15 Março 2024
Depois de ter abordado nas catequeses a série dos vícios, o Pontífice inicia agora aquela dedicada ao aspecto positivo. “Cada vez que somos chamados a escolher entre o bem e o mal, a virtude é o que nos permite nos acostumarmos a fazer a escolha certa”.
O texto da catequese é do Papa Francisco, publicado por Avvenire, 13-03-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Caros irmãos e irmãs, bom dia!
Depois de ter concluído a visão geral dos vícios, chegou o momento de voltar o olhar para o quadro simétrico, que está em oposição à experiência do mal. O coração do homem pode ceder às más paixões, pode prestar ouvidos às tentações nocivas disfarçadas com roupas persuasivas, mas também pode opor-se a tudo isso. Por mais difícil que seja, o ser humano é feito para o bem, que o realiza realmente, podendo também praticar essa arte, garantindo que algumas disposições se tornem nele ou nela permanentes. A reflexão em torno dessa nossa maravilhosa possibilidade forma um capítulo clássico da filosofia moral: o capítulo das virtudes.
Os filósofos romanos a chamavam virtus, os gregos, aretè. O termo latino destaca acima de tudo que a pessoa virtuosa é forte, corajosa, capaz de disciplina e ascetismo; portanto o exercício das virtudes é o resultado de uma longa germinação, que exige esforço e até sofrimento. A palavra grega, aretè, em vez disso, indica algo que se destaca, algo que emerge, que desperta admiração. A pessoa virtuosa é, portanto, aquela que não se desnatura se deformando, mas é fiel à sua vocação, realiza plenamente a si mesma. Estaríamos fora de rumo se pensássemos que os santos fossem exceções da humanidade: uma espécie de círculo restrito de campeões que vivem além dos limites da nossa espécie. Os santos, nessa perspectiva que acabamos de introduzir em relação às virtudes, são aqueles que se realizam plenamente, que realizam a vocação pessoal de cada homem. Que mundo feliz seria aquele em que a justiça, o respeito, a benevolência mútua, a largueza de espírito, a esperança fossem a normalidade compartilhada, e não uma anomalia rara! É por isso que o capítulo sobre o agir virtuoso, nestes nossos tempos dramáticos em que muitas vezes lidamos com o pior do humano, deveria ser redescoberto e praticado por todos. Em um mundo deformado, devemos lembrar a forma com que fomos moldados, da imagem de Deus que está impressa em nós para sempre. Mas como podemos definir o conceito de virtude? O Catecismo da Igreja Católica nos oferece uma definição precisa e concisa: “A virtude é uma disposição habitual e firme para fazer o bem" (N. 1803). Portanto, não é um bem improvisado e um tanto casual que cai do céu de maneira episódica. A história diz-nos que até os criminosos, num momento de lucidez, realizaram boas ações; certamente esses atos estão escritos no “livro de Deus”, mas a virtude é outra coisa.
É um bem que nasce de um lento amadurecimento da pessoa, até se tornar uma sua característica interna. A virtude é um habitus da liberdade. Se somos livres em todos os atos e a cada oportunidade somos chamados a escolher entre o bem e o mal, a virtude é o que nos permite nos acostumarmos a fazer a escolha certa.
Se a virtude é um dom tão belo, surge imediatamente uma pergunta: como é possível adquiri-la? A resposta a essa pergunta não é simples, é complexa.
Para o cristão, a primeira ajuda é a graça de Deus: de fato, o Espírito Santo atua em nós, batizados, age na nossa alma para conduzi-la a uma vida virtuosa. Quantos cristãos alcançaram a santidade pelas lágrimas, percebendo que não conseguiam superar algumas suas fraquezas! Mas experimentaram que Deus completou aquela obra de bem que para eles era apenas um esboço. A graça sempre precede o nosso empenho moral.
Além disso, nunca se deve esquecer a lição muito rica que nos foi transmitida pela sabedoria dos antigos, que nos diz que a virtude cresce e pode ser cultivada. E para que isso aconteça, o primeiro dom do Espírito a ser pedido é justamente a sabedoria. O ser humano não é um território de conquista de prazeres, emoções, instintos, paixões, sem poder fazer nada contra essas forças, por vezes caóticas, que o habitam. Um dom inestimável que possuímos é a abertura mental, é a sabedoria que sabe aprender com os erros para orientar bem a vida. Depois é preciso a boa vontade: a capacidade de escolher o bem, de moldar a nós mesmos com o exercício ascético, evitando os excessos.
Caros irmãos e irmãs, iniciamos assim a nossa viagem pelas virtudes, nesse universo sereno que se apresenta desafiador, mas decisivo para a nossa felicidade.
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O Papa: o ser humano é feito para o bem. “O exercício das virtudes torna-nos livres” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU