04 Junho 2024
A reportagem é de José Lorenzo, publicada por Religión Digital, 30-05-2024.
"Todo mundo tem direito de dizer algo incômodo. O principal é pedir desculpas se machucou as pessoas. Isso é o que Francisco fez: pediu desculpas". Para Frédéric Martel, jornalista francês autor do best-seller internacional Sodoma: poder e escândalo no Vaticano, e ele mesmo homossexual, não se escandalizou com as palavras do Papa que esta semana levantaram uma grande polêmica quando disse aos bispos italianos que "já havia muita mariconeria [muitos maricas] nos seminários".
Para este repórter, que dissecou a fundo e sem anestesia a estrutura gay na Igreja e seu poder no próprio Vaticano, o relevante é, precisamente, essa afirmação do Papa. "O que me parece muito mais significativo e interessante é que Francisco disse que já havia muitos 'maricones' nos seminários. E isso é o principal. Os seminários católicos sempre foram um refúgio para os homossexuais, e hoje ainda mais", aponta nesta entrevista ao site Religión Digital, onde também assegura que “em todos os seminários há pelo menos 50% de homossexuais”.
O Vaticano, em um comunicado, indicou que não houve intenção homofóbica na expressão utilizada pelo Papa em seu encontro com os bispos italianos...
De fato, acredito que as palavras de um Papa, em geral, e de Francisco em particular, não podem ser analisadas sob o único prisma de homofobia x simpatizante. O Papa se dirigia a uma audiência interna na qual estavam bispos, e sem dúvida foi uma palavra que não tinha previsto dizer. Tudo depende de quem fala e para qual público. Quando eu uso a palavra marica em vez de gay, não é homofóbico, porque eu também sou gay e muitas vezes usamos essa palavra entre nós. Também acontece na Itália em cabarés e locais gays. Mas obviamente é o Papa quem fala, por isso é diferente neste contexto.
Pode-se entender esse vazamento como uma tentativa de prejudicar a imagem dele entre os homossexuais, precisamente do Pontífice que mais fez até agora para acolher a comunidade gay?
Todo mundo tem direito de dizer algo incômodo. O principal é pedir desculpas se machucou as pessoas. Isso é o que Francisco fez: pediu desculpas. Não acredito que devemos interpretar além da dose a declaração ou o vazamento para a mídia. O que me parece muito mais significativo e interessante é que Francisco disse que já havia muitos maricas nos seminários. E isso é o principal.
Os seminários católicos sempre foram um refúgio para os homossexuais, e hoje ainda mais. Em toda parte temos pelo menos 50% de homossexuais nos seminários, como acredito que demonstrei amplamente em meu livro. O Papa sabe muito bem disso e seu reconhecimento me parece a informação essencial dessa sequência. De fato, ele disse sobre meu livro que era “um bom livro” e que “sabia tudo isso”.
Como foi vista e vivida na Cúria vaticana essa abertura do Papa para a comunidade LGTBI?
Já conhecem minha análise: quanto mais homofóbico é um sacerdote, um bispo ou um cardeal em público, mais probabilidades há de que seja homossexual em privado. O Papa é bastante simpatizante (mas é preciso matizar conforme o tema... e conforme o dia) e muito provavelmente heterossexual. Então são os gays no Vaticano, os cardeais e bispos homossexuais, que não podem suportar que Francisco seja amável com os homossexuais. Esta é a regra secreta que deve ser entendida no Vaticano. Pergunte aos cardeais Raymond Burke, Gerhard Müller, Antonio Cañizares ou até mesmo ao cardeal Rouco Varela o que pensam.
Em sua opinião, qual é a razão pela qual o Papa não quer admitir homossexuais nos seminários, mesmo quando, como acontece com os heterossexuais, estão decididos a manter o celibato?
A Igreja os admite muito bem, já que lá são maioria. Mas acredito que Francisco gostaria de voltar a heterossexualizar a Igreja. Sabe que é difícil porque um seminarista heterossexual sempre, de maneira muito lógica e esmagadora, quererá se casar com uma mulher. Por isso, enquanto se mantiver o celibato na Igreja, os homossexuais serão maioria.
Você também acredita, como o Papa, que há muitos homossexuais nos seminários italianos? Só na Itália? Conhece o caso da Espanha?
A Espanha é um país caricaturesco desse ponto de vista. Acredito que a homossexualidade está bastante disseminada em todos os níveis, entre os cardeais, os bispos, os sacerdotes e nos seminários. Meu livro demonstrou amplamente isso, e de fato isso é o que todos me diziam no Vaticano quando eu morava lá: a Igreja espanhola tem fama de ser muito homossexual. Até mesmo os colaboradores de Francisco zombaram da homossexualidade dos cardeais espanhóis.
Mas quando digo que são homossexuais, isso não significa que pratiquem sua homossexualidade; simplesmente se sentem estruturalmente atraídos, se me atrevo a dizer, por homens; muitos permanecem castos e essa é sua escolha, mas isso não significa que sejam heterossexuais. Geralmente, escolhe-se o celibato quando se é gay. Hoje, a maioria dos sacerdotes heterossexuais abandona a Igreja para se casar ou lutar em um ambiente muito homoerótico.
E mais uma vez, a regra também se confirma: se você faz campanha ativa contra o casamento homossexual e se sente ofendido pelo orgulho gay, é muito provável que isso te afete! No entanto, nem todos são assim: se tomarmos o cardeal Omella, que é bastante moderado e tolerante, podemos estar bastante seguros de que é heterossexual. É algo bastante raro na Espanha...
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Martel: “São os gays do Vaticano que não suportam que Francisco seja amável com os homossexuais” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU