19 Dezembro 2023
Como parte da reforma de salvaguarda em curso na Igreja na França, a Conférence des Religieux et Religieuses de France (CORREF) adotou uma carta oficial, ou vade mecum, sobre "Direitos Fundamentais na Vida Religiosa" para garantir uma melhor governança dentro das comunidades e evitar potenciais abusos de autoridade. Cerca de 300 superiores de comunidades religiosas, homens e mulheres, se reuniram no santuário de Lourdes, na França, para uma assembleia geral de 21 a 25 de novembro.
A reportagem é de Caroline de Sury, publicada por Global Sisters Reporter, 15-12-2023.
"A tragédia dos abusos revelou que estamos todos juntos nisso", disse a dominicana Véronique Margron, que é presidente da CORREF desde 2016, ao OSV News. "Ninguém finge ser perfeito. Essa crise nos torna mais modestos, mais fundamentados na realidade e na verdade".
Os presentes representavam congregações e institutos de diferentes origens, idades, missões, tamanhos e sensibilidades. "A diversidade foi imensa, mas vivemos um momento de muita fraternidade e solidariedade, apesar da seriedade dos temas abordados", disse Margar.
Margron tem ouvido centenas de vítimas de abuso em instituições religiosas nos últimos anos. Ela é uma figura-chave na gestão de abusos na Igreja francesa. "Tornou-se um ministério para mim", disse ela ao OSV News. Seu livro de 2019, intitulado Un moment de vérité (Um tempo de verdade), trata da crise dos abusos na Igreja Católica.
"Esses crimes foram de natureza sistêmica. A resposta deve, portanto, ser sistêmica. Trata-se de mudar modos de vida, quando necessário, para que todos os membros da comunidade possam cultivar sua maturidade espiritual e serem profundamente felizes e livres", disse.
"Esta crise está nos transformando", concluiu Margar. "O Evangelho nos transforma e o Deus dos vivos não cessa de nos transformar". "Isso não significa que estamos esquecendo nossas raízes. É antes que, se você está enraizado em uma tradição, você não tem medo de se deixar transformar".
A nova carta francesa é baseada em recomendações da Comissão Independente sobre Abuso Sexual na Igreja. A CIASE publicou um relatório histórico em outubro de 2021, revelando um fenômeno massivo de agressões sexuais cometidas na Igreja desde a década de 1950, estimado em mais de 300.000 vítimas, e um encobrimento "sistêmico".
Nesse contexto, o objetivo da nova Carta é garantir os direitos dos membros das comunidades religiosas. "A tomada de votos em um mosteiro não deve privar ninguém de direitos essenciais", explicou Margron. "Isso inclui o respeito à liberdade de consciência e de voto político, à liberdade de escolher o confessor, à oportunidade de receber uma formação sólida, ao respeito à integridade física, às condições dignas de trabalho, ao direito ao descanso, à proteção social. Tudo isso parece evidente, mas tinha que ser colocado no papel".
"Quando alguém se junta a uma comunidade religiosa, tudo é muito generoso, a pessoa se sente pronta para desistir de tudo", disse ela. "Isso te deixa vulnerável. Você não deve perder seu espírito crítico e sua capacidade de pensar por si mesmo. Cabe à comunidade garantir que seus direitos sejam protegidos, porque você concordaria espontaneamente em abrir mão deles, especialmente se a autoridade alegar estar agindo em nome da fé e para a Igreja".
Para elaborar o que Margron descreve como uma ferramenta educacional, a CORREF recorreu aos serviços de um especialista em direito canônico, bem como especialistas em direito civil. "O objetivo era reunir os direitos espalhados pelo direito canônico e os textos do magistério sobre a vida religiosa, cruzando-os com textos de direitos fundamentais, como os da Convenção Europeia de Direitos Humanos, explicou a irmã.
Um dos elementos previstos no estatuto é a criação de cursos de formação jurídica e psicológica para superiores, com o envolvimento de profissionais. "Não podemos mais governar sozinhos após abusos (ocorrências). Precisamos da ajuda de especialistas de fora da Igreja", insistiu a irmã. "Devemos ter cuidado com sistemas fechados, que podem incentivar perversões de autoridade, especialmente por causa da relação com o sagrado, que pode levar algumas pessoas a exercer poder destrutivo".
"O governo de uma comunidade não deve ser solitário", disse o presidente da CORREF. "Deve ser sempre limitado no tempo, com certas exceções, e não deve haver onipotência. São necessários contrapontos no exercício da autoridade".
"Agora temos que olhar para o futuro com esperança", resumiu Margron para o OSV News. "Não podemos esquecer esses crimes indeléveis e devemos continuar incentivando as vítimas a falarem. Mas temos de trabalhar no presente para pôr em prática (procedimentos) de salvaguarda sólidos", sublinhou.
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Nova carta busca proteger religiosos de possíveis abusos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU