17 Novembro 2023
"É por isso e muito mais que para Gabriella Caramore a velhice é a última oportunidade, é o momento de arriscar, de ousar paisagens inexploradas, para se sentir vivos e de desejar tudo o que ainda é desejável e que nunca havia sido desejado. Em L’età grande, Riflessioni sulla vecchiaia (A idade grande, Reflexões sobre a velhice, em tradução livre, publicado pela Garzanti), Caramore oferece aos leitores um baú de sabedoria humana, de inteligência viva e animada, de questionamentos contundentes que não necessariamente imploram por respostas a qualquer custo, respostas que quando encontradas têm o sabor do transitório, do efêmero", escreve Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, membro da comunidade Casa Madia, em artigo publicado por La Stampa, 21-10-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
"A velhice se oferece ao homem como oportunidade extraordinária de viver não por dever, mas por graça", escreveu Karl Barth, dizendo que a velhice não é um apêndice inevitável de dias, mas plenamente vida. Embora toda discussão possível sobre a velhice seja, na verdade, uma discussão que deve diversificar-se em cada idoso, atentando para as situações particulares de saúde física e mental em que cada um se encontra, também é verdade que a velhice é vida viva, é uma fase especial de uma jornada existencial, não uma mera antecâmara da morte. Portanto, é antes de tudo um dom que pode ser vivido com gratidão e na gratuidade: somos mais sensíveis aos outros, à dimensão relacional, aos gestos de atenção e de amizade; também é a grande oportunidade para fazer a síntese de uma vida. Dizer “obrigado” pelo passado e “sim” ao futuro significa realizar uma operação espiritual realmente essencial, especialmente em vista do encontro com a morte: a integração da própria vida, a reconciliação com o passado.
É por isso e muito mais que para Gabriella Caramore a velhice é a última oportunidade, é o momento de arriscar, de ousar paisagens inexploradas, para se sentir vivos e de desejar tudo o que ainda é desejável e que nunca havia sido desejado. Em L’età grande, Riflessioni sulla vecchiaia (A idade grande, Reflexões sobre a velhice, em tradução livre, publicado pela Garzanti), Caramore oferece aos leitores um baú de sabedoria humana, de inteligência viva e animada, de questionamentos contundentes que não necessariamente imploram por respostas a qualquer custo, respostas que quando encontradas têm o sabor do transitório, do efêmero.
L’età grande, Riflessioni sulla vecchiaia, de Gabriella Caramore (Foto: Divulgação)
Gabriella Caramore é ensaísta, jornalista, conferencista renomada, conhecida principalmente pelo grande público como autora e apresentadora da transmissão de rádio de cultura religiosa da Rai3 Uomini e Profeti. Mas nesse último ensaio faz o que nos seus livros anteriores – dedicados a diferentes temas como a infância, a paciência, a palavra Deus - nunca havia feito tão explicitamente, provavelmente graças ao tema: convida o leitor a acessar a velhice do seu ponto de vista, de como ela a vivencia, a sente, a pensa e a saboreia. Sua conscientização é o caminho traçado para o leitor.
Tudo começou há cerca de vinte anos, quando o seu corpo, mas não ela, registrou: “Eu estava entrando em outra etapa da vida." É aqui que surge o grande interesse por esse tempo último para onde estava avançando, “um interesse que cresce não só em relação à pequena dimensão privada da minha existência. Mas também em relação à vida dos outros, ao seu embrenhar-se rumo ao grande silêncio – estranho, absoluto – de quem morre. E quem fica. Emudecido".
A velhice conduz à beira do muro do tempo e aí todas as fibras do nosso ser se rebelam, se surpreendem, perguntam, querem saber. A morte é uma evidente injustiça diante da qual surgem as perguntas últimas do sentido: por que viver se tudo acaba? Tudo acontece nessa única vida, vivida apenas uma vez? “São perguntas que ficarão sem resposta ou são as próprias perguntas que são mal formuladas?” questiona-se Caramore. Disso resulta a escrita, a colocação por escrito como forma de pensar, para falar consigo mesma e estabelecer um diálogo leve e discreto com o outro. Se para quem ultrapassa o limiar da velhice não são muito úteis doutas dissertações de caráter médico, sociológico ou teológico consagradas à finitude humana e à morte, "talvez ajude, porque abre pequenas brechas no horizonte que se tornou estreito, encontrar aquele breve pensamento compartilhado, reconhecer uma pequena experiência comum, que possam favorecer a construção de um novo mapa para se orientar naquele terreno desconhecido onde cada um percebe que está começando uma vida nova." Aqui está a mens, a alma do livro.
Existem dois pontos que resumem o pensamento de Gabriella Caramore sobre a velhice. O primeiro é a novidade, exatamente a velhice como “vida nova”. “Incipit vita nova”, confessa ser a sensação precisa que vive. Certamente não “novidade” sinônimo de felicidade e beleza (na realidade há também muita dor, angústia, sofrimento), mas “novidade” entendida como transformação, quase transfiguração: “Acho que se possa dizer que na idade senil realmente toma-se pela primeira vez consciência de que o estar no mundo caminha para uma metamorfose drástica”.
O segundo ponto é a ressignificação de toda a vida vivida, e é por isso que a autora gosta de chamá-la “a idade grande”. Por que grande? Porque tem que suportar uma carga de provas que não tem igual nas demais idades da vida, mas sobretudo grande porque “é a mais capaz de ter consciência de si”. Se as outras etapas desaparecem como um sonho, transmigrando uma na outra, muitas vezes sem que possamos nos dar conta, "a velhice é, ao contrário, a época que realmente - se houver lucidez - pode pensar em si mesma, ou seja, em toda a vida.” É isso, a velhice como a época única que pode pensar em si mesma. “O que a juventude encontrou e precisa encontrar fora, o homem no entardecer da vida tem que encontrar dentro de si”, afirmou Carl Gustav Jung.
O que Gabriella Caramore nos entrega é quase um diário da velhice. Certamente é um livro íntimo, de uma intimidade não impúdica e mórbida, mas delicada e radiosa.
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A velhice abre brechas de uma nova vida no horizonte que se tornou estreito. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU