05 Julho 2023
"A carreira do teólogo de Bressanone foi improvisamente interrompida por uma decisão unilateral tomada pela alta cúpula da instituição sem ao menos apresentar uma razão válida, sem sequer anexar um texto incriminado, uma passagem herética, uma declaração precipitada. A intenção é reafirmar a fonte da soberania e, ao mesmo tempo, humilhar quem sofreu tal medida, ainda por cima obrigando-o, assim como a seu bispo, a um silêncio obediente e resignado".
A opinião é do sociólogo italiano Marco Marzano, professor da Universidade de Bergamo, na Itália, publicado por Domani, 04-07-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
O caso Martin Lintner estourou na Igreja Católica. Ele é um sacerdote professor de teologia moral no Studio Teológico Acadêmico de Bressanone, uma instituição da qual deveria ter se tornado reitor por indicação do corpo docente e com a aprovação do bispo de Bolzano.
A nomeação foi cancelada por falta de autorização vaticana (necessária para qualquer ato desse tipo). De fato, o Dicastério para a cultura e a educação se opôs à atribuição desse cargo a Lintner devido aos conteúdos de suas publicações sobre questões de moral sexual. A decisão provocou a reação de alguns teólogos italianos que expressaram um veemente protesto contra Roma.
Quanto ao mérito, nada mais se sabe. O que Lintner, um teólogo que não é radical, ex-presidente da Sociedade Europeia de Teologia, disse ou escreveu para merecer uma sanção tão grave não é informado. Em casos como esse, a Igreja procede recorrendo ao antigo estile inquisitório de não divulgar as razões de suas decisões. Lintner foi rejeitado e ponto. Ele poderá continuar a ensinar, mas não será o chefe daquele importante centro de pesquisa.
O caso me sugere três considerações.
A primeira é a mais contingente e diz respeito à relação entre o Vaticano e a Alemanha. Bressanone está na Itália, mas Lintner é um teólogo de língua alemã e é justamente da Alemanha que vieram nos últimos anos os ataques mais decisivos à estrutura organizacional e política da Igreja Católica: sobre as mulheres, os homossexuais, a relação entre Roma e as periferias. Deste ponto de vista, a desfeita infligida a Lintner poderia representar uma punição exemplar, uma advertência ameaçadora dirigida a toda a Igreja alemã, que de fato reagiu com indignação expressando solidariedade imediata e unânime ao estudioso.
A segunda consideração diz respeito à motivação da sanção. Embora os detalhes permaneçam envoltos em mistério, entendeu-se que as culpas de Lintner dizem respeito à moral sexual e provavelmente à questão da bênção de casais homossexuais. Em suma, mais uma vez a hierarquia católica coloca o sexo no centro de uma intervenção de autoridade.
Não a falta de solidariedade para com os pobres, a ausência de espírito de caridade, a paixão pelo dinheiro, a indiferença pela paz, mas o sexo, o pivô sobre o qual todo o edifício eclesial continua, de pontífice em pontífice, a se alicerçar milagrosamente. A alma do catolicismo organizado e institucional apoia sobre isso e, em particular, sobre a estigmatização hipócrita da homossexualidade. Negá-lo significa negar a realidade.
A terceira consideração diz respeito ao status organizativo da Igreja Católica, ou seja, à sua forma de governo. Justamente em um momento em que muitos, dentro mas também fora da Igreja, celebram o advento de uma cultura sinodal orientada a favorecer decisões colegiadas e compartilhadas, a decisão sobre o caso Lintner nos lembra mais uma vez como a Igreja Católica funciona na prática.
A carreira do teólogo de Bressanone foi improvisamente interrompida por uma decisão unilateral tomada pela alta cúpula da instituição sem ao menos apresentar uma razão válida, sem sequer anexar um texto incriminado, uma passagem herética, uma declaração precipitada. A intenção é reafirmar a fonte da soberania e, ao mesmo tempo, humilhar quem sofreu tal medida, ainda por cima obrigando-o, assim como a seu bispo, a um silêncio obediente e resignado.
O efeito é também limitar a liberdade de pesquisa e intimidar outros eventuais transgressores do catecismo e da doutrina. O que aconteceu com Lintner poderia acontecer daqui para frente a qualquer um, a começar pelos coautores de muitas de suas obras, aqueles que escreveram com ele. Antes de falar livremente da moral sexual, os teólogos (pelo menos na Itália forçados à total dependência da instituição), certamente terão que pensar duas vezes.
Em conclusão, não podemos deixar de lembrar que sobre todo o caso paira o fantasma do pontífice. As perguntas levantadas por muitos da imprensa e pelos fiéis são sempre as mesmas: ele sabia ou foi mantido no escuro? Ele é cúmplice ou vítima? Essas são as mesmas perguntas que as massas sempre se fizeram na história quando eram exterminadas por algum emissário de seu monarca. Teria sido realmente o rei quem deu a ordem ou o nosso bom e sábio soberano foi enganado por algum pérfido cortesão?
A segunda possibilidade, aquela que prevê o engano pelos cortesãos, é fictícia, improvável e até vagamente ridícula. Se fosse autêntica, porém, deveria levar um reinante reduzido à total impotência a aceitar as consequências dessa situação e a renunciar o mais rápido possível. Antes que seja tarde demais.
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A igreja continua obcecada pela moral sexual. Rejeitado Lintner, teólogo liberal. Artigo de Marco Marzano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU