23 Abril 2024
"O governo cubano está promovendo um forte ajuste econômico em meio a uma crise que combina inflação e retorno dos cortes de energia elétrica. As reformas implementadas nos últimos anos têm sido inconsistentes e não conseguiram superar os bloqueios internos de um modelo cada vez mais inviável", escreve Ricardo Torres, doutor em Ciências Econômicas pela Universidade de Havana, professor assistente e pesquisador do Centro de Estudos da Economia Cubana (CEEC), em artigo publicado por Nueva Sociedad, em abril de 2024.
Cuba está atravessando a terceira década do século XXI mergulhada em uma profunda crise econômica, que se desdobrou para o campo social e político. O "Período Especial em Tempos de Paz", como o governo denominou a crise que sucedeu à queda do bloco socialista, tornou-se interminável para muitos lares.
Se olharmos para os indicadores tradicionais, a situação atual é menos severa do que a vivida na década de 1990. O PIB em 2023 está 9,2% abaixo dos níveis de 2018 (segundo dados oficiais), enquanto o colapso no início dos anos 90 resultou em uma queda de 40% em quatro anos. No entanto, quase tudo o mais está piorando.
Para começar, os pontos de partida de ambas as crises são muito diferentes. Em 1990, Cuba vinha de um período de relativa prosperidade, com serviços sociais robustos e pouca desigualdade de renda. Mas após quase três décadas de estagnação econômica e crescente diferenciação social, os sistemas de saúde e educação sofreram, o famoso cartão de racionamento fornece cada vez menos, com interrupções e atrasos; a redistribuição de riqueza enfraqueceu consideravelmente no meio das crescentes necessidades de uma parte significativa da população. Em resumo, o "bolo" encolheu e está sendo distribuído de forma menos equitativa.
Um exame de outros indicadores ilustra a gravidade das dificuldades. O índice de produção industrial (1989=100) chegou apenas a 46 em 2022. Para o setor açucareiro, outrora a locomotiva da economia, esse número foi de 7. A safra mais recente foi ainda pior. Em várias áreas de bens de consumo e insumos, a contração é mais profunda. As produções agropecuárias sofreram substancialmente: em comparação com 2018, as "viandas" caíram 19%, hortaliças 42%, arroz 69%, feijão 57%, leite 36%, ovos 15% e carne de porco 90%. É importante notar que os volumes de 2018 já eram insuficientes, as importações diminuíram e a queda na produção continuou em 2023.
Um cenário semelhante é observado no setor externo. Tomando os valores de 2013 como referência, as exportações foram reduzidas para menos da metade e as importações, 37%. Os volumes são menores porque os preços aumentaram significativamente. Os superávits na conta corrente se transformaram em déficits a partir de 2020, e após uma renegociação bem-sucedida da dívida externa com um grupo de países do Clube de Paris no fim de 2015, chegou-se a uma situação em que os pagamentos a credores e fornecedores foram suspensos. No último ano, alguns débitos foram renegociados com a Rússia e a China, mas a situação financeira externa está sob máxima pressão. Por outro lado, o investimento estrangeiro ficou muito aquém das expectativas das autoridades e as remessas também diminuíram (há cálculos divergentes em diferentes fontes).
Esses choques se manifestaram em desequilíbrios macroeconômicos crescentes. A inflação disparou a partir de 2021 e as estimativas baseadas na variação do deflator do PIB e do consumo doméstico, bem como no comportamento dos preços no mercado informal, sugerem que a inflação real é superior à relatada por fontes oficiais (77% em 2021, 39% em 2022, 31% em 2023) e chega a números de três dígitos. Um efeito paralelo é a desvalorização do peso, cuja cotação no mercado informal passou de 40 pesos por dólar em janeiro de 2021 para 340 pesos por dólar no início de abril de 2024, representando uma perda de 88% de seu valor. As causas imediatas estão nos grandes déficits fiscais, na queda de receitas em moeda estrangeira e na severa contração da oferta de bens e serviços. As próprias autoridades planejaram um déficit público equivalente a quase 20% do PIB para 2024.
As origens dessa crise têm duas dimensões. Por um lado, desde 1959, Cuba adotou um modelo econômico de estilo soviético, atravessando várias oscilações ao longo dos anos. Suas características fundamentais permanecem até hoje: um setor público sobrecarregado, empresas estatais ineficientes com pouca ou nenhuma competição, baixa produtividade e renda real estagnada para a maioria dos trabalhadores, alocação burocrática de recursos e insumos, igualitarismo e baixa competitividade externa. As causas desses problemas são conhecidas e amplamente descritas na literatura especializada. Além de aspirações idealistas, é um modelo que não favorece o desenvolvimento das forças produtivas em um país pequeno sem recursos naturais e a 90 milhas de um mercado natural ao qual não tem acesso: os Estados Unidos.
A outra dimensão está relacionada à estratégia adotada pelos líderes cubanos para enfrentar o colapso da União Soviética, que representava uma ameaça existencial. Sem abandonar completamente o estatismo, foram introduzidas mudanças incrementais em áreas selecionadas para interromper a queda e retomar um crescimento que tem sido muito moderado e insuficiente. Evitou-se o colapso, mas sem avanços reais. Foi uma mudança para que tudo continuasse igual. Parece que a liderança da ilha chegou à conclusão de que as alternativas disponíveis para o desenvolvimento apresentam riscos políticos demais, que no fim das contas não está disposta a aceitar.
No caminho, encontraram a Venezuela de Hugo Chávez e a "onda rosa" na América Latina. A melhoria do ambiente político da região foi fundamental para avanços nas relações com a União Europeia e os Estados Unidos durante a era Obama. O denominador comum é a busca desesperada, a qualquer custo, fora de Cuba, por uma solução para a inviabilidade econômica do modelo cubano.
A partir de 2016, uma combinação de fatores domésticos e externos levou a uma nova era de privações. Em casa, como era de se esperar, as reformas parciais e inconsistentes não trouxeram os resultados desejados. Pior ainda, os setores mais conservadores do governo conseguiram evocar o fantasma das consequências imprevisíveis resultantes do fortalecimento de um verdadeiro setor privado nacional, cujos interesses, dizem, são irreconciliavelmente opostos à ideologia oficial e muito próximos à potência do Norte.
Quase simultaneamente, começaram a se manifestar os efeitos da crise econômica na Venezuela. O sintoma mais visível foi o quase desaparecimento de programas conjuntos financiados por Caracas e a lenta, mas constante, redução nos envios de petróleo, um capítulo particularmente sensível para a economia cubana. De níveis máximos equivalentes a pouco mais de 90.000 barris por dia de petróleo (bpd) há uma década, os envios caíram para 50.000-55.000 bpd. Em 2023, o México fez vários envios, mas o péssimo estado das usinas elétricas e da logística interna agrava os problemas. Durante grande parte de 2024, a maioria dos cubanos enfrentou cortes de eletricidade de várias horas diárias.
A chegada de Donald Trump à Casa Branca acabou com os benefícios da reaproximação parcial com os Estados Unidos. O republicano não apenas reintroduziu a maior parte das sanções, mas também alcançou novos patamares ao acionar o Título III da Lei Helms-Burton, recolocar Cuba na lista de países financiadores do terrorismo e suspender licenças de empresas que operavam o serviço de remessas para a ilha.
A pandemia de covid-19 foi, nesse contexto, a "gota d'água". Os efeitos foram devastadores para uma economia já muito debilitada e sem reservas para enfrentar um golpe dessa magnitude. O turismo internacional praticamente desapareceu em 2021 e a recuperação posterior foi muito lenta, ficando muito atrás de outros competidores do Caribe. Os visitantes da comunidade de cubanos residentes no exterior, especialmente dos Estados Unidos, eram uma fonte valiosa de remessas e produtos de todos os tipos. Os cubanos também haviam aproveitado oportunidades em outros destinos da região, como Panamá, México e Guiana, para criar redes internacionais de abastecimento de mercadorias. Quase tudo isso desapareceu em poucos meses.
Desde então, tudo tem piorado tanto interna quanto externamente. O governo cometeu erros de política econômica muito custosos, como a chamada "Tarefa Ordenamento", que tentou estabelecer um novo arranjo monetário e cambial, unificando o peso conversível com o peso cubano, no pior momento possível. O resultado foi inflação e uma desvalorização incontrolável da moeda nacional.
A aposta em um aumento no fluxo de visitantes externos não deu frutos, enquanto grandes volumes de recursos foram direcionados para a construção de hotéis de alto padrão, claramente desnecessários para a demanda previsível. A interrupção das cadeias de abastecimento tornou ainda mais precário o comércio exterior, e isso foi exacerbado pela invasão russa da Ucrânia. Deve-se considerar que Cuba depende criticamente da compra de alimentos, fertilizantes e combustíveis.
Esse coquetel fatal tem graves consequências sociais e políticas. A forte redução na produção agropecuária e nas importações colocou uma parte importante da população em risco de não atender às suas necessidades nutricionais básicas. Recentemente, houve notícias de que as autoridades haviam solicitado ajuda direta ao Programa Mundial de Alimentos da ONU para garantir a entrega de leite em pó para crianças menores de sete anos. A escassez de medicamentos atingiu níveis alarmantes, tanto em farmácias quanto em hospitais.
No entanto, o futuro imediato parece muito problemático. O cenário mais favorável seria conter os impactos mais severos da crise, como a escassez de alimentos e medicamentos, ou os cortes de energia, que só poderiam ser alcançados por meio de apoio concessional de aliados estrangeiros. Não está claro o que será entregue em troca. Cuba pode desdobrar todo o seu potencial em meio a um conflito contínuo com os Estados Unidos? Parece improvável. A geopolítica mundial voltará a ser um fator crucial para a viabilidade da ilha? Esperemos que não. Mas não se deve apostar em uma melhoria do ambiente externo para evitar as transformações urgentes que são necessárias no âmbito doméstico. Um novo paradigma de desenvolvimento é essencial, e o povo cubano deve ter agência para determinar esse rumo.
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O "Período Especial" cubano interminável - Instituto Humanitas Unisinos - IHU