01 Abril 2024
"Moscou, por enquanto, está promovendo, através de porta-vozes, a antiga teoria do ISIS como uma criação dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha para forçar seu envolvimento na matança, a fim de dividir as opiniões públicas ocidentais, que há anos estão sendo permeadas pela propaganda russa", escreve Riccardo Cristiano, jornalista italiano, em artigo publicado por Settimana News, 30-03-2024.
A matança em Moscou foi seguida por declarações tão categóricas quanto surpreendentes. Vamos começar com os comunicados do ISIS-K, os terroristas do Estado Islâmico do Khorasan, uma região hoje dividida entre Irã, Afeganistão, Tajiquistão, Turquemenistão, Tagiquistão e Uzbequistão. Na história islâmica, o Khorasan é muito importante e sua capital é a cidade sagrada de Mashhad.
Feita esta devida introdução, passemos aos fatos. O grupo terrorista ISIS-K, que proclama a formação de um Estado Islâmico - que para os muçulmanos simplesmente não existe - reivindicou imediatamente a ação, afirmando que seus combatentes, pelo menos naquele momento, estavam seguros e salvos.
Há uma primeira incongruência evidente, na minha opinião: não é verdade que geralmente essas ações são realizadas por aspirantes a mártires, em nome de Allah? Uma organização de aspirantes a mártires que deseja estabelecer um Estado islâmico global se preocuparia em dizer que todos os seus homens estão seguros e salvos?
Posteriormente, ficou evidente que os capturados - cuja identidade teria sido confirmada pelas imagens divulgadas pelo ISIS-K - teriam afirmado terem sido pagos, a impressionante quantia de 5.000 dólares. Portanto, seriam mártires pagos: muito estranho! Mas nenhum membro do ISIS-K teria negado, alegando, por exemplo, que foi uma confissão extorquida sob tortura.
➡️ Ataque na Rússia: 147 pessoas são presas suspeitas de integrarem o EI
— Metrópoles (@Metropoles) March 27, 2024
Ataque na região de Moscou, na Rússia, deixou mais de 130 mortos. O Estado Islâmico (EI) assumiu a autoria do atentado
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Tudo isso parece estar jogando a favor do Kremlin: Putin, de fato, após um longo silêncio, admitiu que se tratava de terroristas islâmicos (sem mencionar o ISIS-K). Ele acrescentou que estava interessado nos mandantes. Mas desde quando os terroristas islâmicos, como os da Al-Qaeda antes e os rivais do ISIS depois, teriam mandantes, como os assassinos comuns?
Putin, dessa forma, está negando o que ele afirma desde 1999, quando iniciou a guerra contra o terrorismo islâmico na Chechênia, definindo-o como uma ameaça global. Lembremos que ele foi o primeiro líder mundial a telefonar para George W. Bush em 11 de setembro de 2001, em nome de um compromisso comum contra a ameaça global do terrorismo islâmico. Agora essa ameaça teria outros mandantes? A leitura do fenômeno, por parte de Moscou, mudou radicalmente? Parece que sim, mas Putin não pode dizer isso, porque teria que questionar sua teoria da "guerra ao terrorismo global".
Em outro nível de incongruências, está a tese oficial russa, segundo a qual os terroristas estavam fugindo para a Ucrânia enquanto eram capturados, ao contrário do que foi afirmado pelo aliado próximo Lukashenko, presidente da Bielorrússia, que afirmou que, na verdade, estavam tentando alcançar seu país. A segunda versão parece mais plausível, já que é improvável fugir atravessando as linhas de frente de um campo de batalha, especialmente nessa situação.
Tentando desajeitadamente contornar a falta de lógica, os serviços russos argumentaram que os terroristas foram treinados na Ucrânia: é pelo menos estranho que os islamitas escolham se treinar em um país de infiéis, como os russos os consideram.
As oscilações na cabeça do Kremlin me parecem evidentes. A ameaça terrorista existe e é muito séria, na Rússia e no mundo. Mas as incongruências também são evidentes no campo do suposto ou real ISIS-K.
Coerente com sua ideologia, o ISIS não apontou para a ferocidade, repetidamente mostrada por Putin em muitas campanhas no Cáucaso - contra populações em grande parte muçulmanas - como a causa de suas escolhas: não, apontou para os "cristãos russos" como a origem do mal a ser combatido. O objetivo ideológico parece claro: atribuir aos cristãos, como tal, as ações indiscriminadas que a autoridade russa, em parte, já está realizando, para fortalecer a "crença" pseudo-religiosa: invocar "o confronto" e, assim, ganhar muitos seguidores.
No entanto, é pouco crível que um grupo tão fanaticamente ideológico, em guerra com outros grupos fanáticos, como a Al-Qaeda e os Talibãs - considerados até "fracos" demais - confiasse a pureza absoluta da guerra aos infiéis por alguns dólares - presumivelmente motivados pela fome - com a ideia de que poderiam sair impunes: seria uma traição aos muitos mártires do passado.
Algo poderá ser entendido se e quando uma investigação profunda sobre o financiamento da galáxia terrorista for realizada. Quem financia isso? Quais são as relações com o narcotráfico e o tráfico de seres humanos? E as armas, quem as fornece? Existem agências de inteligência inconfessáveis envolvidas?
Sobre isso, Putin não falou, talvez porque isso significaria abrir uma caixa de Pandora da qual ele mesmo - com seus - é um dos 'remexedores' ocultos.
Moscou, por enquanto, está promovendo, através de porta-vozes, a antiga teoria do ISIS como uma criação dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha para forçar seu envolvimento na matança, a fim de dividir as opiniões públicas ocidentais, que há anos estão sendo permeadas pela propaganda russa.
Lembro aqui a história conhecida - mas muitas vezes silenciada - do protegido de Putin: o sírio Assad. Para afundar os fuzileiros navais no pântano iraquiano, após a invasão americana de 2003, Assad fez uma escolha agora documentada.
Após Bagdá, o próximo passo para Bush deveria ser a Síria. Então, Assad fez com que os terroristas islâmicos - verdadeiros aspirantes a mártires - de todo o mundo se dirigissem para Bagdá. É certo que os americanos erraram em suas avaliações e cálculos na época. Mas o cinismo e a crueldade do tirano sírio, que ainda está no poder hoje, em grande parte se devem aos esforços de Putin.
Os desdobramentos dessa escolha imprudente certamente se entrelaçaram com muitas outras coisas e contribuíram para a destruição da Síria. Falar sobre isso levaria longe demais, mas a história é muito diferente do que é contado em Moscou, e Putin sabe disso.
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O atentado de Moscou. Artigo de Riccardo Cristiano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU