21 Mai 2024
"A tarefa das mediações é justamente convencer as partes de que negociar é mais conveniente. Trata-se de uma tarefa difícil, longa e sem garantias de sucesso, como sabem os diplomatas. Mas não se pode esquecer o fato de a Europa nem sequer ter tentado, engessando-se numa posição sem saídas", escreve Mario Giro, cientista político italiano, professor de Relações Internacionais na Universidade para Estrangeiros de Perúgia, na Itália, em artigo publicado por Domani, 17-05-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Chamar de infantis e hipócritas aqueles que falam de paz é inadequado. Chama a atenção o fato de que não se olha para a guerra real, para os seus efeitos no campo. A Rússia não luta e a Ucrânia sangra. É preciso dialogar não com quem está certo, mas com quem está errado.
Duas coisas chamam a atenção no debate sobre a guerra que está bombando na bolha político-midiática italiana: a falta de respeito e o fato de nunca falar da guerra real, aquela que está no campo.
As distinções de alinhamento não são significativas para a compreensão do que acontece: neste preciso momento parece haver muito mais rigidez dentro de parte da liderança do PD, enquanto na direita está lentamente prevalecendo um certo pragmatismo (sem considerar a atitude da Liga, influenciada por interesses).
Ultimamente temos ouvido que as posições pacifistas são “hipócritas e infantis”: chamar de hipócritas aqueles que falam de paz (um nome aleatório: o Papa Francisco) não parece muito respeitoso nem apropriado, sem falar no ódio às candidaturas de Marco Tarquínio ou Cecília Estrada cujas posições são bem conhecidas há tempo. Parece que se trata acima de tudo de uma guerra interna com o propósito de intimidar a líder Elly Schlein com ataques aos candidatos por ela escolhidos. O paradoxo é que neste momento as posições do Vice-Presidente do Conselho e Ministro das Relações Exteriores Antonio Tajani são muito mais realistas e razoáveis, tendo-se oposto à escalada e ao eventual envolvimento direto da Itália.
Os eleitores que se preparam para ir às urnas para as eleições europeias estão bastante preocupados com o reaparecimento da guerra e não gostam da linha dos falcões. A maioria dos italianos, de direita ou de esquerda, gostaria de uma solução política, enquanto o debate político parece engessado. Massimo Cacciari tem toda a razão: “A livre expressão da discordância é restringida pelos tempos de guerra”. Haveria necessidade de mais serenidade para um debate livre e respeitoso, mas infelizmente o contexto de guerra engole tudo e paralisa o pensamento.
A atitude raivosa de quem se enfurece contra quem fala de paz é exageradamente obsessiva. Citando novamente Cacciari: “Na guerra a relação política é exaltada e simplificada no ou uma coisa ou outra: amigo/inimigo”. Trata-se de esquemas mentais da guerra mundial ou da guerra fria, que na Itália nunca pegaram completamente, exceto para os setores extremos. Viver num regime mental de emergência contínua destrói a capacidade de pensar livremente ou fora dos esquemas: "amigo/inimigo", certo/errado, bem/mal etc., representam conceitos binários demasiado elementares que muitas vezes contestamos aos estadunidenses, mas que agora encontramos na nossa casa.
Na realidade, já experimentamos isso na questão dos migrantes. O aspecto mais inquietante é que se fala pouco da guerra real. Vemos os russos avançando progressivamente e deixando terra arrasada: não é mais uma questão de armas, mas de homens. A Ucrânia sangrou e não pode virar a situação. Como resultado, restam apenas duas escolhas: lutar diretamente ou tentar negociar. Quem queria a negociação imediatamente pode ser tratado como Cassandra, mas o havia previsto: a Rússia não é derrotada, mesmo que esteja errada. Aquele que continuou na linha das armas deveria pelo menos admitir o erro de previsão: a Rússia não perdeu potência, mas a aumentou.
Disseram-nos que tinham ficado sem mísseis, que estava esgotada e assim por diante: tudo falso. A própria propaganda sobre a contraofensiva ucraniana era um blefe. Pedir um verdadeiro debate é uma obrigação: continuar apenas repetindo "sem armas" sem olhar na cara a realidade do campo, parece irresponsável, especialmente para os ucranianos. Deve ficar claro que quem quer a negociação o faz pela Ucrânia e não pela Rússia: isto é, para defender Kiev e evitar o seu colapso.
Pessoalmente, nunca fui da linha pacifista integral: disse e escrevi que ajudar a heroica resistência ucraniana era justo e necessário. Só recuei na primeira menção (depois de Bucha e Irpin) de propaganda sobre a retórica da “vitória”. Apesar do escândalo pelas atrocidades contra civis, nunca se deve perder a lucidez: não existe vitória em nenhuma guerra, especialmente contra uma potência nuclear (e, por isso, é inútil citar como exemplo a guerra contra Hitler).
Além disso, a falta de dados reais sobre as perdas ucranianas é desconcertante: por quê escondê-los? A “linha polonesa ou báltica” de que a Rússia deva ser “quebrada, derrotada ou punida” é insensata e irrealizável. O Sul Global não nos segue nisto e, de fato, pensa que as regras internacionais sejam basicamente uma construção ocidental que pode ser reformada. A propaganda sino-russa está se rachando. Para pará-la, é preciso trazer Moscou para o nosso terreno: a diplomacia e o diálogo.
Continuar essa guerra torna-se assim inútil: não proporcionará mais segurança à Europa nem ajudará a Ucrânia.
A lição das tantas guerras dos últimos 30 anos (muitas das quais iniciadas pelo Ocidente) deveria bastar: não houve nenhuma vitória sobre ninguém nem para ninguém. A verdade é que de lado europeus e ocidental não foi feito nenhum esforço real para mediar ou negociar. Apenas se repetiu o mantra: “Mas os russos não querem negociar e nem os ucranianos”. Desculpem meu sorriso: mas que novidade!
Permitam-me dizer - como especialista na área - nunca acontece de alguém fazer ou sofrer uma guerra e concordar imediatamente em negociar. A tarefa das mediações é justamente convencer as partes de que negociar é mais conveniente. Trata-se de uma tarefa difícil, longa e sem garantias de sucesso, como sabem os diplomatas. Mas não se pode esquecer o fato de a Europa nem sequer ter tentado, engessando-se numa posição sem saídas.
Na política, é preciso sempre deixar margem de manobra, mas os europeus escolheram por ficar encurralados, deixando a solução para outros ou para as armas. O maior (e mais humilhante) paradoxo é que quem está tentando é a Turquia: uma prova clara de que havia espaço também para sérias tentativas europeias.
A influência turca está crescendo; a europeia diminuindo.
Isso também é verdade para Gaza: outro gesso e imobilidade da política europeia. Eliminemos um mal-entendido do raciocínio: não é verdade que a Europa não possa ou não saiba: poderia, mas decide não saber. Espero que a diplomacia italiana prove em breve que estou errado, tentando dar a sua contribuição para sair de ambos os impasses. Já houve demasiadas mortes e demasiadas vítimas civis para continuar essas guerras, que só são úteis ao poder daqueles que as iniciaram.
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O debate é ofuscado pelo belicismo. É preciso respeito por quem fala de paz. Artigo de Mario Giro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU