vou inverter a pergunta: quais seriam as preclusões quanto à possibilidade de um sacerdote com orientação homoafetiva realizada? Nenhuma, se pensarmos apenas em termos de orientação sexual (e não de pessoa concreta, vista em sua complexidade). Então eu respondo que sim, podem existir e existem sacerdotes e consagrados/as homossexuais serenos e fiéis à sua vocação. Assim como existem sacerdotes e consagrados/as heterossexuais e consagradas serenos e fiéis à sua vocação. É fundamental compreender que na homoafetividade não existe uma vulnerabilidade subjacente, talvez ligada a um déficit estrutural ou evolutivo, que levaria o homossexual, homem ou mulher, mais cedo ou mais tarde, a uma deriva afetiva e relacional, como a relacionamentos promíscuos, rígidos, ou a um uso compulsivo e descontrolado da dimensão genital, ou ainda a comportamentos escandalosos. Afirmar o contrário seria anticientífico e desprovido de consistência.
Então está errado pensar que uma vocação possa ser marcada, mais ou menos negativamente, por uma orientação homossexual?
A vocação, que é aquele entrelaçamento louco e fascinante de divino e humano, a partir de uma intuição, o “chamado”, que nasce Alhures e ao mesmo tempo se expressa na humanidade da pessoa, realiza-se por meio de vários fatores, espirituais e humanos, que devem ser acompanhados, integrados e apoiados ao longo da vida. Entre esses fatores, a orientação sexual, enquanto talento e recurso pessoal, deve ser conhecida e harmonizada no funcionamento global da pessoa. Quem é o sacerdote, o religioso, a religiosa feliz? Aquele ou aquela, homossexual ou heterossexual, que se sente à vontade no caminho escolhido e harmonizou coração, corpo e mente, sem tensões excessivas que “quebrem” a pessoa sob o peso do sacrifício. A vocação ministerial e comunitária são exigentes e requerem uma grande e contínua atenção, uma vida intensa de oração e um equilíbrio psicoafetivo ao longo de todo o caminho. As verdadeiras ameaças à vocação são o poder mal gerido, o cargo quando se torna uma arma, o desejo de dinheiro, a sede de carreira. São essas que podem prejudicar o indivíduo, os outros e a Igreja, e não a orientação sexual (homossexual).
Quão importante é o momento da formação no seminário para chegar a definir claramente a orientação sexual em relação à vocação?
A formação inicial é um tempo precioso, muito precioso, em que a pessoa tem a possibilidade de encontrar a si mesma e às suas dimensões profundas, de forma que, quanto mais for colocada em condições de se abrir de forma autêntica e sem medo aos que a acompanham, mais caminha na luz. O objetivo é conhecer e integrar aquilo que a caracteriza, para poder amar com toda sua pessoa, sem nenhum aspecto excluído. Fala-se muitas vezes de um excesso de tentações para os homossexuais, e acho isso realmente estranho.
Mais cedo ou mais tarde, todos enfrentamos dificuldades, tentações, momentos de impasse, dúvidas, talvez alguns deslizes; afinal, vocação é vida, não um protocolo a seguir. O mundo, a Igreja, nós, leigos, precisamos de testemunhas e de profetas que nos ajudem a levantar o olhar, que nos deem a esperança de que a morte não é a última palavra depois de um punhado de anos à nossa disposição, e que nos indiquem aquele além ofuscado por um cotidiano às vezes grave e ameaçador. Gostaria de expressar enfaticamente a minha gratidão a sacerdotes, consagrados e consagradas, heterossexuais e homossexuais, que com sua existência não desistem, seguem em frente, continuam a acreditar e a sorrir.
Por que então todos esses preconceitos sobre as pessoas homossexuais que pretendem se dedicar ao sacerdócio ou à vida consagrada?
Serei clara. Por falta de conhecimento. Não se podem atribuir juízos de valor à pessoa com base na sua orientação, pensando que apenas a atração emotiva e romântica permita avaliar se ela é madura ou imatura, se pode/não pode atingir um bom equilíbrio geral, a menos que se parta de um pressuposto incorreto. É importante, de fato, ter em conta que todo o mundo científico e os manuais que o representam concordam que as categorias de saudável/patológico são inadequadas para avaliar a orientação sexual em si. Então vale a pena aprofundar a própria história pessoal e familiar, ir às raízes do próprio desenvolvimento, mas não é correto procurar a causa ou, pior, os culpados - mãe ausente/pai intrusivo e similares - de uma orientação no lugar de outra. A heteroafetividade e a homoafetividade são variantes diferentes, mas naturais, da sexualidade humana.
Porém, há quem ainda sente muita dificuldade para colocar no mesmo plano, em relação à vocação, heterossexualidade e homossexualidade. É realmente importante superar esses estereótipos?
É fundamental fazê-lo, e não para seguir a tendência do momento, mas porque é incorreto afirmar algo diferente e as pessoas envolvidas sofrem muito por isso. A orientação sexual é um dom de Deus, um recurso incrível, um motor esplêndido da vida do homem e da mulher que pode ser colocado à disposição tanto da vocação sacerdotal como daquela religiosa, segundo as especificidades de cada caminho.
Então, para esclarecer definitivamente, heterossexualidade e homossexualidade podem ou não ser condições discriminatórias para se chegar a afirmar que uma pessoa é mais ou menos adequada para se dedicar ao sacerdócio ou à vida religiosa?
Vale a pesa especificar melhor do que estamos falando: a orientação sexual, segundo a American Psychological Association, refere-se a um modelo estável de atração emocional, romântica e/ou sexual. Concorda com a definição, simplificando ainda mais seu entendimento, o ganhador do Prêmio Nobel de Medicina Eric Kandel, quando fala disso como atração romântica. Duas definições abrangentes que colocam em primeiro plano o aspecto do coração, o desejo de proximidade e intimidade, e não a capacidade da pessoa de viver a relação com o outro, ou a sua modalidade de gestão de emoções, sentimentos e sexualidade. Homossexualidade e heterossexualidade indicam a direção do “querer bem”, mais que a sua qualidade.
Vamos tentar dizê-lo ainda mais explicitamente?
Como toda dimensão nuclear, ou seja, profunda da pessoa, a orientação sexual, seja ela hetero ou homo, diz algo de significativo sobre o ser humano. Contudo, não se pode, apenas observando a orientação (algo concretamente impossível, mas vamos tentar imaginá-lo sendo decomponível do resto), dizer em abstrato qual seria o grau de bem-estar, harmonia e maturidade da pessoa, presumindo que aquela homoafetiva seja mais desfavorecida da heteroafetiva. Não estou dizendo que uma orientação é “igual” à outra como se quiséssemos anular as diferenças, mas que por si só dizer homossexual ou heterossexual não nos diz quão generosa, honesta, harmoniosa pode ser a pessoa em sua capacidade de amar e estar em relação com Deus e com outros homens e mulheres.
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“Padres, a afetividade e a sexualidade devem continuar no centro da formação”. Entrevista com Chiara D'Urbano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU