20 Dezembro 2023
O artigo de Paolo Cattorini, proposto há mais de dois meses, foi seguido de um bom número de outras posições, uma manifestação de significativo interesse. Essa contribuição centrou-se explicitamente nas “escolas de teologia para leigos” e na figura particular do professor que deveria ser responsável por elas, mas permitiu emergir temas exuberantes no que diz respeito à organização pastoral da educação básica dos crentes; a riqueza dessas questões autoriza-nos a voltar ao tema mesmo depois de algum tempo, enfocando alguns aspectos contíguos ao que as diversas reflexões já destacaram.
O artigo é de Francesca Peruzzotti, publicado por Settimana News, 05-12-2023.
A devida atenção a uma investigação teológica que compreenda a sua natureza e, portanto, a sua missão como suporte - ou melhor, na interação originária - da fé eclesial, na medida em que é a inteligência crítica dessa mesma fé, leva-nos à dúvida sobre sua forma própria, antes mesmo de enfatizar as diferenças dadas por destinos e estruturas particulares, acadêmicas ou populares. Uma forma que, precisamente pela sua conaturalidade eclesial, transcende os limites da instituição: é simultaneamente sobreponível à responsabilidade para com a humanidade e o seu pensamento como tal.
A unidade da teologia, anterior à sua declinação funcional, chama também a atenção para outras ligações, em relação às quais às vezes a insistência na dialética em vez da harmonia nem sempre é saudável, porque corre o risco de empobrecer a dignidade própria do conhecimento teológico.
Em particular, podemos referir-nos à diferença entre as universidades seculares e as faculdades teológicas, mas também à distância, muitas vezes denunciada pela inclinação unívoca para a primeira das duas formas, entre um conhecimento que encontra a sua razão na pastoral (no máximo didático) e outro que seria infrutífero porque parece ter como único fim a produção própria.
Por fim, a insistência que se produz em torno da reivindicação do papel prioritário que a prática e a vida devem ter na elaboração teórica não é secundária, ou seja, a prática e a vida são entendidas como origem e justificação da investigação, a ponto de se arriscar a compreender esta como seu instrumento simples e, em última análise, insignificante.
Um equívoco que acredita que na obediência ao Evangelho existe uma alternativa séria entre a realização ativa da caridade e a dispersão na teoria ou na estética, julgada inconclusiva e inadequada para impactar e transformar a realidade - um equívoco que infelizmente é por vezes reforçado por algumas expressões do Papa Francisco, extemporâneo mas com forte impacto.
Talvez seja possível, no entanto, considerar o tema também sob um outro ângulo, que não pretende evitar a necessária - e por vezes angustiante - observação dos fatos, nem a assunção responsável de intervenções concretas, mas que assume como dever a de deter-se na questão relativa ao sentido do empreendimento teológico, sinceramente aberto também à verificação da sua razão de ser no contexto social e eclesial de hoje.
De fato, acontece frequentemente que, para devolver vigor a uma instituição que dá sinais de fadiga ou declínio, se procurem fortalecer o que resta a partir de intervenções externas, que nem sempre são eficazes para garantir uma consolidação permanente. Ou, acontece que o que existe é corroborado pela transformação da sua natureza, esforçando-se por responder às diversas necessidades, mas guiado pelo princípio econômico da oferta e da procura, estranho à lógica e missão que fundou a origem da teologia e permitiu a sua posição, tanto entre os ministérios que nutrem a igreja e entre as ciências que tornam atrativa a pesquisa humana.
Os vários métodos através dos quais o conhecimento teológico se desenvolveu na Itália são certamente o resultado de uma história particular, em que a organização eclesiástica e a regulação civil estão entrelaçadas com os fundamentos epistemológicos que permitem a existência e a distinção de uma disciplina entre as outras, mas apenas o íntimo a consciência de que a investigação teológica, por si só, corresponde a um serviço ao mundo e à Igreja - na sua mútua implicação - garante e autoriza a sua persistência estável, daí a revisão perene das formas através das quais este conhecimento pode expressar a sua fecundidade.
As dificuldades sofridas pela teologia certamente não são exclusivas dos últimos anos, nem indissociáveis das transformações e dificuldades que afetam também o ensino e a pesquisa realizados nas universidades civis. Ao mesmo tempo, é talvez uma condição peculiar - uma ocasião específica - desta época marcada por mudanças tão rápidas que tornam impossível decifrar o seu rumo e impossibilitar a consistência de uma planificação ampla, a possibilidade de insistir mais, ousar reiterar o necessidade de escolhas radicais que possam manifestar horizontes ousados.
A evidência numérica, relativa ao número cada vez mais reduzido de estudantes, à progressiva falta de recursos econômicos e humanos, ao diferente peso que o catolicismo tem na sociedade italiana, suscita a necessidade de decisões que possam corresponder também à coragem da purificação e da renúncia, para a proposta de formas organizacionais verdadeiramente capazes de visar o ofício primeiro da teologia, do qual a investigação não pode ser separada e da qual podem derivar outras aplicações.
Reforçar a tipicidade da investigação teológica, insistindo na sua diferença em vez de a adaptar previamente, rebaixando os seus contornos para torná-la um recurso barato de formação geral e imediata, poderia ser uma condição para concretizar a possibilidade de partilhar a vida de todos e a capacidade de habitar novos territórios; afinal, com toda simplicidade, uma das formas de viver o evangelho na civilização humana, que tece uma ligação mútua e necessária com as demais.
Em particular, a marginalidade que caracteriza a teologia pela sua posição à margem do desenrolar das existências e, precisamente por isso, pelo fato de serem uma força crítica, insere-a sem mais mediação entre as formas autênticas de resposta às o Evangelho. Uma resposta ao mesmo tempo pessoal e comunitária, suscitada exclusivamente pela revelação divina na história de Jesus, que se entrega irremediavelmente à aceitação humana, apoiando-se nas peculiaridades - mesmo especulativas - através das quais o humano exprime a sua presença no mundo e no mundo. Ao mesmo tempo suscitando o desejo da sua conversão permanente, para que sejam capazes de honrar a lógica evangélica, dando-lhe conta.
Mesmo antes de considerar o seu estatuto epistemológico, é então possível perguntar em que consiste a especificidade da atividade teológica. Isto envolve o reconhecimento da semelhança com as outras formas em que o pensamento humano se constitui, mas também a evidência da sua harmonia específica com a radicalidade cristã; destaca, portanto, uma posição que torna a teologia indispensável para a comunidade eclesial e leva a denunciar como ilícita, embora muitas vezes envolta em benevolência, qualquer tentativa de reduzir o conhecimento teológico a uma função imediatamente conveniente, o que obscurece, portanto, a sua qualidade crítica.
Parece frutífero referir-se - na esperança de não beirar a banalidade da legenda - ao que a filosofia contemporânea descreve através da categoria de "inatividade": a possibilidade de uma ação que não se esgota nem encontra o seu próprio é característica e qualificadora de o ser humano: razão de ser na criação de uma obra, um fazer que não se reduz à lógica da conclusão que termina no propósito.
Esta categoria (da qual a fé cristã certamente não está distante, basta pensar no papel central da liturgia, que Romano Guardini resumiu como uma obra "como fim em si mesma") não tem apenas um caráter ontológico e estético, uma vez que aqueles duas dimensões contêm uma caracterização política essencial: a identificação da possibilidade inativa abre-se a uma interpretação da realidade que sai do cânone funcionalista, orientada em última instância para a desumanização das lógicas de mercado e de poder.
A interrupção da centralidade da produção certamente não corresponde à renúncia ao compromisso, nem à abdicação do autoenvolvimento em favor da mera espontaneidade, mas ao necessário distanciamento da realização, se esta corresponder à simples conquista de um objetivo finito, em vez de obter a redefinição do vínculo comunitário que se segue.
Em particular, num dos seus ensaios, Giorgio Agamben considera explicitamente a caracterização inativa do estudo [1], descrevendo-o a partir da ligação que se estabelece na tradição judaica com o Talmud e sublinhando a sua paradoxalidade: o esforço do estudioso é generativo apenas para a medida que acolhe a irredutibilidade a um fim definido, portanto à ausência de uma meta ou resolução pré-definida numa realização completa e gratificante.
As qualidades que acabamos de indicar podem ser facilmente aplicadas às especificidades da investigação teológica; na verdade, funcionam como um critério para verificar a sua autenticidade. Insistir na forma inativa da teologia, consequente à sua preservação como disciplina irredutível a uma técnica, já corresponde a atribuir-lhe legitimidade no que diz respeito à construção da Igreja, por ser uma instância que se entende como alternativa à realização mundana e que recusa o mero consolo do resultado.
Portanto, a opção pelo estudo e pela profissão teológica deve ser reconhecida com fácil consequência como uma oportunidade de testemunho, graças à qual os cristãos e as cristãs, valendo-se das próprias qualidades e expondo-as ao refinamento resultante da comparação e da aprendizagem, têm a oportunidade de atribuir a sua existência e o fruto do seu trabalho para uma mediação necessária, ao lado de todas as outras formas, anônimas ou instituídas, de serviço ao Evangelho.
É igualmente claro por que é oportuno vigiar constantemente para evitar uma redução funcionalista do empreendimento teológico, que o interpreta apenas a partir do efeito cuja realização pode facilitar. O risco que aí se esconde torna-se explícito na definição distorcida de um conhecimento que poderia ser detalhado a partir de quem a ele se pode dedicar e das tarefas que lhe estão reservadas (pastoral, ensino, investigação), como se fosse possível identificar a priori a quem cabe a sua realização, decretando efetivamente a quase exclusão de muitos, segundo lógicas completamente estranhas a um autêntico mandato eclesial e a um competente discernimento intelectual [2].
Isto não significa ansiar por uma atividade solitária, desligada da concretude, cujo núcleo gratuito endossaria a falta de organização e o descaso com os meios de sustentá-la. Com efeito, é a consciência da vulnerabilidade desse conhecimento que requer maiores cuidados quanto à sua proteção e à sua configuração [3].
Além disso, a consciência agora adquirida da benéfica interação com as diversas formas de conhecimento de que trata a teologia também pode levar à verificação do nível de ensino oferecido e das reais possibilidades de que as instituições teológicas garantam espaço para a pesquisa, sem relegá-la. à livre iniciativa e à boa vontade dos indivíduos.
Os frutos da comparação com outras disciplinas não podem, de fato, limitar-se à partilha de conteúdos, mas implicam também uma consciência sincera das metodologias de ensino e docimológicas [4], bem como da importância atribuída à produção inovadora e à definição de uma comunidade acadêmica bem organizado.
O rigor que a teologia implica não é uma alternativa à paixão e ao fascínio que suscita, nem pode o serviço que presta à fé da Igreja ser empobrecido ao abordar as suas atuais dificuldades com ferramentas acidentais, temendo a mudança de perspectiva que representa. Pelo contrário, a herança com a qual os crentes contemporâneos ainda podem lidar desperta o desejo de uma transmissão de conhecimentos incapaz de aceitar a mediocridade.
O tempo da responsabilidade corresponde irrevogavelmente à renúncia a esta visão ou pode ainda concretizar-se num compromisso radical para que falar de teologia não se torne logo apenas nostalgia?
[1] G. Agamben, Ideia do estudo, em Id., Ideia de prosa, Quodlibet, Macerata 2013 2, p. 43-46.
[2] Para uma síntese eficaz, que considere em particular a distorção que implica a "dupla via" dos estudos teológicos, cf. M. Mariani, Para onde? O estudo da teologia na Itália, O Reino. Atualidades, 10 (2018), p. 305-315.
[3] Como já foi observado com uma referência - tudo menos extemporânea - à condição feminina, a falta de estrutura e o espontaneísmo, longe de permitir uma consolidação criativa da instituição e uma participação plural mais consistente, nada mais fazem do que fortalecer a exclusão daqueles que já não têm envolvimento: ver Jo Freeman, A Tirania da Estruturalidade, A Segunda Onda, II-1 (1972), p. 20-33.
[4] O documento promovido pela Associação Teológica Italiana, Uma proposta para o repensar integrado dos estudos teológicos na Itália, é certamente lúcido e construtivo nesta direção. O caminho aí sugerido, que visa devolver dignidade e exequibilidade à educação teológica, poderia talvez insistir com mais coragem numa forma de conhecimento caracterizada pelo rigor científico (por exemplo, ao mesmo tempo que propõe um plano de estudos cada vez mais semelhante ao percurso normal das universidades seculares, esquecemos de atribuir peso específico à tese de licenciatura, primeira oportunidade graças à qual o aluno pode dedicar-se a um estudo que não corresponde à mera aprendizagem de conteúdos, mas a um trabalho de investigação).
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A formação teológica | 6. Artigo de Francesca Peruzzotti - Instituto Humanitas Unisinos - IHU