09 Janeiro 2024
Roma locuta, causa finita, rezava o antigo ditado: uma vez que a Santa Sé se expressou, a controvérsia está encerrada. Em tom de brincadeira, havia também uma versão popular do mesmo conceito, “Roma faz a fé, noutros lugares se crê nela": embora raiada de ironia (Roma, deduz-se, não crê nela) a convicção era, de qualquer forma, que o resto do mundo seguisse disciplinadamente o que a Sé apostólica estabelecia. Outros tempos. A decisão do Papa Francisco de abençoar casais homossexuais provocou reações opostas, especialmente na África, e a Santa Sé decidiu replicar.
A reportagem é de Iacopo Scaramuzzi, publicada por La Repubblica, 05-01-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Com nota emitida ontem, o mesmo ministério que sancionou a abertura reconhece a revolta, limita as novidades, admite que possam ser necessários tempos e modos diferenciados de aplicação dependendo da cultura, mas também rebate aos bispos indisciplinados. “Quanto foi expresso por essas Conferências Episcopais não pode ser interpretado como uma oposição doutrinal, porque o documento é claro e clássico a respeito do matrimônio e da sexualidade", escrevem o cardeal Victor Manuel Fernández, prefeito do dicastério para a Doutrina da Fé, e o secretário Dom Armando Matteo, numa nota sucinta e publicada em seis línguas: “Evidentemente, não há espaço para se tomar distância doutrinal desta Declaração ou considerá-la herética, contrária à Tradição da Igreja ou blasfema”.
É a resposta à revolta, quase unânime na África. Com exceção dos bispos da África do Sul e do Quênia, as conferências episcopais de Angola, Benin, Burkina Faso e Níger, Burundi, Camarões, República Democrática do Congo, Gabão, Gana, Costa do Marfim, Malawi, Moçambique, Nigéria, Ruanda, Togo, Zâmbia e Zimbabué expressaram algumas perplexidades, outras contrariedade total, anunciando que não atenderão a disposição do Vaticano. Com uma manobra politicamente astuta, entrou em campo um dos cardeais conselheiros de Francisco, o arcebispo de Kinshasa Fridolin Ambongo, que enviou uma carta a todos os episcopados nacionais pedindo uma avaliação até meados de janeiro que contribuirá para diretrizes continentais africanas.
Outras reclamações chegaram ao Vaticano por parte de episcopados tradicionalmente conservadores, Hungria, Polônia, mas também Cazaquistão e Ucrânia. No Uruguai um cardeal próximo de Bergoglio, Daniel Sturla, expressou publicamente sua contrariedade. A declaração do Vaticano Fiducia Supplicans foi saudada com satisfação pelos bispos da Alemanha - aos quais, aliás, o Papa Francisco acaba de dizer um “não” a outras iniciativas progressistas, como as mulheres sacerdote – e de quase todos os episcopados do Norte da Europa, e foi acolhida em alguns casos com respeito e em outros silenciosamente por outros bispos da Europa, das Américas e da Ásia. É uma geografia eclesial conhecida por Bergoglio, que viu emergir profundas diferenças durante os vários sínodos, e que reproduz perigosamente as linhas de ruptura que atravessam há décadas a Igreja Anglicana.
O Papa e os seus homens decidiram reagir com uma dupla estratégia. De um lado suavizam o golpe. As bênçãos, especificam os vértices do dicastério responsável da ortodoxia católica, devem durar “poucos segundos”, até mesmo “10 ou 15”. São bênçãos simples, deve ser lembrado, não equiparáveis ao casamento e não legitimam a homossexualidade. E, referindo-se à realidade africana, “se existem legislações que condenam à prisão e, em alguns lugares, à tortura e até à morte o simples fato de declarar-se homossexual, entende-se que seria imprudente uma bênção. É evidente que os Bispos não querem expor os homossexuais à violência”, escrevem os chefes da Doutrina da Fé, lembrando, no entanto, que “além da questão das bênçãos”, há também o tema da “defesa da dignidade humana”.
Mas se pode ser necessário "mais ou menos tempo" para digerir a abertura, se "a prudência e a atenção ao contexto eclesial e à cultura local poderiam admitir diversas modalidades de aplicação", não permitem "uma negação total ou definitiva" de uma Declaração - "muito mais que um responsum ou uma carta" - "aprovada pelo Papa." E assim "deveremos habituar-nos todos", estabelece o ex Santo Ofício, "a aceitar o fato que, se um sacerdote dá este tipo de bênçãos simples, não é um herético, não ratifica nada, não está negando a doutrina católica".
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“Abençoar casais homossexuais não é heresia”. Mas o Vaticano alerta os padres: sejam breves - Instituto Humanitas Unisinos - IHU