05 Abril 2024
"O Papa Francisco entra plenamente na briga de um debate público e eclesial que o vê há tempo no centro de várias críticas pelas suas aberturas a uma Igreja mais simples e inclusiva, mais mãe do que juíza, mais hospital de campanha do que empoleirada no palácio", escreve o sociólogo italiano Franco Garelli, em artigo publicado por La Stampa, 04-04-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Segundo ele, "o fator determinante parece identificável no objetivo que ele pretende buscar com o seu pontificado. Que é aquele de criar um movimento interno à Igreja (uma conversão) para torná-la mais humana e dialogante com o mundo, para que a partir de agora nada possa ser como antes. Fazendo, portanto, uma escolha partidária que questione a rigidez da tradição, reduza as barreiras internas, desbanque as intrigas palacianas, faça prevalecer o sentido da missão evangélica sobre a ideia de ser os depositários da salvação".
"Talvez se possa dizer - conclui o sociólogo - que ele é um papa mais compreendido pelas multidões do que por uma parte da intelectualidade, que no exercício do seu alto papel desejaria que ele fosse mais humanamente desapegado e com perfil sagrado mais pronunciado. Mas, como foi observado, a maioria parece consciente de que está diante não tanto de um papa, mas de um homem que é papa. E esse calor humano (não desprovido de alguns limites) lembra a muitos algo muito grande".
Eis o artigo.
No dia da sua eleição (há mais de 11 anos) foi definido como um Papa não só inesperado, mas também imprevisível. E esse seu traço, ainda mais humano que pastoral, sempre foi o leitmotiv de um pontificado cheio de consensos, mas também de muitas reservas. O debate destes dias é mais uma prova. A última ocasião é o lançamento de um livro-entrevista na Espanha (que logo será traduzido na Itália) em que Bergoglio não se limita (como gostaria parte da opinião pública também eclesial) a ser papa, a reiterar o seu papel profético sobre as graves tragédias que a humanidade está vivendo, a convidar todos a construir mais pontes que muros, a denunciar a terceira guerra mundial em pedaços que acontece no mundo. Mas que além desses costumeiros e "abençoados" mantras humanitários e pacifistas, não desdenha revelar erga omnes o seu pensamento sobre os muitos conflitos que já duram há tempo dentro da Igreja Católica, sobre os obstáculos que encontra na liderança do catolicismo, sobre as resistências dos tradicionalistas, sobre as supostas relações difíceis com o Papa emérito Bento XVI.
À margem dessas considerações, Jorge Mario Bergoglio – algo singular, quase inédito, para um pontífice – revela também algumas informações de bastidor dos conclaves de que participou, contando quando no conclave de 2005 fez fluir os votos para Joseph Ratzinger para contrariar a vitória do candidato da Cúria Romana, e das manobras entre grupos de cardeais que depois determinaram a sua eleição ao trono de Pedro. Por fim, sempre em chave antitradicionalista, o Papa Francisco reitera as disposições para o seu funeral, a serem aplicadas aos papas seguintes. Aquelas que eliminam o catafalco, que preveem que o Papa deva ser velado “não em almofadas, mas já fechado no caixão, como em todas as famílias”; optando assim por funerais que se distanciam da ideia de que se esteja venerando um homem poderoso, mas sim uma figura centrada numa função espiritual e que tentou servir humildemente a Deus e à sua Igreja.
Em suma, com essas declarações, o Papa Francisco entra plenamente na briga de um debate público e eclesial que o vê há tempo no centro de várias críticas pelas suas aberturas a uma Igreja mais simples e inclusiva, mais mãe do que juíza, mais hospital de campanha do que empoleirada no palácio.
Daí toda uma série de reações duvidosas ou negativas, típicas daqueles que se perguntam por que o papa de vez em quando retorna sobre os conflitos eclesiais internos denunciando, por exemplo, as manobras dos cardeais que agem para desacreditá-lo, justamente ele que deveria ter uma visão mais ampla também sobre os assuntos da sua Igreja; ou ainda sobre os motivos que podem levar Bergoglio a quebrar o silêncio sobre acontecimentos (como aqueles dos conclaves) sempre relegados ao mistério e à obrigação do segredo oficial.
Estamos, portanto, diante, perguntam-se alguns, de um papa tomado por um excesso de protagonismo, pelo desejo de aparecer? Ou de um pontífice que por um lado prega a misericórdia, mas por outro parece mostrar pouca em relação a prelados que não compartilham de suas orientações? Ou o que temos diante dos olhos são os indícios ou as dinâmicas típicas do fim de um pontificado? Ou, ainda, é a natureza humana e combativa de Bergoglio, aquela que emerge em algumas circunstâncias, mas que deveria ser um pouco moderada?
Certamente o traço de caráter também tem seu peso nesse caso, e não poderia ser de outra forma. Talvez Bergoglio seja demasiado extrovertido, talvez fale com excessiva frequência, talvez se tenha distanciado muito rapidamente do modelo de papa que prevaleceu na Igreja até agora, também devido ao seu desejo de comunicar com as pessoas comuns.
Mas o fator determinante parece identificável no objetivo que ele pretende buscar com o seu pontificado. Que é aquele de criar um movimento interno à Igreja (uma conversão) para torná-la mais humana e dialogante com o mundo, para que a partir de agora nada possa ser como antes. Fazendo, portanto, uma escolha partidária que questione a rigidez da tradição, reduza as barreiras internas, desbanque as intrigas palacianas, faça prevalecer o sentido da missão evangélica sobre a ideia de ser os depositários da salvação. Quem o conhece bem fala que Francisco quer trazer clareza na Igreja, que a quer transparente. E é precisamente essa inclinação que o torna firme perante aqueles que agem de forma diferente, lançam discórdia nos ambientes eclesiais, alimentam conspirações em vez de procurar convergências.
Afinal, essa orientação de Francisco parece bem compreendida pelas pessoas comuns, que neste período lotam a Praça de São Pedro tanto no Angelus dominical como nas audiências ao ar livre das quartas-feiras. Talvez se possa dizer que ele é um papa mais compreendido pelas multidões do que por uma parte da intelectualidade, que no exercício do seu alto papel desejaria que ele fosse mais humanamente desapegado e com perfil sagrado mais pronunciado. Mas, como foi observado, a maioria parece consciente de que está diante não tanto de um papa, mas de um homem que é papa. E esse calor humano (não desprovido de alguns limites) lembra a muitos algo muito grande.
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A Igreja com o rosto humano de Francisco, o irritual. Artigo de Franco Garelli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU