01 Abril 2024
Arcebispo de Argel e franco-argelino, Jean-Paul Vesco, sessenta e um anos, tem refletido longamente sobre a noção de fraternidade e alteridade, um dos frutos de sua experiência na Argélia e de sua pertença à ordem dominicana, que permeia seu pensamento sobre as mulheres.
A entrevista com Jean-Paul Vesco é de Marie-Lucile Kubacki, publicada por L'Osservatore Romano, 02-03-2024.
A Igreja católica tem um problema com as mulheres?
A formulação da pergunta é um pouco provocativa, mas sim, a Igreja tem há séculos um problema com as mulheres, como em geral as outras duas religiões monoteístas e talvez a maioria das religiões. Mas isso não serve como desculpa; teria sido tão belo e legítimo se fosse diferente para o cristianismo desde suas origens! Exceto por algumas felizes exceções recentes, as mulheres estão ausentes do governo e do comentário da Palavra de Deus durante a celebração dominical, enquanto em outros lugares estão presentes em todos os lugares. Elas são a "carne" das paróquias e frequentemente a alma dessas igrejas domésticas que são as famílias, e são sempre elas, na maioria das vezes, que cuidam do catecismo.
Em nossa representação, a Igreja é por definição atemporal, uma Igreja patriarcal fora das correntes, das modas e dos ultrajes do tempo. No entanto, na ausência de uma maior participação das mulheres em papéis de responsabilidade e visibilidade, nossa Igreja paradoxalmente corre o risco de se tornar uma Igreja obsoleta, não atemporal, mas anacrônica e ultrapassada em sua organização.
A Igreja católica, ou seja, universal, se não é do mundo, ainda está inserida no mundo e não pode se refugiar em uma lógica de nicho autorreferenciado em relação ao mundo. A questão das responsabilidades dos leigos, e portanto também das mulheres, foi amplamente levantada durante as consultas que antecederam o sínodo: hoje o problema salta aos olhos. A guerra dos coroinhas, que quer que haja apenas meninos ao redor do altar, como acontece em alguns lugares, não é mais concebível. Nos dicastérios do Vaticano, onde as mulheres começam a ser mais numerosas do que no passado e ocupam cargos de maior responsabilidade, o clima é completamente diferente. Bastam algumas mulheres para que a Cúria não seja mais aquele restrito grupo clerical infelizmente tão facilmente estigmatizável.
Diz-se frequentemente que hoje seria impossível reunir um concílio a nível de Igreja universal pela dificuldade concreta de reunir mais de 5.000 bispos. Mas esse não é o problema. A imagem da sala Paulo VI, durante o sínodo, com cardeais, bispos, padres, religiosos e religiosas, leigos, homens e mulheres, ao redor das mesas, no mesmo nível, mostra uma mudança de época, a consciência de que se tornou impossível decidir apenas entre bispos. De certa forma, o sínodo sobre a sinodalidade, de forma muito natural, tornou obsoleta a perspectiva de um Concílio Vaticano III! Quem poderia hoje imaginar que o futuro da Igreja pode ser discernido em uma assembleia de apenas bispos?
Jean-Paul Vesco (Foto: L'Oosservatore Romano)
Qual é o papel das mulheres no governo da diocese de Argel?
Em nossa diocese, além dos vários conselhos, quis me cercar de uma equipe reduzida composta pelos principais responsáveis da cúria diocesana: o vigário-geral, o secretário-geral, o ecônomo, o ecônomo adjunto, o responsável pela diaconia e eu mesmo. Por acaso, esta equipe é composta por quatro mulheres e dois homens. A maioria das decisões é tomada em conjunto. De forma mais geral, vivo em um ambiente essencialmente feminino, e é uma alegria diária! Isso não significa que não haja atritos.
Um dia, uma delas me observou: "No final das contas, ainda é você quem decide!". É verdade, é uma observação verdadeira. Em nossa Igreja católica, as decisões são tomadas pelo bispo que as encarna. O modelo certamente pode evoluir. Nesse sentido, os modelos de governo na vida religiosa podem ser inspiradores: muitas decisões são tomadas por capítulos ou conselhos eleitos, e as limitações ao poder decisório dos superiores não diminuem seu poder simbólico. Dito isso, parece-me que, na maioria dos casos, a confiança que nasce do conhecimento mútuo e da busca de um projeto comum faz com que a maioria das decisões seja tomada com amplo consenso, se não unanimidade. E, em todo caso, as opiniões de cada um foram ouvidas e influenciaram, de uma forma ou de outra, na decisão final. Acredito que seja uma experiência forte para todos, inclusive para mim!
Por trás da questão das mulheres há a questão do papel dos leigos...
Certamente! Durante a fase diocesana do sínodo sobre a sinodalidade, na diocese de Argel, os cristãos nativos do país expressaram claramente o desejo de participar da vida da Igreja. Consideram corretamente a Igreja como sua Igreja, sendo argelinos. No entanto, sentem-se marginalizados em relação a nós que estamos "em posição", em grande parte religiosos e estrangeiros, que, desde a independência do país, representamos a essência das forças vivas da Igreja. Na verdade, antes estavam quase ausentes dos órgãos de decisão. Ouvimos o apelo deles e o levamos especialmente em consideração na composição dos diferentes conselhos, episcopal, econômico e pastoral. No conselho episcopal, há dois sacerdotes, uma religiosa, uma focolarina e cinco leigos argelinos, dos quais duas mulheres. Isso cria um clima completamente diferente. Também neste caso, saímos do círculo restrito.
Não é sempre fácil e nada é garantido, mas nossos códigos, nossas obviedades, devem ser postos de lado. Precisamos aprender a nos entender e a medir o abismo de incompreensão que, às vezes, nos separa e do qual não éramos conscientes porque não tinha um lugar de expressão. Nossa Igreja deve se tornar muito menos clerical, é um desafio para a Igreja universal em todos os níveis e em todos os lugares. Este desafio não está isento de uma reivindicação de poder, com tudo o que de desagradável pode acarretar. Mas reprovar ao outro por querer assumir um poder muitas vezes significa exercer esse poder sem necessariamente estar ciente. É por isso que tenho dificuldade em descartar as reivindicações das mulheres na Igreja com um "porque elas querem o poder?".
Em diversas sociedades, o funcionamento da Igreja nessas questões colide com o ideal democrático...
O princípio de organização hierárquica da Igreja é inspirado na monarquia... exceto pela sucessão hereditária! É a organização humana que, quase desde o início, garante a unidade e isso foi demonstrado várias vezes. De qualquer forma, é assim que somos. Isso não exclui a presença dentro dela de funcionamentos e demandas mais democráticas, como ocorre nas monarquias modernas. Nossos irmãos e irmãs das Igrejas protestantes têm essa cultura democrática, ou seja, sinodal, no sangue, e sem dúvida temos muito a aprender com eles nesse grande movimento de sinodalidade no estilo católico iniciado pelo Santo Padre.
A dinâmica sinodal não vai parar, se estenderá e se disseminará em todos os níveis da Igreja sem, no entanto, questionar sua estrutura sacramental. Qualquer recuo parecerá imediatamente totalmente anacrônico porque a Igreja diz respeito a todos os batizados. Estou profundamente convencido de que a responsabilidade na Igreja, da qual as questões de poder são uma distorção, aumenta à medida que é compartilhada. Compartilhar a responsabilidade significa aumentá-la, e nossa Igreja sofre de um grande déficit de assunção de responsabilidade.
O que você pensa do diaconato feminino?
Pessoalmente, o desejo muito! Parece-me impossível privar os fiéis, e portanto a mim mesmo, da recepção feminina da Palavra de Deus. Nenhum dos argumentos apresentados jamais me convenceu. Portanto, sim, gostaria que a questão do diaconato feminino avançasse ou que pelo menos desse um passo adiante para a autorização das mulheres e, mais geralmente, dos leigos formados, a comentar a Palavra de Deus dentro da celebração dominical.
Ao contrário do ministério presbiteral, o diaconato feminino tem raízes na tradição da Igreja e tenho dificuldade em entender as objeções que podem ser levantadas, exceto reservar o presbitério, ou seja, o exercício do sagrado, para o masculino. Nesta questão dos ministérios, assim como na do governo, o horizonte se revela e se amplia caminhando. O que parecia impensável ontem pode facilmente se tornar um fato consumado amanhã. Uma presença exclusivamente masculina no presbitério, as grandes procissões de entrada exclusivamente masculinas, tudo isso hoje nos parece natural. Será sempre assim ou um dia nos parecerá muito anacrônico? A mera colocação da questão já suscita uma mudança de perspectiva...
Jean-Paul Vesco (Foto: Settimana News)
Será que o problema não decorre frequentemente do fato de que muitas vezes se consideram as vocações femininas não em si mesmas, mas em relação às vocações masculinas?
Na verdade, a vocação feminina na Igreja é tradicionalmente pensada em termos de complementaridade. Mas isso não é mais suficiente, também é necessário pensá-la em termos de alteridade. A vocação feminina vale por si só. Esta dimensão de alteridade está atualmente muito presente na vida conjugal. As tarefas são compartilhadas, ambos os pais podem trabalhar, cuidar dos filhos... Cada um desempenha suas funções em sua diversidade de sexo, de caráter... São as mesmas tarefas desempenhadas de maneira diferente. Isso vale para todos os domínios da sociedade. Como podemos pensar que não pode haver um eco dessa evolução social dentro da Igreja na forma como os carismas e ministérios são exercidos, respeitando a tradição, que não é um corpo morto, mas um corpo vivo, ao mesmo tempo imóvel e sempre em movimento?
A questão da alteridade remete à questão da fraternidade. De fato, a fraternidade exige e, ao mesmo tempo, torna possível a alteridade. Não se pode dizer o mesmo da paternidade espiritual. Acredito na paternidade espiritual, como frade dominicano em formação, tive essa experiência. Mas essa paternidade espiritual eu a recebi de um irmão, de um alter ego muito mais avançado do que eu na vida religiosa, e também na santidade. Se ele não tivesse falecido antes, eu poderia ter sido o seu prior provincial.
Tenho dificuldades com a paternidade espiritual institucionalizada como a vivemos na Igreja. Os papéis nunca se invertem, ao contrário do que acontece com a paternidade na vida real, onde os relacionamentos entre pais e filhos continuam a evoluir ao longo da vida. Um dia, os filhos cuidam dos pais. Não é o mesmo para o patriarca, que mantém sua autoridade até a morte. E nesse sentido, a paternidade espiritual institucionalizada parece mais um modelo patriarcal do que paterno.
A fraternidade, como em uma verdadeira confraria, torna possíveis todas as formas de relacionamento. Uma irmã mais velha pode ter por um período um papel materno em relação ao irmão mais novo. Algo sempre permanecerá, mas cada um deles viverá a alteridade fundamental que recebeu como ambos filhos dos mesmos pais. A vida se encarregará de fazer evoluir o vínculo deles e, talvez, em certo ponto, de invertê-lo.
Acredito profundamente que nossa Igreja precisa se pensar mais como uma comunidade de irmãos e irmãs. Esta é a mais alta testemunha que pode oferecer ao mundo. Mais do que uma luta de poder, o necessário reequilíbrio entre clérigos e leigos, entre homens e mulheres, é uma questão de alteridade e fraternidade. Se gosto de ser chamado irmão, em vez de pai ou monsenhor, não é por falsa modéstia ou vaidade, mas é exatamente por essa questão de alteridade, que não vem de uma escolha, mas de um fato: preciso dos irmãos e irmãs da minha diocese, assim como precisei dos meus irmãos dominicanos para ser o que sou para eles.
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“Sim, a Igreja tem um problema”. Entrevista com Jean-Paul Vesco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU