17 Setembro 2023
"A teologia é boa para todos, se bem-feita, sobretudo para os teólogos. Portanto, os cursos de atualização teológica deveriam ser dirigidos a todos, inclusive aos teólogos, conduzidos, como sugerimos, com espírito interdisciplinar, leigo e pluralista. De fato, não se pode prescindir da teologia, pois quem tenta ignorá-la – mesmo que seja um bispo santo, um reitor ativista, uma abadessa integérrima, um leigo oblativo – faz uma teologia ruim".
O comentário é de Paolo Marino Cattorini, ex-professor univesitário italiano, conselheiro filosófico e bioeticista clínico, em artigo publicado por Settimana News, 07-09-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Neste artigo formulamos algumas propostas para repensar o chamado cursos de teologia para leigos e, de forma mais geral, esclarecer o papel que a pesquisa e a didática teológica podem desempenhar no caminho sinodal da Igreja.
Gostaríamos muito que este documento suscitasse um debate acalorado on-line induzindo os atores interpelados a expressar sua possível discordância por meio de objeções oportunas e diretas ou sugerindo vias originais de superação dos obstáculos apontados.
Para tanto, adotaremos uma linguagem compreensível e uma forma expositiva não sobrecarregada de pesadas referências bibliográficas. A referência a exemplos reais ou hipotéticos oferecerá ao leitor uma forma narrativa apropriada – assim esperamos – para permitir um adequado discernimento.
A figura típica do docente de teologia “para leigos” na Itália corresponde atualmente, pelo que nos consta (lembramos que estamos generalizando), ao titular do ensino num seminário, instituto de ciências religiosas, órgão pontifício ou faculdade teológica. Com sintética ironia, se quiséssemos estabelecer um paralelo com os WASP do poder nos EUA (brancos, anglo-saxões protestantes), suas características específicas poderiam ser as seguintes: branco, sexo masculino, falante de italiano, católico, padre, celibatário. Em virtude desse contexto, o docente é geralmente acostumado a expor as suas teses para um auditório já ideologicamente selecionado.
Acontece, porém, que as temáticas mais relevantes, das quais partir para a atualização teológica, exigem competências diversificadas (do pluralismo, mostraremos daqui a pouco).
Exemplar nesse sentido é a interdisciplinaridade da bioética: sem um conhecimento biomédico atualizado e capacitado em instituições de tratamento e assistência, sem um preparo filosófico, sem uma sutileza psicológica capaz de perceber a especificidade humana de um caso clínico, o mero conhecimento histórico das escolas de teologia moral e a informação sobre os pronunciamentos magisteriais sobre o assunto não bastam, visto que a bioética é a justificativa racional (ratio é aqui entendida no sentido alargado próprio da teologia) das avaliações morais em âmbito biomédico.
Outro exemplo. Foram rejeitadas algumas propostas, formuladas aos reitores de Faculdades Teológicas, para instituir cursos em teologia do cinema. Apareceram em todo o mundo departamentos de Estudos de Cinema e Religião e, pelo menos na Itália, foram publicadas algumas importantes publicações sobre o assunto. O filme é bastante apreciado como “ferramenta” de formação em paróquias, associações culturais, conferências humanísticas e até nos seminários episcopais.
Mas de qualquer forma, os reitores respondem que o currículo acadêmico já está lotado demais para inserir outra teologia. E, além disso, haveria uma falta de docentes estruturados, que sejam adequadamente competentes numa matéria literária complicada como essa. A resposta dos reitores não nos convence, mas sofre justamente o golpe: o cinema e a sua linguagem devem ser conhecidos, para poder fazer deles uma teologia, sem cometer erros, como já aconteceu.
No entanto, continuamos parados no ponto. Ou a docência se caracteriza por aspectos interdisciplinares (naturalistas, como no caso da bioética; humanistas, como no caso do cinema), ou o discente leigo receberá uma introdução teórica bastante abstrata no que diz respeito à sua vida pessoal e espiritual.
Na hora de indicar quem deve exercer a função de docente nos chamados cursos “para leigos”, dever-se-ia evitar o risco de atribuir preconceituosamente tal função apenas para quem simplesmente já é titular de ensinamentos teológicos em outras escolas. De fato, o “bom” teólogo não coincide com o professor de teologia em instituições religiosas.
Assim como aconteceu que respeitáveis cientistas de física nuclear não terem sido aprovados, quando estudantes, em tal matéria, também a história da teologia (especialmente a reformada) reconheceu a contribuição proveniente de sujeitos (leigos e leigas, párocos, religiosos e religiosas, filósofos, homens de cultura e artistas) sem formação docente oficial e que, apesar disso, graças às suas intuições, foram rapidamente convidados a ministrar aulas por contrato nas sedes oficiais.
As instituições, sabe-se bem, uma vez estabelecidas, são lentas, complicadas e refratárias às mudanças. E, no entanto, são precisamente as mudanças que resultam interessantes a quem se inscreve em cursos de formação “locais” e não tem como objetivo seguir a carreira acadêmica em escolas pontifícias, mas sim semear na vida cotidiana (familiar e profissional) os conteúdos da verdade aprendidos no encontro com testemunhas sensíveis aos “sinais dos tempos”. Porque ali se revela o evangelho e ali se joga a missão para o mundo.
A autorreferencialidade redutiva de que estamos falando também se manifesta na forma como um novo livro é recebido. É ruim quando um texto é esnobado sem comentários ou que, embora considerado cheio de significativos aportes culturais, é sumariamente declarado não de teologia, sem especificar em detalhes qual teologia estaria sendo privilegiada pelo recenseador (liberal? dialética? rahneriana? existencial? neoescolástica?).
O que reforça a suspeita da autorreferencialidade: dado que as novas “teologias-de” pretendem delinear uma nova forma para falar do Deus de Jesus Cristo, o conservador não entra no mérito da proposta, mas simplesmente a denuncia como extraterritorial em relação à forma com que sua agência cultural tradicional entende o trabalho teológico, promovendo como docentes apenas aqueles que militam em tal orientação.
A teologia do cinema, para voltar ao exemplo, é uma forma de teologia narrativa em que Deus (o Deus de Jesus Cristo, narrador-narrado) é pensado como o “princípio” do narrar-por-imagens, ou seja, como a verdade de sentido que os relatos, mesmo que não de temática religiosa, desejam trazer para representação. Deus se deixa narrar, aliás, está interessado em ser narrado por símbolos e ícones visuais ligados por uma trama unitária de interesse humano. Para que essa não seja teologia, o revisor crítico o deve dizer e argumentar. Se não o fizer, ele automaticamente se colocará de lado do erro.
Quem decide por que, como e quando organizar os cursos introdutórios à teologia? Os teólogos, seria obviamente a primeira resposta, considerando o que acontece. Mas estaríamos errados! O usuário eclesial tem o direito/dever não apenas de expressar um parecer e dar o consenso final em relação à iniciativa, mas conceber e contribuir a delinear um ciclo de ensinamentos teológicos adequados à própria comunidade.
Penso em particular no papel dos conselhos pastorais nos seus vários níveis, nos quais está representado o laicato, a quem os cursos estariam principalmente dirigidos. Penso também na redação dos boletins paroquiais, lugares delicados de reflexão e discussão intraeclesial.
Um exemplo. Um professor aposentado fica sabendo pelos avisos paroquiais que estão programadas noites e jornadas “teológicas” que vão se estender por alguns anos. Estando interessado no assunto, manifesta ao pároco a sua disponibilidade para contribuir com as suas competências, se consideradas úteis.
Efetivamente, ele havia publicado alguns textos sobre a noção de Revelação em Jean-Luc Marion. O pároco toma nota, mas responde com relutância – textualmente – que “não tem poder de decisão no assunto sub judice”, pois tudo está sendo tratado por um teólogo acadêmico, muito “bom”, residente no Seminário. O uso do jargão do direito canônico (“no assunto sub judice”) já mostra o flagrante equívoco institucional: o pastor recomenda a frequência às aulas programadas em outro lugar, quase como um pacote fechado, é pegar ou largar.
As consequências de não ter ou de não querer ter uma palavra a dizer "no assunto sub judice" naturalmente se manifestam ao nível de forma e conteúdo, resultando em cursos despersonalizados, a-históricos e abstraídos da vida de comunidade. Uma deriva iluminista aflige as boas intenções educacionais. As expectativas, os desejos, as frustrações, os impasses, as esperanças concretas ligadas aos acontecimentos de uma determinada paróquia ou decanato são desconsideradas ou negligenciadas.
Pior ainda, as vozes originais de uma história de fé nem sequer são solicitadas a serem ouvidas. O formato (cito literalmente uma conversa: a essa altura a linguagem televisiva domina) prefixado motu proprio por entidades acadêmicas com bastante antecedência temporal dificulta a possibilidade de apreender as novidades histórico-culturais que ocorrem no meio tempo, mesmo quando elas são teologicamente relevantes (os primeiros casos de suicídio assistido na Itália, a guerra na Ucrânia, uma exortação apostólica, um caso da enigmática "rejeição" de um teólogo como o caso de Martin M. Lintner no Studio Teológico de Bressanone).
Igualmente bizarra e idealista é a reprodução do mesmo sistema de formação em paróquias e decanatos tão geograficamente distantes entre si, tão diferentes em termos de vicissitudes, tão desiguais por composição, censo, hábitos, etnias representadas, etc., que tornam implausível um impacto positivo e pertinente no plano da vida eclesial.
Os responsáveis pela pastoral não deveriam abdicar antecipadamente e sistematicamente da possibilidade de delinear objetivos e métodos de um curso de formação, pois sem uma sua instrução prévia das questões em aberto não saberiam como indicar os caminhos específicos de um futuro aprofundamento teórico, que quisesse responder adequadamente às perguntas provenientes das consciências crentes individuais e das comunidades como um todo.
Como se sabe, Deus educa não tanto a partir das cátedras escolares, mas a partir da vida dos indivíduos, da história dos grupos, dos encontros/embates entre/com crentes e não crentes. Na verdade, o que surpreende, especialmente em assuntos polêmicos e concretos, como os da ética sexual, é o silêncio dos pastores, presos entre a) uma mal-entendida obediência passiva às indicações gerais do Magistério, b) um uso tácito do "bom senso" casuístico e c) uma delegação inexplicável aos teólogos, que de fato não conseguem dizer algo relevante se as outras fontes vitais do espírito eclesial fecham, com mais ou menos relutância, a boca.
Na realidade, é na vida cotidiana das igrejas, das escolas dominicais, dos grupos que emergem os traços fenomenológicos decisivos para descrever a vivência de quem, diante de um dilema de decisão, pede que lhe sejam fornecidas as ferramentas e as condições para um aprofundamento teológico. O teólogo “profissional” aprende com as formas que brotam da experiência de fé.
Sugeriríamos substituir o termo cursos de formação teológica para "leigos" com o de cursos de "introdução" à teologia e esperaríamos a correspondente ampliação do público para todos aqueles, leigos ou não, que queiram beneficiar-se deles.
A expressão "para leigos" é lamentável, tanto porque leva a pensar em cursos "de série B" ou reservados a classes "problemáticas" (antigamente se diria "diferenciais") cujos objetivos de formação deveriam (infelizmente) ser reduzidos, tanto porque acabaram os tempos em que poderia ser teorizada no plano eclesiológico uma separação entre leigos e clérigos em função de uma subordinação de um dos polos ao outro, ao invés de um recíproco serviço.
“Em princípio” não há razões pelas quais o estado de consagração especial deva representar uma condição necessária para alcançar verdades teológicas mais elevadas e profundas. “De fato”, além disso, o nível de competência teológica de sacerdotes e religiosos é irregular, exatamente como o dos leigos na Igreja atual.
Vai-se desde figuras exemplares de estudiosos, capazes de dialogar até mesmo dentro das academias (filosóficas e teológicas), até situações de aproximação cognitiva, que são bastante decepcionantes. Lembro-me de uma expressão de card. Tettamanzi, bispo de Milão, que expressou a sua irritação pelo caráter “frouxo, enfadonho” das homilias mal preparadas. Os fiéis estão perfeitamente conscientes quando um antigo clericalismo paternalista (tipo: ego ipse dixi) toma o lugar do diálogo fundamentado, da exegese perspicaz, da referência a pensadores cristãos respeitados.
Os sacerdotes e os/as religiosos/as deveriam reservar um tempo estável e contínuo para a atualização teológica em contextos adequados! Conhecemos bem o estresse dos presbíteros assoberbados por incumbências burocráticas e gerenciais. A supervisão atenta e comunitária da sua formação inicial e dos seus primeiros passos no ministério dura apenas poucos anos após a ordenação, de modo que os sacerdotes são depois, por assim dizer, deixados à sua sorte na decisão do que e como estudar e como abordar no plano psicológico e espiritual as elevadas dificuldades relacionais e sociais a que estão expostos.
Consequências? Muitos fiéis queixam-se não só da dificuldade material de encontrar confessores disponíveis, mas sobretudo de que as funções de gerenciamento impedem aos religiosos uma cultivação constante da primeira iniciação moral, com o risco de que os pastores se tornem operadores frios no plano afetivo, que tentam preencher os vazios emocionais com alguma mirabolante iniciativa edilícias ou organizacional, tratando os leigos como o seu braço operacional.
Não dispomos de dados estatísticos adequados para documentar o que estamos dizendo, mas acreditamos que, como medida preventiva, talvez pudesse ser útil em certos casos estabelecer um sistema de formação contínua, como acontece com os médicos (ECM é a educação continuada em Medicina), conferindo “créditos” por cada evento de formação ao qual um sujeito, leigo ou religioso, tenha participado seja aprovado num teste final.
Se alguém tiver propostas melhores, repetimos, que se apresente e as formule publicamente, para sanar o insuportável hiato de comunicação existente entre teólogos e pastores, entre Faculdades e Paróquias, entre investigação científica no âmbito religioso e vida de fé individual ou associativa.
É possível que os pastores sintam a necessidade e o desejo de momentos regulares (como um dia por semana) para uma formação permanente em teologia, ciências bíblicas e ciências humanas. Da mesma forma, alguns deles apreciariam a possibilidade de usufruir anualmente de um curto ciclo de psicoterapia psicanalítica individual. Por que não os ajudar?
A carência de contraditório desgasta progressivamente as capacidades argumentativas. Um curso introdutório à teologia poderia aguçar vantajosamente o confronto de perspectivas, o exame dos prós e contras e o desencadeamento de um debate construtivo entre diferentes posições dentro e fora da igreja.
Uma anedota. Contaram-nos que um estimado sacerdote foi interrompido publicamente durante a homilia de uma missa festiva (o evangelho era a perícope da adúltera a ser apedrejada), por uma paroquiana interessada na teologia "feminina", que assinalou: "nem o senhor nem o evangelista mencionam o homem adúltero que transgrede a lei. É uma apresentação totalmente masculina". Em meio ao murmúrio dos presentes, parece que o celebrante tenha gentilmente respondido reconhecendo a veracidade da crítica e convidado quem tivesse dúvidas a encontrá-lo em um ambiente mais reservado, para não interromper o rito.
Seja como for, esses episódios vão se espalhar, pois o cidadão habituado a discutir temas ético-políticos em contextos pluralistas, não tolera a carência de um debate igualitário, um estilo, aliás, que São Tomás apreciava intensamente (sed contra, respondeo).
Certa vez, eu também estava prestes a me levantar durante o sermão de um sacerdote enérgico que, sem preparação adequada e improvisando frases de efeito em tom retumbante, defendia teses pro-life extremistas sobre o caso Welby. O que penso sobre o assunto o escrevi no livro Estetica nell’etica, Bolonha, EDB, 2010, segunda parte "Welby, a ética e Deus": ajudar alguém a morrer (interrompendo tratamentos que se tornaram desproporcionais por excesso) não significa fazê-lo morrer, ou seja, causar culposamente sua morte.
Voltemos à história. Saindo na igreja, perguntei a um desconhecido, um senhor gentil, magro, de terno e gravata, o que tinha achado do sermão. Ele me olhou com ternura e abriu os braços sussurrando: “ele pensa assim”. Refleti sobre isso. Nunca alcançarei tamanha humildade ao expressar o dissenso.
A Igreja não está acostumada ao contraditório e a teologia também não. Seria de esperar que nos seminários e faculdades teológicas (e também nas universidades de inspiração religiosa) houvesse um treinamento sistemático (discentes e docentes) numa verdadeira disputatio. Mas a situação não é essa, como se um medo sutil paralisasse a dialética do confronto público, aberto e transparente. Sempre gostei da expressão que aprendi com um amigo teólogo moral: deve-se respeito (melhor, proximidade) às pessoas, não às suas ideias, se as ideias forem (isto é, forem consideradas) erradas: nesse caso “respeitá-las” exige contestá-las, expor as suas contradições internas, propor uma perspectiva antinômica.
Em vez disso, observemos algumas séries de publicações teológicas: um artigo introdutório (que abre um livro coletivo) é seguido por contribuições que se ignoram reciprocamente e nas quais cada autor expõe o seu ponto de vista, ignorando qualquer contestação que poderia ser formulada ou recebidos entre colegas.
Perguntamo-nos: havia necessidade de uma conferência e de um livro para coletar artigos que cada autor, isoladamente, poderia ter enviado ao curador de seu gabinete? Por sua vez, alguns editores católicos parecem tomados pelo anseio da unanimidade e têm o cuidado de não “lavar a roupa suja na praça” (como um editor certa vez me sugeriu). Talvez esteja ligada a essa reticência a modalidade frequentemente silenciosa com que um manuscrito é rejeitado pela editora: os motivos da recusa não são esclarecidos ao autor.
O filósofo Alasdair MacIntyre tinha uma visão completamente diferente da academia e afirmava que ela constituía um lugar de dissenso forçado, da participação obrigatória ao conflito, da educação ao confronto argumentado e, se necessário, à prova entre diferentes linhas de pesquisa, entre escolas de pensamento rivais, ainda que unidas por uma única fé. MacIntyre acrescentava que era necessário garantir, no plano institucional, uma efetiva liberdade de expressão também para minorias de pensamentos que correm o risco de serem esmagadas pelo pensamento dominante religioso.
Bizarrices? Não! MacIntyre estava apenas atualizando a universidade do século XIII, na qual agostinianos e aristotélicos, com orgulho pela discussão, levavam adiante suas respectivas linhas de pesquisa (A. MacIntyre, Enciclopedia, genealogia, tradizione, Milão, Massimo, 1993, p. 322).
O que parece ser uma advertência óbvia entra em conflito com a evidência esmagadora de que, infelizmente, mesmo alguns teólogos de indiscutível peso acadêmico adotam um jargão lexical, esotérico, incompreensível para a maioria. Um graduado em filosofia com interesses religiosos entende pouco, mesmo numa segunda leitura, do que está sendo afirmado.
Tais autores, acolhidos com demasiada facilidade em importantes publicações teológicas, sem que um trabalho redacional confira forma rigorosa e verificável de justificação às teses sustentadas em livros inutilmente volumosos, mostram-se muitas vezes, paradoxal e felizmente, habilidosos conferencistas, como se a oralidade lhes devolvesse o fôlego adequado para emitir sons não cacofônicos.
Essa dissociação reflete bem a esquizofrenia interna à ecclesia: um teólogo que fala apenas para si mesmo, um bispo que tolera esse hábito, os pastores que sussurram confidencialmente a sua insatisfação, o povo de Deus que interrompe a leitura (dos textos recomendados de cima) após os primeiros esforços em vão.
Um curso de formação teológica deveria tomar distância desse tipo de respostas, que não só penalizam a própria disciplina, mas não cumprem o dever de ajudar a comunidade a pensar a sua fé.
Tomemos novamente o caso da bioética. Sempre apreciei a atitude daqueles teólogos que quando questionados sobre as mais delicadas casuísticas procuram responder com lealdade e coragem. Você é contra a facilitação do “suicídio”? Sempre? Por quê? Você é a favor da barriga de aluguel “altruísta”. Sim, não, não sei, conte-me o caso: não há outras soluções.
É preciso, certamente, repensar a linguagem argumentativa, mas não podemos esperar pelos séculos futuros em que outra linguagem teológica será falada. O caso é sério agora! A bioética salvou a vida de uma filosofia metalinguística exasperada e está salvando aquela de uma teologia que se esforça em vão, evitando, por razões extracientíficas, tomar posição. Você é a favor da preservação dos gametas de casais jovens que têm intenção de procriar, mas um dos parceiros terá que se submeter a uma quimioterapia incapacitante?
Por que razões você acha que existem apenas dois sexos e como você os identifica e distingue? Questões semelhantes deveriam ser discutidas em fóruns científicos e de formação, mesmo quando têm impacto na política: é correto ou injusto que um católico, cuja pátria é invadida por um agressor injusto, que cometeu crimes de guerra, reivindique um suposto direito moral de não pegar em armas (por objeção de consciência), dizendo que se opõe sempre e em qualquer caso a lesar a vida alheia? E por quê?
O objetivo de uma introdução à teologia para clérigos, religiosos e leigos (já que todos têm uma necessidade urgente) não é transmitir um saber, mas ajudar a comunidade discente a aprofundar o seu ponto de vista, expressá-lo e defendê-lo nas instituições eclesiais e civis, pois nós, cristãos, devemos estar sempre prontos para responder e oferecer as razões da esperança que está em nós (1Pe 3,15).
Por exemplo, se um leitor encontra num pesado texto manualista a afirmação teológica de que a morte é uma “condição constitutiva do homem” e que, portanto, não é a “morte temporal” que “entrou no mundo” por causa da “inveja do diabo” (afirmação cuidadosamente, mas – em nossa opinião – erroneamente baseada nos textos de Gênese e Sabedoria), esse leitor, que milita (suponhamos) numa perspectiva “imortalista” tem o direito de responder (ao seu adversário “mortalista”) que Deus não criou a morte e fez o homem imortal.
O que se perdeu com o pecado foi (entre outras coisas) precisamente a impossibilidade de alimentar-se da árvore da vida, graças à qual o progenitor recebia força de subsistência. O Catecismo da Igreja Católica fala de uma natureza humana “enfraquecida” nas suas forças e submetida ao sofrimento e ao “poder da morte”, e não apenas de uma natureza que se tornou propensa ao pecado. O pensador imortalista antidualista recusa-se precisamente a separar os dois aspectos: o homem perde por causa do pecado tanto a virtude do espírito como a robustez corporal.
O que será escatologicamente redimido (vamos expor com alguma simplificação) é todo o corpo vivido, que "originalmente" desfrutava espontaneamente de uma condição saudável e feliz. Lutar para combater as patologias e superar a tendência desgastante que nos faz envelhecer e nos leva à morte não é a louca presunção de algum pecaminoso transumanismo, mas parte da função de "recriação" que Deus entrega todos os dias às mãos do homem.
Expondo essa tese em conferências e seminários, geralmente o auditório se dividia. Nada mais frutífero. Essa é precisamente a utilidade de uma teologia que ajuda a pensar sobre a própria fé. Alguém poderá ficar ofendido se eu definir “dolorista” quem pretende dar sentido a todo sofrimento (mesmo a dor excruciante do câncer) considerando-o como uma benéfica “prova” como foram os 40 anos passados no deserto pelo povo escolhido.
Eu julgo um fracasso no plano cristão, esse tipo de justificação do negativo. O mal é absurdo. Ponto. Deve ser combatido. Os teólogos e os irmãos na fé que me contestam têm perfeitamente o direito de me contestar, mas não o direito de ironizar, insultar ou contornar o problema com alguma fórmula críptica, humilhante ou zombeteira de autocomprazimento clerical.
A teologia é boa para todos, se bem-feita, sobretudo para os teólogos. Portanto, os cursos de atualização teológica deveriam ser dirigidos a todos, inclusive aos teólogos, conduzidos, como sugerimos, com espírito interdisciplinar, leigo e pluralista. De fato, não se pode prescindir da teologia, pois quem tenta ignorá-la – mesmo que seja um bispo santo, um reitor ativista, uma abadessa integérrima, um leigo oblativo – faz uma teologia ruim.
O sacerdote que grava num vídeo on-line seu próprio comentário sobre o lecionário festivo, deveria perceber que, por mais que ele se prepare sobre textos exegéticos respeitados, a sua maneira de interpretar e expor é influenciada por uma pré-compreensão teórica, de viés teológico talvez inconsciente, que influencia a performance midiática.
Infelizmente, às vezes acontece que doutos biblistas no plano histórico-crítico sejam perigosamente fracos naquele filosófico; da mesma forma, infelizmente, às vezes se promove um ideal de "discernimento" (outra palavra inflacionada), que se baseia num grande empenho empático, em vez de analisar os pressupostos teológicos (as noções de justiça cristã, as imagens de esperança evangélica, o tipo de fé do Deus de Jesus Cristo) das formas e dos conteúdos da escuta, da compreensão e da interpretação de histórias de discipulado.
Por conseguinte, recomenda-se infelizmente um paradigma de seguimento cristão operoso, mas superficial, incapaz de responder às perguntas do homem de hoje e cheio de nostalgia de um tempo antigo (que na realidade nunca existiu) em que o cristianismo parecia governar de uma forma única e triunfal a vida de povos e indivíduos.
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Formação teológica para quem? Artigo de Paolo M. Cattorini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU