06 Junho 2024
O Pe. Bryan Massingale admitiu pela primeira vez para si mesmo que era gay aos 22 anos, mas se assumiu publicamente muitos anos depois já como padre, depois de ouvir histórias de católicos LGBTQ de regiões do mundo onde as pessoas enfrentam prisão, tortura e morte devido à sua sexualidade.
A reportagem é de Katie Collins Scott, publicada em National Catholic Reporter, 05-06-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Ele ouviu pessoas que viviam com medo de tais realidades enquanto participava de um encontro em 2019 da Rede Global de Católicos do Arco-Íris, uma coligação de organizações de vários continentes.
“Eu sabia que não poderia lhes pedir que continuassem realizando seu trabalho difícil, corajoso e heroico sem correr riscos”, disse Massingale, teólogo da Universidade Fordham, em Nova York, ao National Catholic Reporter. “Fui levado a fazer uma declaração pública sobre a minha sexualidade como uma forma de dizer que também preciso estar disposto a correr riscos por uma Igreja melhor.”
O padre disse que o trabalho necessário para construir uma Igreja melhor voltou à sua mente após a notícia de que o Papa Francisco teria usado um termo depreciativo ao se referir a homens gays.
“Fiquei chocado e triste que um papa tenha falado dessa forma”, disse Massingale. “Porque, se o que ele disse foi verdade, isso iria além de simplesmente reafirmar as crenças tradicionais sobre a sexualidade e seria um insulto. Os insultos sexuais desumanizam as pessoas e são uma depreciação da minha humanidade e da humanidade de outras minorias sexuais.”
A mídia italiana citou bispos não identificados que afirmaram que, em meio a uma reunião a portas fechadas com a Conferência Episcopal Italiana, no dia 20 de maio, o papa, ao reafirmar veementemente a proibição da Igreja Católica de que homens gays entrem nos seminários ou sejam ordenados padres, disse brincando: “Já tem viadagem demais” nos seminários. Após uma enxurrada de notícias e reações negativas, o Vaticano emitiu um pedido de desculpas no dia 28 de maio.
“O papa nunca teve a intenção de ofender ou de se expressar em termos homofóbicos, e dirige suas desculpas àqueles que se sentiram ofendidos pelo uso de um termo relatado por outros”, disse o porta-voz do Vaticano, Matteo Bruni, que não confirmou nem negou que Francisco tenha usado o termo.
A suposta calúnia foi mais pessoal para os padres gays e, nos dias que se seguiram à tempestade midiática, Massingale e o Pe. Greg Greiten, pároco em Milwaukee, Wisconsin, descreveram seus pensamentos e emoções sobre isso – e sobre os dons e as dores de ser um padre abertamente gay.
Há pesquisas que indicam que cerca de 30% a 40% do clero nos Estados Unidos é gay. Outras pesquisas afirmam que há uma porcentagem muito mais elevada, em que a maioria opta por não partilhar publicamente sua orientação sexual.
Greiten se assumiu aos paroquianos em 2017 durante uma homilia, dizendo, na época, que não queria mais viver “à sombra do segredo”.
“Eu queria e precisava ser honesto e autêntico sobre quem eu sou”, disse ele em entrevista ao NCR, no dia 29 de maio.
A reação imediata à revelação de Greiten foi uma ovação de pé. Uma paroquiana disse depois da missa que ela “não poderia se importar menos” e o amava “pela pessoa que ele é”.
Também para Massingale, as respostas "das pessoas que estavam nos bancos foram absolutamente e esmagadoramente favoráveis".
As repercussões negativas vieram das autoridades da Igreja, incluindo bispos, disseram os padres.
Massingale recordou pelo menos duas ocasiões em que, por ser abertamente gay, um bispo lhe disse que não poderia falar em sua diocese e contou que tinha sido “desconvidado” várias vezes. Em um caso, ele não foi autorizado a falar em um seminário local.
“O que me foi relatado foi que o bispo estava preocupado com a possibilidade de dar um mau exemplo aos seminaristas”, disse Massingale.
Greiten disse que o maior medo dele sempre foi a liderança da Igreja local. “Em outros lugares, pessoas foram transferidas por revelarem publicamente sua identidade sexual, e conheço padres gays que entraram em profunda depressão porque um bispo foi horrível com eles”, disse. “Eu estava preocupado, mas estava pronto, porque não estava mais mentindo.”
Greiten disse que não se sentiu aceito ou apoiado pelo arcebispo de Milwaukee, Jerome Listecki – que em 2022 emitiu uma medida radical sobre a chamada “ideologia de gênero” – mas o padre se recusou a compartilhar detalhes específicos para não comprometer sua posição ministerial.
“Falar abertamente e ser aberto no contexto da Igreja tem suas consequências”, disse ele.
Em 2016, o Pe. Warren Hall foi banido do ministério pelo então arcebispo John Myers, de Newark, Nova Jersey. O arcebispo afirmou que isso se devia ao trabalho de ativismo do padre. Hall disse que isso ocorreu pelo fato de ele ser gay.
Massingale e Greiten disseram ao NCR que apreciaram o pedido de desculpas do papa após sua ofensa.
“Aceito o fato de que ele não pretendia falar maliciosamente”, mas é importante fazer uma distinção entre “a intenção dessa palavra e o impacto dessa palavra”, disse Massingale. “E o impacto dessa palavra só pode ser negativo.”
O vice-presidente da Conferência Episcopal Italiana disse que os comentários do papa foram tirados do contexto e que Francisco “não é homofóbico e nunca foi”. Os repórteres do Vaticano também notaram que o italiano não é a primeira língua do papa argentino e que ele usa regularmente gírias e fala informalmente.
Greiten disse que o papa “é um indivíduo muito inteligente” e acha improvável que ele não tenha entendido a palavra completamente ou o modo como a usou em um contexto específico.
É a linguagem que, em última análise, reforça “as atitudes horríveis, os estereótipos e a discriminação dirigida contra a comunidade LGBTQ por parte da hierarquia da Igreja Católica”, disse ele. “Nunca está tudo bem. Nunca é uma piada.”
Greiten acrescentou que é “extremamente doloroso e prejudicial” para indivíduos LGBTQ como ele, “que têm recebido esses comentários e atitudes ofensivas durante anos enquanto cresciam”.
O papa já havia afirmado anteriormente a proibição da Igreja aos homens gays nos seminários, embora o presidente da Conferência Episcopal tenha negado que, no encontro de maio, Francisco tenha dado um “não” absoluto à entrada de homens gays no seminário.
No início de seu papado, a famosa declaração "Quem sou eu para julgar?" foi a respeito da orientação sexual dos padres e marcou uma mudança decisiva na discussão do Vaticano sobre os indivíduos LGBTQ.
Massingale disse ao NCR que o recente episódio com o papa mostra a necessidade de uma discussão aberta sobre os gays no sacerdócio.
“É um fato que existem agora e sempre existiram muitos, muitos homens gays que serviram a Igreja como padres e bispos fielmente, generosamente e bem”, disse ele. “Portanto, acho que precisamos ter uma conversa honesta sobre de onde vem esse medo e essa suspeita da homossexualidade no sacerdócio.”
As proibições a indivíduos homossexuais nos seminários e no sacerdócio não estão funcionando, “não são eficazes”, disse Massingale. “A única coisa que estão fazendo é levar as pessoas a serem desonestas no processo de formação do seminário. Isso não é saudável para os jovens em formação nem para a Igreja.”
Greiten concordou. A ênfase no silêncio em torno da sexualidade significa que os seminaristas “não estão tendo a integridade fomentada em sua formação”, disse ele, acrescentando que, em sua própria vida, o segredo foi destrutivo.
Tanto Greiten quanto Massingale disseram acreditar que existe um medo e uma crença errônea de que os homens gays são menos capazes de honrar o voto de celibato do que os homens heterossexuais.
“Mostre-me os estudos que apoiam essa crença”, disse Greiten. "Não é verdade."
“É claro que os homens gays e os homens heterossexuais podem ser causa de escândalo na Igreja quando não cumprem suas obrigações”, disse Massingale. “Mas não se trata de orientação sexual.”
Se houver a necessidade de falar sobre padres que levam vidas santas e autênticas em comparação com aqueles que levam vidas duplas, “isso é ótimo, tenhamos essa conversa”, disse Greiten. “Mas essa é uma questão diferente de alguém ser apenas um candidato gay.”
Em termos do impacto duradouro da escolha das palavras do papa, muito dependerá do que ocorrer no futuro, de acordo com Massingale, que espera que o papa, “que demonstrou uma abertura histórica à comunidade LGBTQ”, se encontre com homens gays que são sacerdotes.
“Assim, dessa forma, o papa poderá conhecer as nossas provações e a nossa alegria, as nossas lutas e as nossas esperanças e sonhos”, disse ele. “Acho que dessa forma poderemos sair desse infeliz incidente e torná-lo uma ocasião de graça e de cura.”
Massingale também reafirmou o trabalho contínuo da Igreja.
“Minha crença é de que tudo isso faz parte da dor do nascimento de uma nova Igreja que está surgindo”, disse ele. “Todo corpo religioso que adota uma atitude mais receptiva ou mais aberta às minorias sexuais passou por um período complicado e confuso de turbulência.”
Massingale listou as Igrejas luterana, episcopal, presbiteriana e metodista como exemplos.
“Em todas essas Igrejas, o clero gay foi muitas vezes atacado e difamado”, disse ele. “No entanto, isso também fez parte do processo pelo qual a Igreja chegou a uma compreensão mais profunda da sexualidade humana e da verdade do Evangelho.”
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“Depreciação da minha humanidade”: padres gays refletem sobre ofensas homofóbicas do papa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU