15 Agosto 2023
Com a guerra entre a Rússia e a Ucrânia às portas da Europa, é "perverso" que os investidores, para continuar aplicando com critérios de sustentabilidade, evitem o setor de Defesa. Isso é o que dois subsecretários do governo britânico, Andrew Griffith e James Cartlidge, com delegação, respectivamente, aos serviços financeiros e às compras militares, escreveram em uma carta ao Mail on Sunday de 1º de agosto. Uma saída improvisada? Não exatamente. O ataque dos dois deputados conservadores é o final das polêmicas desencadeadas pela decisão do banco Coutts de fechar a conta de Nigel Farage, o líder Brexiteer da extrema direita, para se distanciar de um cliente controverso como Farage, que poderia ter colocado sua reputação em risco. A história foi associada a uma regurgitação de woke capitalism, uma forma de capitalismo ancorada em "questões de princípio" reconduzíveis, para simplificar, a uma governança atenta ao meio ambiente e à justiça social (critérios ESG, sigla que significa Environment, Social and Governance).
A reportagem é de Angela Napolitano, publicada por Avvenire, 13-08-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Para Griffith e Cartlidge, as finanças éticas são um "vírus" que teria contaminado perigosamente a indústria e as finanças britânicas. O tabu de investimentos em armamentos é, segundo eles, um fechamento ao mercado que vai de encontro à ideia que se baseia no apoio do Ocidente a Kiev na guerra contra Moscou, ou seja, que a liberdade e a democracia também se defendem com a força. Os dois membros do executivo chegaram até mesmo a considerar essa abordagem como um "mal-entendido" que expõe a nação a ameaças de países ditatoriais e que, no longo prazo, "corre o risco de matar de fome" o mercado de capitais da Grã-Bretanha.
O "caso Farage" soa para muitos como um pretexto para agitar o debate, geralmente submerso, sobre o sucateamento da abordagem ética aos investimentos e, em especial, àqueles da Defesa, em curso já há tempo. Se a mudança climática continuar a drenar dinheiro para fundos preocupados com o meio ambiente, com o conflito na Ucrânia, aumenta a pressão sobre fundos sustentáveis para que parem de abster-se do investimento no setor de armas. “Considerações ESG excessivamente cautelosas, ou aplicadas incorretamente, estão influenciando drasticamente a capacidade do setor de Defesa de oferecer uma vantagem para o Reino Unido” disse Kevin Craven, número um do ADS Group, a associação da indústria britânica da defesa e dos armamentos. Segundo dados do London Stock Exchange Group, desde o início de 2022 até hoje, os investidores europeus aumentaram o componente "defesa e aeroespacial" de suas carteiras, concentrando-se em empresas britânicas, como BAE System, Babcock e QinetiQ, e em europeias. Ao contrário, as preferências dos gestores da City londrina foram diferentes e reforçaram-se no mercado europeu, centrando-se, por exemplo, em empresas como Thales, Leonardo, Hensoldt, Rheinmetall, Saab, Safran e Airbus, mas reduziram-se naquelas domésticas.
Os dois subsecretários enviaram a sua carta um dia depois de uma reunião entre governo e empresas, dedicada justamente à questão. Segundo a reconstrução do Financial Times, os empresários admitiram que as doações de armas à Ucrânia modificaram o contexto geral. Mas solicitaram ao executivo que faça mais pelo "made in UK" militar. Queremos ou não, é o sentido de seu pedido, continuar a apoiar adequadamente o presidente Volodymyr Zelensky? Não é secundário o fato de que o Reino Unido, à beira de uma recessão que por enquanto foi evitada, pode se beneficiar de ter empresas com faturamentos estelares em casa. Por exemplo, as encomendas da BAE System - que produz submarinos, aeronaves e veículos de combate principalmente para os Estados Unidos, bem como para a Arábia Saudita e a Austrália - ultrapassaram o nível recorde de 66,2 bilhões de libras em junho passado. As ações cresceram 63% em dois anos. O CEO da multinacional, Charles Woodburn, que se proclama defensor da “coexistência” entre ética e negócios, confirmou ainda que o projeto de criação de uma base ucraniana para produção e reparação de tanques “está em progresso”.
A demanda por armas, munições e equipamentos aumentou não apenas como resultado da invasão russa da Ucrânia. A necessidade de aumentar os estoques também é alimentada pelas tensões na região da Ásia-Pacífico. A síntese de Aarin Chiekrie, analista da Hargreaves Lansdown, sobre os cenários futuros não pode ser mais explícita: o limite para os orçamentos de defesa, escreveu ele aos investidores, "é o céu".
Na City de Londres muitos não querem perder a oportunidade. Entre os especialistas em finança sustentável, acredita-se amplamente que os fundos desviados para a Defesa nos últimos meses são de investidores que nunca apostaram em finanças ESG. Pelo menos, não de forma realmente coerente. Os analistas da Morningstar acreditam que o verdadeiro problema do Reino Unido não é o woke capitalism, mas as baixas expectativas colocadas na City. Gestores europeus e estadunidenses, certamente mais conscientes do que os britânicos da necessidade de injetar novos recursos no setor, estariam propensos a investir em armas "made in the UK" porque, isso sim é perverso, com a libra relativamente fraca ainda podem ser feitos bons negócios.
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Finanças éticas sob pressão: “É preciso investir em armas” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU