14 Fevereiro 2024
“Parece evidente que a crise ambiental, a tendência à contração das economias e a proliferação de guerras estão prefigurando situações críticas para a humanidade de baixo, cuja sobrevivência está cada vez mais em risco. Penso que estes deveriam ser os temas centrais a nos despertar, consumir nossos tempos e tarefas nos espaços coletivos”, escreve Raúl Zibechi, jornalista e analista político uruguaio, em artigo publicado por La Jornada, 09-02-2024. A tradução é do Cepat.
O Canal do Panamá registra uma queda no tráfego de navios de 30%, que chegará a 50% nos próximos meses por causa da tremenda seca que assola a região. Nestes meses, o tráfego caiu de 35-40 para 24 travessias diárias.
O Canal de Suez, em janeiro, registrou uma redução de quase 50% devido à ofensiva militar do grupo Ansarolá contra os navios que se dirigem aos portos de Israel.
Ainda que sejam por razões diferentes, mudança climática e guerra respectivamente, já há algum tempo ambas convergem demonstrando o delírio do sistema e a proximidade do colapso. No entanto, mesmo que a humanidade beire o abismo, como fica evidente nestes anos de incêndios vorazes e guerras de extermínio, as bolsas de valores continuam subindo porque para esses 1 ou 2% mais ricos a vida pouco importa, desde que não seja a deles.
A crise da água segue o seu curso ascendente, porque a consumimos e desperdiçamos cada vez mais. Um em cada quatro habitantes do planeta (2 bilhões de pessoas) sofre “estresse hídrico”, que ocorre quando um país ou região consome mais água do que dispõe. Segundo a ONU, até 2050, outro 1 bilhão sofrerá um estresse hídrico elevado.
A maioria dos países onde já se vive a crise da água pertence ao sul global (Chile, em nosso continente), mas já existem regiões do norte com o mesmo problema, como Califórnia, Andaluzia e Catalunha. O Atlas de riscos hídricos publica um mapa interativo onde qualquer pessoa pode rastrear a situação, em qualquer parte do planeta. Metade do México está no vermelho.
O pano de fundo dessas crises pode ser a economia, que tende a se contrair pelas dificuldades no fornecimento de energia, que também está crescendo. Gail Tverberg, especialista em petróleo e meio ambiente, argumenta que as economias são “estruturas dissipativas” (conceito criado por Ilya Prigogine, Prêmio Nobel) que consomem energia, expandem-se e, em algum momento, entram em colapso.
Explica que a economia global está passando do crescimento para a contração de longa duração, mas quando isto acontece “a riqueza do sistema é cada vez mais distribuída entre os ricos e os muito poderosos”, deixando para trás os setores populares e médios, sustenta no portal oilprice.com. Obviamente, a concentração excessiva de riqueza é outra corda no pescoço do sistema econômico.
De fato, o 1% mais rico aumentou a sua fatia de riqueza de 23 para 32%. Neste ponto, destaca que começam a aparecer fissuras na economia mundial, por várias razões.
Primeiro, porque as populações tendem a crescer, mas os recursos que as sustentam não. De passagem, afirma que a transição para energias sustentáveis “soa muito disparatada” diante da crescente demanda por combustíveis fósseis devido, precisamente, à mudança climática.
Em segundo lugar, as linhas de abastecimento estão rompidas, sendo “outro sinal de que a economia está chegando a seus limites”. Isto implica comprar produtos mais caros, uma questão que realimenta o problema das cadeias de abastecimento e a escassez de recursos.
Por último, oferece dados sobre a diminuição da produção industrial no mundo, com base em dados dos 15 países mais industrializados. O retrocesso é significativo nos Estados Unidos, Europa, Japão e Austrália. Apenas na Índia, Rússia e China (nessa ordem) as indústrias crescem. Conclusão: “Se o setor industrial está em contração, esperamos mais linhas de abastecimento rompidas nos próximos meses e anos”.
Conclui afirmando que haverá mais dívida pública e maiores riscos de hiperinflação. Para Tverberg, o sistema é como um ancião de mais de 80 anos, que pode tropeçar e cair a qualquer momento, mas não sabemos quando acontecerá.
Parece evidente que a crise ambiental, a tendência à contração das economias e a proliferação de guerras estão prefigurando situações críticas para a humanidade de baixo, cuja sobrevivência está cada vez mais em risco. Penso que estes deveriam ser os temas centrais a nos despertar, consumir nossos tempos e tarefas nos espaços coletivos.
Nada mais longe da realidade. Seguimos atolados na “pequenez” do cotidiano consumista e narcisista: o último modelo de telefone ou de roupa, o jogo de futebol como meros espectadores, a campanha eleitoral que só entretém, mas não resolve nada de fundo. Este é um triunfo estratégico do capitalismo: levar-nos de cabeça para o colapso, enquanto olhamos para a tela, ignorando a destruição e o massacre da vida.
O recente comunicado 14 do EZLN diz isto de forma transparente: “A maioria da população não vê ou não acredita que a catástrofe é possível. O capital conseguiu incutir o imediatismo e o negacionismo no código cultural básico dos de baixo”.
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A cada ano mais perto do colapso. Artigo de Raúl Zibechi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU