19 Fevereiro 2024
Na habitual catequese das quartas-feiras, Francisco debruçou-se sobre o vício da acídia. "Quem é vítima dele é como se estivesse esmagado por um desejo de morte. Para superá-lo é preciso a paciência da fé”.
O texto da catequese é do Papa Francisco, publicado por Avvenire, 15-01-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Caros irmãos e irmãs, bom dia!
Entre todos os vícios capitais há um que muitas vezes passa despercebido, talvez pelo seu nome que pouco compreensível para muitos: estou falando da acídia. Por isso, no catálogo dos vícios, o termo acídia é muitas vezes substituído por outro que é muito mais comum: a preguiça. Na realidade, a preguiça é mais um efeito do que uma causa. Quando uma pessoa fica ociosa, indolente, apática, dizemos que é preguiçosa. Mas, como ensina a sabedoria dos antigos pais do deserto, muitas vezes a raiz dessa preguiça é a acídia, que do grego literalmente significa “falta de cuidado”.
É uma tentação muito perigosa, com a qual não se deve brincar. Quem é vítima dela é como se estivesse esmagado por um desejo de morte: sente desgosto por tudo; o relacionamento com Deus torna-se tedioso; e mesmo os atos mais santos, aqueles que no passado aqueciam o seu coração, agora parecem completamente inúteis. A pessoa começa a lamentar a passagem do tempo, e a juventude que está irreparavelmente às costas. A acídia é definida como o “demônio do meio-dia”: ela nos pega no meio do dia, quando o cansaço está no auge e as horas que temos pela frente nos parecem monótonas, impossíveis de viver. Numa famosa descrição, o monge Evágrio representa assim esta tentação: “O olho do acidioso está continuamente fixo nas janelas, e na sua mente fantasia sobre visitantes [...] Ao ler, o acidioso muitas vezes boceja e é facilmente dominado pelo sono, esfrega os olhos, esfrega as mãos e, tirando os olhos do livro, olha para a parede; depois voltando o olhar novamente para o livro, lê um pouco mais [...]; finalmente, baixando a cabeça, coloca o livro embaixo dela, e adormece um sono leve, até que a fome o desperta e o leva a cuidar das suas necessidades"; em conclusão, “o acidioso não realiza prontamente a obra de Deus” (Evágrio do Ponto, Os oito espíritos da maldade, 14).
Os leitores contemporâneos vislumbram nessas descrições algo que lembra muito o mal da depressão, tanto do ponto de vista psicológico quanto filosófico. De fato, para aqueles que são dominados pela acídia, a vida perde o significado, orar torna-se enfadonho, cada batalha parece sem sentido. Se por acaso na nossa juventude nutrimos paixões, agora nos parecem ilógicas, sonhos que não nos fizeram felizes.
Assim nos deixamos levar e a distração, o não pensar, aparecem como as únicas saídas: a vontade é de ficar atordoados, de ter a mente completamente vazia... É um pouco como morrer em antecipação, e é feio. Diante desse vício, que percebemos ser tão perigoso, os mestres de espiritualidade propõem vários remédios. Gostaria de salientar o que me parece mais importante e o que chamarei a paciência da fé. Embora sob o chicote da acídia o desejo do homem seja de estar "em outro lugar", para escapar da realidade, é preciso ter a coragem de ficar e acolher no meu "aqui e agora", na minha situação como é, a presença de Deus. Os monges dizem que para eles a cela é a melhor mestra da vida, porque é o lugar que concreta e diariamente te fala da tua história de amor com o Senhor. O demônio da acídia quer destruir exatamente essa simples alegria do aqui e agora, esse assombro grato da realidade; quer que você acredite que é tudo em vão, que nada tem sentido, que não vale a pena se preocupar com nada nem ninguém. Na vida encontramos pessoas “acidiosas”, pessoas de quem dizemos: “Como são chatas!” e não gostamos de estar com elas; pessoas que também têm uma atitude de tédio contagiante. Aqui está a acídia.
Quantas pessoas, dominadas pela acídia, movidas por uma inquietação sem rosto, estupidamente abandonaram o caminho do bem que haviam empreendido! Aquela da acídia é uma batalha decisiva, que é preciso vencer a todo custo. E é uma batalha que não poupou nem mesmo os santos, porque em muitos dos seus diários há páginas que confidenciam momentos terríveis, de verdadeiras noites da fé, onde tudo parecia escuro. Esses santos e santas nos ensinam a atravessar a noite com a paciência, aceitando a pobreza da fé. Recomendaram, sob a opressão da acídia, manter uma medida menor de empenho, fixar metas que estejam mais ao alcance, mas ao mesmo tempo resistir e perseverar apoiando-se em Jesus, que nunca abandona na tentação. A fé, atormentada pela prova da acídia, não perde o seu valor. Aliás, é a verdadeira fé, a humaníssima fé, que apesar de tudo, apesar das trevas que a cegam, ainda acredita humildemente. É essa fé que permanece no coração, como as brasas sob as cinzas. Sempre permanece. E se algum de nós cair nesse vício ou numa tentação de acídia, procure olhar para dentro de si mesmo e cuidar das brasas da fé: é assim que se segue em frente.
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“Será a coragem de viver o presente que nos salvará do contágio do tédio”. Catequese do Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU