10 Julho 2023
Baseadas na Bíblia e na Doutrina Social da Igreja, essas atitudes formam um programa de “bem agir” a ser colocado em prática. Entrevista com o jesuíta e teólogo moral Alain Thomasset.
A entrevista é de Sophie Lebrun, publicada por La Vie, 30-06-2023. A tradução é do Cepat.
Professor de teologia moral e decano da Faculdade de Teologia do Centre Sèvres-Facultés Jésuites, de Paris, Alain Thomasset também é ex-presidente da Associação de Teólogos para o Estudo da Moral (ATEM). Ele nos convida a (re)descobrir as virtudes sociais. É autor de vários livros dentre os quais destacamos Les vertus sociales: justice, solidarité, compassion, hospitalité, espérance. Une éthique théologique (Paris/Namur, Lessius, 2015).
Quais são as virtudes sociais?
Antes de responder, é importante especificar o que são as virtudes. Elas são objeto de uma renovação no âmbito da pesquisa ética: não são normas, obrigações ou proibições, mas um convite à adoção de um modo de vida. As virtudes são atitudes estáveis da liberdade, é tudo aquilo que nos predispõe a “bem agir” e o torna mais fácil. Elas são guiadas por uma visão da boa vida, são adquiridas com a experiência, mas também passam a contar com uma disposição interior natural. No cristianismo, elas são sustentadas pela graça.
Da coragem à sabedoria, passando pela temperança, todas as virtudes são de fato portadoras de uma dimensão social. De minha parte, conservo aquelas que me parecem essenciais para a vida social de hoje: a justiça, a solidariedade, a compaixão, a hospitalidade e a esperança. Estas virtudes me parecem essenciais no contexto de uma sociedade democrática individualista, secularizada e pluralista em que vivemos, porque delas precisamos para o funcionamento desta democracia.
Essas virtudes não surgem do nada, elas são moldadas pelas tradições que as transmitem. O cristianismo, entre outros, permite que sejamos instruídos e educados nestas virtudes essenciais para uma vida social harmoniosa e pacífica.
Que contribuição elas podem dar?
A justiça é central para a vida institucional. Virtude cardeal, procura dar a cada um o que lhe é devido e apela ao respeito pela dignidade humana, critério fundamental da Doutrina Social da Igreja. A solidariedade está relacionada com ela, permite-nos ser um com os outros e reconhecermo-nos em dívida uns com os outros. Se o termo vem da sociedade civil, foi retomado por João Paulo II na Sollicitudo rei socialis (1988) (Solicitude pelas questões sociais). É nesta encíclica que o papa a eleva ao posto de virtude e expõe seu papel preponderante na luta contra as estruturas de pecado.
A compaixão e a hospitalidade estão muito presentes na Bíblia. A primeira é uma atitude própria de Jesus, embora também seja encontrada no Antigo Testamento. Consiste em sentir com as entranhas diante do sofrimento e agir em conformidade. A segunda é mais original e abarca várias dimensões. Os filósofos acreditam que é essencial numa sociedade plural, não apenas para acolher o estranho, mas também na relação com aqueles que não pensam como eu, através da hospitalidade do pensamento do outro.
Quanto à esperança, é um recurso indispensável em um mundo ameaçado pelo desespero. Esta virtude é ao mesmo tempo teológica e muito humana. Todo homem é habitado por uma esperança. Para os cristãos, ela vem da ressurreição de Cristo, de uma fé que acredita sem ver, mas também de uma atitude firme diante da provação, do chamado para permanecer firme. A virtude da esperança consiste em lançar um olhar de bondade sobre o mundo, em procurar descobrir nele a presença de Deus. Por isso, vemos algo da eternidade já na terra, porque o Reino de Deus ao qual aspiramos não é apenas para amanhã, mas para agora.
Você apresenta essas virtudes em seu livro com base na Bíblia e no ensinamento social da Igreja. Por quê?
Essas virtudes são atitudes a serem colocadas em prática, mas são apoiadas em tradições de pensamento. A filosofia nos ensina sobre elas, mas para os cristãos é a Bíblia, em primeiro lugar, que nos diz o que é a boa vida e, ao contar a história da presença de Deus na humanidade, indica modos de ser e de viver, não com uma lista de coisas a fazer, mas convidando-nos a sermos transformados pelo exemplo de Jesus.
Estas virtudes, por sua vez, foram incorporadas à Doutrina Social da Igreja e nos permitem implementar os princípios deste ensinamento. Como todas as virtudes são aprendidas, tento mostrar como iniciar-se nelas por conta própria com a ajuda de exemplos.
Como estas virtudes contribuem para nos elevar a Deus, para alimentar a nossa oração?
Se meu ponto de partida é falar das virtudes sociais para delas tirar ajuda para a vida em sociedade, no cristianismo essas virtudes estão todas ligadas à nossa relação com Deus! O acolhimento destas virtudes (que são tantos modos de ser de Deus revelados em Jesus) passa primeiramente pela oração, pela meditação da Palavra de Deus, pelas liturgias... Existe um vínculo muito forte entre a vida espiritual e o aprendizado das virtudes.
Para dar um exemplo inaciano, quando meditamos o Evangelho, isso nos transforma porque na imaginação nos colocamos na cena, nos identificamos com os personagens, o que, por sua vez, desperta em nós emoções, modos de ver o mundo e nele agir. Para viver as virtudes devemos também confiar no Espírito Santo, é Ele quem nos instrui neste processo.
De que modo essas virtudes são importantes para a sociedade?
A excessiva individualização é um grande risco hoje, dificulta o vínculo social. Podemos viver juntos se não acolhemos o outro, se não simpatizamos com ele? Podemos viver uns com os outros sem o senso de justiça e sem esperança? As virtudes são recursos para buscar e encontrar o bem comum.
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"As virtudes são convites para adotar um estilo de vida". Entrevista com Alain Thomasset - Instituto Humanitas Unisinos - IHU