14 Fevereiro 2023
"Só a compaixão faz progredir a humanidade. Mas há de se temer que nesse avanço da barbárie, se tornem pano de fundo para muitas declarações dos dias atuais as afirmações de Nietzsche em Assim falou Zaratustra: 'Eu não amo os compassivos... Aqueles que criam devem ser duros. Louvado seja o que os torna duros!'", escreve Enzo Bianchi, monge italiano, fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por La Repubblica, 13-02-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Muitos certamente ficaram perturbados ao ouvir as notícias vindas da Síria sobre a atitude do ditador Assad. Ele proibiu à população afetada pelo terremoto de receber as ajudas internacionais por causa de sua identidade curda: são pessoas que lutam pelo reconhecimento da autonomia em sua terra.
Na terrível e dolorosa situação de pessoas que ficaram desabrigadas, sem aquecimento, sem eletricidade e sem água, situação marcada por décadas de guerra, é proibida a compaixão.
Mas também aqui, em nosso país, diante de situações de sofrimento individual, a compaixão não só está quase ausente, como é negada invocando algumas razões primordialmente jurídicas. Martha Nussbaum, filósofa estadunidense, prestou atenção à compaixão não apenas como uma virtude individual, mas como uma dimensão social necessária, uma necessidade de convivência que deve poder se expressar também na política e nas instituições jurídicas. Se as causas do sofrimento são também coletivas, então a compaixão deveria figurar entre os instrumentos políticos e sociais para a transformação de uma situação.
Paul Ricoeur pediu, com sua autoridade como humanista além de filósofo, a aplicação da compaixão nos nossos sistemas jurídicos. E se por um lado em nome da compaixão não se podem esquecer as regras da justiça, pelo outro a justiça precisa de compaixão se não quiser tornar-se anônima e desumana. Se é verdade que os sofrimentos não são equivalentes e podem ter causas e responsabilidades distintas, se também existem sofrimentos procurados, escutar os sofrimentos dos outros não significa compartilhar suas razões, mas significa recusar-se a considerar os sofrimentos com indiferença. A compaixão, esse sentimento universal que está no próprio coração de espiritualidades inclusive muito diversas - daquela cristã àquela budista - nunca é reservada apenas aos membros da própria comunidade, da própria família, mas é dirigida a todos porque é um sentimento natural dos seres humanos.
Nasce da profundidade do ventre materno, segundo a Bíblia, e fala da própria vulnerabilidade, como capacidade de ser tocado pelo sofrimento alheio. Dostoievski definiu a virtude da compaixão a mais importante das virtudes e a única lei da vida de toda a humanidade. Só a compaixão faz progredir a humanidade. Mas há de se temer que nesse avanço da barbárie, se tornem pano de fundo para muitas declarações dos dias atuais as afirmações de Nietzsche em Assim falou Zaratustra: “Eu não amo os compassivos... Aqueles que criam devem ser duros. Louvado seja o que os torna duros!". Se tal forma de pensar a sociedade fosse estabelecida culturalmente e se essa postura fosse assumida diante do sofrimento, seria realmente não apenas a morte da piedade, mas a morte do humano. O que gera a humanidade é a paixão compartilhada, um sofrimento comum, juntos, para poder viver juntos.
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A compaixão é uma virtude necessária. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU