20 Abril 2024
"Tenho pensado sobre isso recentemente no contexto do debate sobre o tratamento da disforia de gênero, onde o gênero com o qual alguém se identifica difere do gênero que foi atribuído no nascimento. A maioria das pessoas no debate fala com total convicção e certeza. Oxalá tivéssemos mais vozes que dissessem: 'Eu não sei', ou pelo menos dissessem: 'É complicado'".
O artigo é do jesuíta americano Thomas Reese, ex-editor-chefe da revista America e analista do site Religion News Service.
Quando eu estudava ciência política na pós-graduação, estive cercado por alunos muito mais inteligentes que eu. A maioria dos meus colegas na Universidade da Califórnia, em Berkeley, frequentou escolas da Ivy League como graduados. Eles eram bem informados, articulados e confiantes.
Quando perguntavam onde eu havia estudado, eu respondia: "St. Louis", e eles presumiam que eu queria dizer Universidade de Washington, e eu tinha que especificar que era a Universidade de St. Louis. "Não é uma escola católica?", me perguntavam. Minha resposta era: "Pior ainda, é jesuíta".
Como resultado, sempre me senti como uma tartaruga entre as lebres. A única vantagem que eu tinha era ser mais velho e saber que não era um gênio.
Um dos perigos de ser jovem e inteligente é que você pensa que tem todas as respostas. Aaron Wildavsky, um dos professores mais inteligentes que já tive, uma vez perguntou a uma turma: "Quais são as três palavras mais difíceis de falar?" Sua resposta: "Eu não sei".
Na vida política, acadêmica e eclesiástica, dizer "Eu não sei" é o equivalente a cometer suicídio profissional. É uma admissão de que não temos todas as respostas. Se não temos as respostas, por que alguém deveria nos ouvir? Vamos seguir para a pessoa que afirma ter as respostas.
Para um médico, político, acadêmico, colunista ou padre dizer "Eu não sei" é tão humilhante que muitas vezes eles darão uma "resposta não resposta" que esconde a ignorância em uma névoa de palavras. É melhor fingir certeza do que reconhecer a ignorância. E se mais tarde descobrirmos que estávamos errados, nunca admitamos isso. Avancemos e finjamos que a nova posição é consistente com tudo o que dissemos no passado.
Tenho pensado sobre isso recentemente no contexto do debate sobre o tratamento da disforia de gênero, onde o gênero com o qual alguém se identifica difere do gênero que foi atribuído no nascimento. A maioria das pessoas no debate fala com total convicção e certeza. Oxalá tivéssemos mais vozes que dissessem: "Eu não sei", ou pelo menos dissessem: "É complicado".
A Associação Médica Americana e a Academia Americana de Pediatria apoiam o cuidado afirmativo de gênero, que pode incluir tratamentos médicos e cirúrgicos para disforia de gênero e incongruência de gênero, conforme determinado por uma decisão compartilhada entre o paciente e o médico.
Por outro lado, países europeus, que foram os primeiros a adotar o cuidado afirmativo de gênero, estão agora recuando, especialmente para crianças. Novas pesquisas questionaram estudos anteriores que apoiavam o cuidado afirmativo de gênero.
O Serviço Nacional de Saúde da Inglaterra (conhecido pela sigla inglesa NHS) proibiu bloqueadores de puberdade para jovens após uma revisão constatar falta de evidências de que a medicação ajudava na disforia de gênero. Para adultos, só permitirá prescrições via ensaios clínicos ou para pacientes existentes.
A abordagem britânica é um esforço razoável para seguir o primeiro princípio da medicina: "Não causar dano". Também é um esforço positivo para obter mais informações por meio de ensaios clínicos.
Aqueles que priorizam a autonomia e a escolha pessoal acima de todos os outros valores verão tais restrições como um ataque à liberdade pessoal. Aqueles que acham que a disforia de gênero não é real verão até mesmo os ensaios clínicos como um ataque à dignidade humana.
Ambos os lados têm seus "especialistas" e porta-vozes. Ambos os lados apresentam evidências anedóticas e pesquisas que apoiam suas opiniões. O que deveria ser uma conversa sobre tratamento médico tornou-se combustível para as guerras culturais.
Sou membro do clube do "Eu não sei" e "É complicado".
A abordagem do NHS me parece razoável. Preocupo-me com as pessoas, especialmente crianças ou seus pais, tomando decisões que afetarão seriamente o resto de suas vidas. Os ensaios clínicos ajudarão a descobrir o que funciona e o que não funciona, quem deve receber tratamento e quem não deve. Questiono qualquer pessoa que faça esses tratamentos sem estudos de acompanhamento sérios.
Por outro lado, dizer às pessoas que estão sofrendo para "aguardar até novo aviso" parece cruel.
Aqueles que se opõem ao cuidado afirmativo de gênero devem seguir o exemplo do Papa Francisco e receber e amar as pessoas transgênero em suas comunidades. Experimentar discriminação e isolamento só piora as coisas.
Além disso, eles devem ser ajudados a lidar com as doenças que muitas vezes acompanham a disforia de gênero, como a depressão. Não se pode negar o cuidado afirmativo de gênero sem oferecer algo mais em seu lugar.
Ser membro do clube do "Eu não sei" significa que seremos atacados por ambos os lados. Não significa que não temos nada a dizer. Significa que devemos fazer as perguntas que precisam ser respondidas. Não há tal coisa como uma pergunta estúpida; existem apenas respostas estúpidas.
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Nos debates sobre cuidados com pessoas transgênero, está tudo bem dizer: “Eu não sei”. Artigo de Thomas Reese - Instituto Humanitas Unisinos - IHU