26 Março 2024
"A ideia destrutiva que acompanha os assassinos do ISIS, da Turquia à Palestina, do Líbano à Síria, do Irã ao Afeganistão xiita do Isis Khorasan, consolida-se, acelerando-a, com a escalada militares que arrasta a Rússia e a Ucrânia, inspirando o novecentista apelo às armas de Bruxelas. Estamos entregando ao caos o planeta inteiro. Como se fosse inevitável.", escreve Andrea Malaguti, jornalista italiano, em artigo publicado por La Stampa, 24-03-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
“É fácil ficar desiludido com a política como instrumento de mudança positiva e portador de esperança. Mas a verdade é que eu ainda não perdi essa esperança e nunca a perderei. Aquilo em que acredito firmemente, no entanto, é que a liderança política deve ser crucial, especialmente na era da Crise” – Jacinda Ardern (Inauguração do ano letivo da Universidade de Bolonha)
A Era da Crise. Estamos nela dos pés à cabeça. É complicado neste momento escapar da sensação que tudo está desmoronando. Estamos diante do desmonte. E enfrentamos isso sem muita preocupação. Ou, pior, apostando num belicismo primitivo, numa reatividade medieval e niilista que parece negar na raiz o próprio sentido de uma Europa fundada no humanismo e na defesa da paz.
O atentado terrorista de Moscou, com as suas muitas dezenas de mortes, as crianças trucidadas, um comando de assassinos profissionais acostumados a odiar, que arrasa qualquer forma de vida que aparece no seu caminho como em um videogame para psicopatas, traz à memória não apenas os horrores de Beslan e Dubrovka, o setembro negro de 1999 russo lembrado nestas colunas por Anna Zafesova, mas também a violência impiedosa de Mumbai e do Bataclan.
E, mais ainda, o massacre desumano do Hamas. Como se o horror do 7 de outubro, o seu clamor planetário, tivesse colocado novamente em funcionamento o moedor infernal do jihadismo internacional. O Estado islâmico invoca a enésima cruzada contra os cristãos, como o Hamas contra os judeus. A religião transformada em arma, em patética justificação do inaceitável. Última e eterna peça de um War apocalíptico em que a única obsessão parece ser a morte.
Poucos dias depois da quinta farsesca reeleição de Vladimir Putin, o sangue exige mais sangue.
A ideia destrutiva que acompanha os assassinos do ISIS, da Turquia à Palestina, do Líbano à Síria, do Irã ao Afeganistão xiita do Isis Khorasan, consolida-se, acelerando-a, com a escalada militares que arrasta a Rússia e a Ucrânia, inspirando o novecentista apelo às armas de Bruxelas. Estamos entregando ao caos o planeta inteiro. Como se fosse inevitável.
Como se comportará o Czar de todas as Rússias diante do massacre? Contra quem o utilizará? Para fazer o quê? Irá esconder-se atrás da vingativa reação de Netanyahu para justificar a sua própria? Usará a arma atômica? O ex-espião da KGB Vladimir Putin, “Mad Vlad”, levou um dia inteiro para se manifestar. Depois aludiu ao hipotético envolvimento de Kiev, escancarando a porta a todas as hipóteses de devastadora loucura. E nós discutimos isso como se fosse uma série da Netflix, um entretenimento para espectadores.
A imagem em preto e branco tirada por Soazig de la Moissonière fotógrafa oficial do Eliseu que imortaliza um ‘miketysoniano’ Emmanuel Macron lutando com um saco de pancadas, descreve bem o espírito dos tempos.
Sem consensos internos, o Presidente da República Francesa, depois de ter invocado a presença de soldados europeus na Ucrânia, orienta a campanha eleitoral europeia para uma estúpida ideia muscular das relações internacionais. O subtexto é simples: os chefões mafiosos só entendem a linguagem dos chefões mafiosos. E Putin é o chefe de todos os chefões. Então, se ele mata, nós matamos. Não há alternativa à guerra. Nem mesmo se arriscarmos o fim da humanidade.
Só que em vez de falar para ele: pare, você está maluco, vamos nos armar, mas vamos negociar até cansar, o que resta da Europa senta-se aplaudindo na esteira desse suicida revival de Grandeur para ver o efeito que vai produzir. Assim acaba mal.
O presidente do Conselho, Charles Michel, envia uma carta cujo título explícito é: si vis pacem para bellum. Depois de dois mil anos ainda estamos na mesma. Mas em nome de quem ele está falando, dá para saber? Com quem discutiu? A quem pediu permissão?
O Velho Continente é um arquipélago de líderes capengas, divididos, confusos, focados apenas no próprio umbigo à espera de 9 de junho. Assim, enquanto Viktor Orbán felicita o Kremlin pelo resultado da votação, uma vacilante Giorgia Meloni, sua aliada histórica, com grande dificuldade toma as distâncias, mostrando-se, no entanto, incapaz de conter as untuosas declarações de Matteo Salvini, cuja evidente paixão pelo Kremlin permite imaginar (claro que injustamente) laços não confessados e inconfessáveis. "Putin? O povo tem sempre razão", debocha o descontrolado Capitão, confirmando – se ainda fosse necessário – desconhecer a gramática básica do liberalismo jurídico. Detalhes para quem, mais uma vez, convoca no nosso país os chefetes das piores e malcheirosas direitas extremistas, permitindo que Marine Le Pen coloque Meloni com as costas na parede ("Você tem que nos dizer se está com Von der Leyen ou não!"), como se fosse uma perigosa traidora e não a presidente do conselho dos ministros dos quais Salvini é vice.
Mas esses são os nossos líderes. E feliz daquele que entende a que se prende o tão alardeado patriotismo itálico. Aos beijos no rosto que sinalizam a reencontrada harmonia entre Macron e uma Meloni poliedricamente bideniana mas também trumpiana-vonderleyiana-meiaorbaniana-de todo abascaliana-voxiana? Ao neonazismo da AfD? Ou ao trumpismo que declama “os estrangeiros são animais e Hitler também fez coisas boas"? Acreditamos na diplomacia ou preferimos as bombas?
Qual é o princípio orientador? Alguém pode nos dizer? Qual é a nossa contribuição para evitar o Armagedom?
A sensação, desesperadora, é a de estarmos pendurados não nas ideias, nos projetos e muito menos nas visões, mas simplesmente nos humores, nas pesquisas de opinião, nas neuroses de uma classe política incapaz de gerir a gravidade do momento. Um grupo dirigente que nos debates parlamentares se exibe numa constrangedora arlequinada, substituindo respostas, análises e preocupações, com caretas, piadas e cabeças escondidas sob as jaquetas de elegantes ternos.
Até a China trabalha mais pela paz do que nós. Se for verdade que Li Hui, representante especial da Pequim para os Assuntos da Eurásia, depois de ter estado em Kiev e Moscou, declara: “Todas as partes insistem nas suas próprias posições e há uma distância relativamente grande na sua compreensão das conversas de paz, mas todos concordam que as negociações, e não as armas, colocarão um fim a esta guerra. O objetivo do nosso vaivém diplomático é claro: estabelecer uma comunicação aprofundada com a Rússia e a Ucrânia, os dois países envolvidos na guerra, e com as nações europeias interessado. E, com base nos últimos desenvolvimentos da situação, procurar conjuntamente formas para uma rápida resolução política da crise”.
Xi Jinping é mais esclarecido que nós? Vê coisas que nós não vemos? Quem dera fosse isso. Realmente a Europa é apenas capaz do tacanho esforço diplomático que está sob os nossos olhos? Temos pouco tempo. As eleições estadunidenses correm o risco de nos deixar órfãos do nosso irmão mais velho na OTAN e nus diante dos objetivos expansionistas de Putin. Está certa Jacinda Ardern, por cinco anos chefe do Governo da Nova Zelândia, é mais necessária do que nunca uma liderança política convincente. Mas no horizonte não se vislumbra.
Estive ontem em Bolonha. Para um encontro sobre Chiara Lubich oitenta anos depois da fundação do Movimento dos Focolares. “Que todos sejam um”, João, 17, 21. Frase magnífica. Eu não sou particularmente religioso, mas esse não é o ponto. Também estava presente o cardeal Matteo Zuppi, presidente, da CEI, uma das poucas autoridades morais do país. Algumas das ideias expressas neste artigo surgem de uma conversa com ele que, despedindo-se, disse-me: “Só um louco não estaria preocupado em um momento como esse. Temos que pedir à Europa um esforço. Si vis pacem para pacem”. A paz se faz com a paz. E se procura a todo custo. “E isso não significa ser fracos, pelo contrário. É preciso ser e demonstrar-se forte. Mas sem se afastar da busca por uma solução desarmada”. Caso contrário, como nos disse uma jovem que escutava as nossas conversas agitadas, “continuaremos a transformar o mundo num gigantesco hospital”. E, continuando assim, num cemitério.
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Isis, Hamas, Moscou e Europa: “Si vis pacem para pacem”. Artigo de Andrea Malaguti - Instituto Humanitas Unisinos - IHU