"Como 'alimentar' uma alma em pedaços, que não entende a razão de uma guerra, que nem sequer sabe o que será o imediato amanhã? Um cessar-fogo urgente, o que a comunidade internacional pede, um acordo de paz, remediará feridas tão profundas de quem perdeu algum ente querido?", indaga Edelberto Behs, jornalista.
Eis o artigo.
Como será o futuro das relações entre as criaturas que hoje são crianças em Gaza com as pessoas que hoje são crianças em Israel? Por mais que a comunidade internacional apele por paz ou, ao menos, um cessar-fogo em Gaza, e que isso venha a acontecer, será impossível esse conflito, com tanto desprezo humano, não deixar sequelas na alma, principalmente entre quem mais sofre, hoje, com as bombas israelenses.
Dados mais recentes da autoridade de saúde de Gaza, assumidos pelo comissário-geral da Agência da ONU de Assistência aos Refugiados Palestinos (UNRWA), Philippe Lazzarini, registram a morte no enclave de 12,3 mil jovens nos últimos quatro meses, em comparação com a morte de 12,1 mil jovens mortos em todo o mundo entre 2019 e 2022.
Façamos um exercício de futurologia. Suponhamos que esses jovens mortos no conflito tenham irmãos, primos, sobreviventes desse embate entre um exército, dos mais preparados e equipados no mundo que mata civis, vão levar no coração por causa da perda de pessoas queridas, numa “guerra” sem limites? Tanto assim que Lazzarini descreveu o conflito como uma “guerra contra as crianças”. Certamente não só contra crianças, mas também contra mulheres e pessoas idosas.
Quanto ódio não estará reprimido daqui a cinco, dez, 15 anos, depois de terminada a “guerra”? E isso de lado a lado. O exército israelense contabilizou, na semana passada, 247 solados mortos em Gaza e 1.475 feridos. Do outro lado, as perdas são mais numerosas: 31 mil palestinos mortos, 72 mil feridos.
Para generais sentados comodamente em suas cadeiras, longe dos combates, para Netanyahu e lideranças do Hamas, esses são apenas números que aparecem sem rosto.
A UNRWA contabiliza 17 mil crianças desacompanhadas ou separadas, o que corresponde a 1% do 1,7 milhão dos habitantes deslocados de Gaza. Como vão suportar a (des)companhia de pais, mães, tios, tias, avôs, avós? Mesmo sobrevivendo, como preencher essa lacuna de amor, zelo, cuidados que deixaram de ter de quem mais dependem, dos pais?
Basta alimentar refugiados em Rafah, Deir al Balah, Khan Younis? Sim, para a sobrevivência imediata de quem deixou Gaza para trás, mas como “alimentar” uma alma em pedaços, que não entende a razão de uma guerra, que sequer sabe o que será o imediato amanhã? Um cessar-fogo urgente, o que a comunidade internacional pede, um acordo de paz, remediará feridas tão profundas de quem perdeu algum ente querido? Quantas gerações serão necessárias para que os “primos” venham a se entender e conviver?
O futuro dessas crianças foi “roubado”.
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