17 Abril 2024
"O risco [na Cisjordânia e em Gaza] é que as dificuldades econômicas se traduzam em tensões sociais", escreve Francesca Mannocchi, jornalista e documentarista italiana, em artigo publicado em La Stampa, 16-04-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Na sexta-feira passada, Binyamin Achimair, um israelense de 14 anos, desapareceu às 6h30 da manhã de Malachi Hashalom, um posto avançado de colonos israelenses perto de Ramallah, centro administrativo da Cisjordânia. Segundo a reconstrução da mídia israelense, o jovem se afastou para levar para pastar o rebanho e seus familiares deram o alarme ao verem retornar uma ovelha sozinha, não acompanhada pelo restante dos animais nem pelo garoto. Milhares de unidades voluntárias juntaram-se às buscas durante horas, até que, no dia seguinte, com a ajuda de um drone, o corpo foi encontrado nas proximidades.
Após a descoberta, os colonos israelenses desencadearam uma reação furiosa contra as comunidades palestinas. Segundo o grupo israelense de direitos humanos Yesh Din, 10 aldeias na Cisjordânia foram atacadas. Em particular, em al-Mughayyir, 12 casas e vários carros foram queimados; em Qusra, ao sul de Nablus, três casas e vários carros teriam sido danificados pelos incêndios; e em Beit Furik, a leste de Nablus, houve relatos de confrontos entre colonos e palestinos. Na aldeia vizinha, Douma, 15 casas e 10 fazendas foram incendiadas e, segundo fontes da Associated Press, o exército que chegou ao local protegeu os colonos em vez de tentar detê-los. O resultado dos confrontos, além dos danos físicos às aldeias, é de 25 feridos e uma vítima: o palestino Jehad Abu Alia, de 26 anos.
Também um fotógrafo do jornal israelense Yedioth Ahronoth, Shaul Golan, que chegou à aldeia de al-Mughayyir para documentar os acontecimentos, foi atacado por um grupo de colonos armados. Declarou ao seu jornal que estava circulando tentando tirar fotos quando um grupo de homens mascarados saiu de um campo de oliveiras e começou a queimar as casas próximas. Ele se escondeu debaixo de uma mesa quando os colonos se aproximaram e, alertados por uma criança, bateram nele, quebrando o seu dedo e confiscando a sacola dos equipamentos para queimá-la. Vasculharam seus bolsos para tirar cartões de memória escondidos. Golan começou a gritar que era judeu, não árabe. Eles responderam: e você não se envergonha?
“Eram 20h30, alguns usavam uniformes do exército, deram-me pontapés na cabeça e no estômago, me deixando nu, jogando fora as chaves da moto" para impedi-lo de voltar para casa.
É apenas a última dramática notícia sobre a Cisjordânia em chamas, a outra frente da guerra, onde depois de 7 de outubro, 460 palestinos foram mortos pelo fogo israelense e onde nas últimas horas os grupos em defesa dos direitos humanos afirmam que os palestinos foram “abandonados à violência selvagem das milícias de colonos armados". “Uma forma de violência autorizada pelo Estado”, segundo Omar Shakir, diretor da Human Rights Watch para Israel e Palestina. Uma violência que não é afetada pelas sanções, também porque atingindo os indivíduos não afeta a estrutura geral, isto é, os funcionários, os líderes políticos que construíram a impunidade em que se baseiam as suas ações e facilitaram, de fato, a violência armada dos grupos de colonos. Distribuindo armas de assalto e continuando a apoiar a expansão das colônias ilegais.
Há pouco menos de um mês, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), uma agência das Nações Unidas focadas na melhoria dos padrões de trabalho em todo o mundo, afirmou que o conflito israelense-palestino estava aumentando a taxa de desemprego palestina na Cisjordânia ocupada e em Gaza em mais de 50%. Traduzido em números significa meio milhão empregos perdidos e - mostra o relatório - se a guerra continuar por mais alguns meses atingiria uma taxa recorde de 57%. Ruba Jaradat, Diretora Regional da Organização Internacional do Trabalho para os Estados Árabes afirmou em março que a destruição das infraestruturas, das escolas, dos hospitais e das empresas em Gaza “dizimou setores econômicos inteiros e paralisou a atividade do mercado de trabalho, com repercussões incalculáveis sobre as vidas e os meios de subsistência dos palestinos para as gerações vindouras ".
Na Cisjordânia, 100 mil empregos foram perdidos nos últimos meses devido ao bloqueio de autorizações e bloqueio físico dos trabalhadores impedidos de sair de suas comunidades pelos mais de 650 postos de controle permanentes e temporários em todo o território, que agravaram a crise econômica, imobilizando efetivamente os trabalhadores. Desde o dia do massacre em Israel, alegando razões de segurança, os palestinos na Cisjordânia que costumavam ir para Israel não podem mais, sendo privados da principal, e muitas vezes única, fonte de renda e, seis meses após o início da guerra em Gaza, toda a economia está à beira do abismo.
Só em Nablus, conforme noticiado pelo Washington Post, as forças israelenses controlam há tempo as quatro saídas da cidade, duas estão fechadas desde o final do ano passado, as outras abrem intermitentemente e fecham arbitrariamente. Nas outras estradas, as secundárias, no campo, instalaram portões mecânicos ou colocaram montes de terra e pedras para bloquear a passagem de entrada e saída, com o resultado de as aldeias ficarem isoladas umas das outras e os trabalhadores retidos durante horas na tentativa diária de sair da cidade. Segundo o Banco Mundial, os salários dos trabalhadores transfronteiriços somam 5,5 bilhões de dólares por ano, cerca de um terço da economia combinada da Cisjordânia e de Gaza, territórios em que o produto interno bruto per capita do território equivale a apenas 4.500 dólares por ano, enquanto do outro lado da fronteira, em Israel, é de cerca 55.000 dólares.
Após os ataques do Hamas em 7 de outubro, Israel impôs amplas restrições à economia palestina, revogou as autorizações de trabalho de mais de 170 mil trabalhadores palestinos, segundo o Banco Mundial, de forma que dezenas de milhares de pessoas que trabalharam ilegalmente em Israel estão agora sem emprego, de acordo com o grupo israelense de direitos humanos B'Tselem, nos últimos cinco meses Israel ergueu dezenas de novos postos de bloqueio militares e bloqueou o acesso a cidades e vilarejos nas estradas principais e o agravamento das restrições sufocou o comércio e a produção locais, impedindo que outros 70 mil palestinos retornassem fisicamente aos seus locais de trabalho.
Além disso, o governo israelense reteve durante meses as receitas fiscais que arrecada para a Autoridade Palestina, a AP, que controla partes da Cisjordânia, cortou os salários dos seus cerca de 140 mil trabalhadores que não receberam salário no último trimestre do ano passado. "O pior golpe para a nossa economia desde a fundação da Autoridade Palestina em 1994”, disse Manal Farhan, vice-ministro da Economia da AP.
Os sinais de falta de liquidez estão todos presentes: mulheres tentando vender ouro nas lojas das cidades, crianças pedindo esmola ou vendendo balas nas beiras das estradas, lojistas com lista de devedores que cresce a cada dia, mães de família que tentam juntar metais e chapas para revender para alimentar os filhos, porque os homens estão em casa, agora em sua maioria desempregados.
O risco é que as dificuldades econômicas se traduzam em tensões sociais.
Khalil Shikaki, um acadêmico que dirige o Centro Palestino para a política e a pesquisa e os levantamentos em Ramallah teme que a crise econômica possa tornar-se mais um ingrediente “numa mistura facilmente inflamável", ao analisar os números. Entrevistado há um mês pela emissora estadunidense NPR salientou que, desde o início da guerra, o consenso em torno do Hamas na Cisjordânia mais do que triplicou, de 12%, antes de 7 de outubro, para 42%, de acordo com as pesquisas mais recentes. Dados que se combinam com os ataques dos colonos que levam um número crescente de palestinos a acreditar que não seja possível uma solução diplomática para a crise, que a única seria a violência como resposta à violência.
“A Cisjordânia está em ebulição”, dissera Shikaki, “e está apenas à espera da faísca que poderia levar a uma grande explosão."
“O povo palestino está habituado às crises”, disse Iyad Kordi, secretário-geral da Câmara de Comércio de Nablus, mas “o que vejo agora, nunca havia visto”.
O receio é que a faísca possa ser determinada pela sobreposição das crises: o desespero econômico, a expansão dos assentamentos, a anexação sem precedentes de terras palestinas, as desordens e os confrontos diários entre palestinos e colonos, o controle dos movimentos. Ou seja, que tudo isso esteja levando inexoravelmente, especialmente os mais jovens dos campos de refugiados empobrecidos, a se unirem aos grupos armados num presente que consideram cada vez mais desprovido de soluções políticas e repleto apenas de pobreza e violência.
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Por que só os palestinos pagarão o alto preço do ataque. Artigo de Francesca Mannocchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU