15 Dezembro 2023
Ele governa com força o Vaticano, mas não quer permanecer ali para sempre. O Papa Francisco anunciou que será sepultado na basílica de Santa Maria Maggiore e não em São Pedro como os Pontífices do século XX e muitos dos seus antecessores.
A reportagem é de Iacopo Scaramuzzi, publicada por La Repubblica, 14-12-2023.
“Quero ser sepultado em Santa Maria Maggiore por causa da minha grande devoção” pela Virgem, confidenciou à jornalista mexicana Valentina Alakraki. Bergoglio frequentava a basílica ao lado da estação Termini já quando era arcebispo de Buenos Aires: “Sempre ia lá no domingo de manhã, quando eu estava em Roma".
O vínculo é profundo. Aqui celebrou sua primeira missa, no Natal de 1538, Santo Inácio de Loyola, fundador dos Jesuítas, a ordem religiosa a que Bergoglio pertence. Francisco esteve ali no dia seguinte à eleição para dedicar o seu pontificado a Maria. E voltou ali, desde então, 115 vezes, em todas as viagens ao exterior, em todos os dias da Imaculada Conceição, esteve ali para invocar Nossa Senhora durante o Covid. Mas a escolha também é a última quebra de protocolo de um Pontífice orgulhosamente “outsider”, que em dez anos entreteve uma relação de desconfiança mútua para com a Cúria Romana.
Francisco nunca escondeu que gostaria de deixar o Vaticano anonimamente, como o Papa de Nanni Moretti, para comer uma pizza ou passear pela cidade. "Eu me sinto um pouco engaiolado" confessou durante o lockdown. Não foi morar em San Giovanni in Laterano, como alguém havia imaginado no início do pontificado, a catedral do bispo de Roma, mas desertou o Palácio Apostólico, escolhendo morar no hotel dentro do Estado pontifício: Casa Santa Marta. Tem quebrado repetidamente o protocolo, abalou o Vaticano, mandou um cardeal a julgamento — Angelo Becciu — e a outro, o estadunidense Raymond Leo Burke, acaba de tirar o custoso apartamento e o “prato cardinalício” porque bombardeava o sínodo.
Na entrevista à televisão mexicana N+ Francisco não dá a impressão de estar se preparando para a morte. Explicou que está planejando uma viagem para a Bélgica, depois há as hipóteses da Argentina e Polinésia. Claro que “a velhice não dá para maquiar”, afirma. E planejou o seu próprio rito fúnebre, "vamos simplificá-lo um pouco". Ele não descarta que possa renunciar como Bento XVI, mas não amanhã e nem depois de amanhã: “Peço ao Senhor que diga basta, num determinado momento, mas quando Ele quiser”. Se no último ano os mal-estares se multiplicaram e recentemente pegou uma bronquite que lhe fez perder a viagem à cúpula sobre o clima de Dubai, agora “sinto-me melhor”, afirma: “Às vezes me dizem que sou meio imprudente porque quero fazer coisas e me mexer. Então são bons sinais, certo? Eu estou bastante bem".
O anúncio de ser sepultado em Santa Maria Maggiore deixou atordoado mais de um colaborador. Até poucos dias atrás, nas grutas de São Pedro dava-se como certo que um sarcófago de mármore branco era destinado ao Pontífice reinante. Em Santa Maria Maggiore, não há sinal de trabalhos. “Ficamos sabendo disso lendo a notícia”, se desculpam os guardiões da basílica liberiana. Aqui estão os túmulos de sete papas: Honório III, Nicolau IV, Pio V, Sisto V, Clemente VIII, Paulo V e Clemente IX. Há também um antipapa que mais tarde se arrependeu, Bento X. Aqui está o túmulo do Cardeal Bernard Law, o arcebispo de Boston que, perseguido pelo escândalo dos padres pedófilos descoberto pelo Boston Globe, encontrou refúgio, graças a João Paulo II, como arcipreste da basílica, onde faleceu em 2017.
O lugar mais adequado para Francisco seria na capela do fundo a esquerda da nave principal, onde está exposto o ícone de Maria "Salus populi romani", salvação do povo romano, da qual Bergoglio é muito devoto, e onde estão os sarcófagos de dois outros pontífices: Paulo V e Clemente VII. Em particular, a subcapela dedicada a Santa Francisca Romana, no lado esquerdo, continua vazia: seria destinada ao cardeal espanhol Santos Abril y Castellò, arcipreste emérito de 88 anos, mas sobretudo grande amigo de Bergoglio, a quem teria deixado o local sem problemas. No lado oposto da nave central fica a Capela Sistina, onde Santo Inácio celebrou missa há meio milênio.
Francisco não seria o primeiro papa enterrado fora do Vaticano. Quem sabe se, entre outros, tenha pensado em especial no holandês Adriano VI, que em 1521 foi o último pontífice não italiano antes de João Paulo II. Viveu na época da reforma luterana, “pedindo expressamente perdão pelos pecados dos prelados da Cúria Romana", observou Bergoglio, acrescentando: "Corajoso, hoje teria muito trabalho". Ele está sepultado na igreja de Santa Maria dell'Anima, fora do Vaticano.
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A última quebra de protocolo do Papa Francisco: quer ser enterrado fora de São Pedro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU