30 Junho 2020
"A velhice pode ser uma idade mais livre do que outras e permitir reorganizar criativamente o tempo e os espaços, as atividades (viagens, compromissos sociais, leituras ...): é preciso ousar planejar e definir metas a serem alcançadas, descobrir que fraqueza, frugalidade, lentidão, podem ser valores. A velhice, então, mais do que um fim, torna-se uma realização", escreve Marcello Farina em artigo publicado por Trentino, 27-06-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Um grande poeta turco, Nazin Hikmet (1902-1963), um homem de vida aventureira e dramática, nos deixou um esplêndido poema dedicado "à vida ", muito famoso que pode introduzir adequadamente essa pequena pesquisa sobre o "valor da pessoa idosa". Ele escreve:
Viver não é brincadeira.
Viverás com uma grande seriedade, como um esquilo, por exemplo,
Digo, sem esperar nada além e acima da vida,
Digo, viver será todo o teu trabalho (...)
É dizer, deves levar a vida tão a sério, que aos setenta anos, por exemplo, plantarás oliveiras, mesmo que não sejam para as crianças, ou porque embora temendo não acredites na morte, mas porque viver pesará mais
(trad. Leonardo da Fonseca)
Não é fácil aceitar este “viver pesará mais", como nos convida a poesia. Mitos, arquétipos, preconceitos: as discussões sobre a velhice inflamam os ânimos, porque o exército de idosos está se tornando cada vez mais numeroso e poderia, de certa forma, representar também uma ameaça sob o perfil político, além de um ônus do ponto de vista econômico.
Há quem defenda que a principal patologia da velhice é a ideia que temos dela: não podemos discordar, mesmo que seja uma provocação. Todos sabemos, de fato, que problemas acarreta o envelhecimento: a memória desaparece, as pernas tremem, a visão some de vez, sem mencionar a audição cada vez mais fraca. Em face dessas restrições indiscutíveis, que comportam ritmos cada vez mais lentos e sempre diferentes ao enfrentar a vida e seus aborrecimentos cotidianos, não pode ser justificada por nossos pares mais jovens a atitude de desvalorização, sarcasmo e desinteresse, e, muito menos, aquele modo irritantemente protetor que no fim das contas nos obriga a acentuar nossas fraquezas. As placas de arteriosclerose - já foi dito - são devastadoras; mas aquelas da tendência a uma ideia distorcida e estereotipada da velhice (e dos prejuízos que ela acarreta) também o são.
Por um lado, como acabamos de dizer acima, a velhice é descrita como a idade do ocaso, o fim de toda ideia de projeto, portanto o tempo de declínio, que destrói e devora o que resta da existência dia após dia. Para muitos idosos, o objetivo final da existência seria o controle médico. Dizem que conhecem tudo sobre os postos de saúde, os tubos de ensaio, os exames, conhecem os truques para serem atendidos antes dos outros por aqueles que os auscultarão, por aqueles que no final pronunciarão o temido veredito.
Por outro lado, a velhice deveria ser escondida, negada. Em um mundo feito de velocidade, de vitalidade borbulhante de proveito imediato, de protagonismo exasperado, é preciso permanecer jovem a qualquer custo, nunca se tornar velhos, mas sênior, idoso. Ficamos felizes em ouvir dizer: "você carrega bem a sua idade!", vítimas, por assim dizer, daquela "cultura" que considera sentir-se bem e juventude sinônimo e, portanto, o único período invejável da existência (*) É como se estivéssemos num fogo cruzado: por um lado, envelhecer é acompanhado por uma espécie de grito de angústia ao "salve-se quem puder" e, pelo outro, artisticamente enfeitado, para entender, entre hipocrisia e superficialidade, os sinais que poderiam mostrar o avanço da idade na cabeça e na alma. Uma espécie de rendição incondicional, por um lado, à realidade do tempo que passa, exasperando seus traços de "decadência" e uma resistência obstinada a ela, pelo outro, através do sonho o retorno a uma perene juventude.
A velhice - vale lembrar - está se tornando para muitas mulheres e muitos homens, o tempo mais longo do ser humano, pelo menos no Ocidente. Assim como vale a pena considerar que a imagem social do idoso mudou muito nas últimas décadas. Surgem novas necessidades, ligadas à autorrealização e à estima de si: curiosidade pelo mundo do saber, do conhecer, do comunicar, do estar juntos. Comparado às gerações anteriores, talvez haja menos solidariedade, menos senso de pertencimento, às vezes haja mais solidão, mas também há mais possibilidade de escolher, de seguir a evolução dos próprios interesses, de continuar a crescer, de evoluir intelectualmente e humanamente também na idade avançada. A rede de referências é mais rica em estímulos e possibilidades e o idoso não mais se sintoniza apenas com o tempo passado, mas desenvolve suas potencialidades, que vai descobrindo se tornarem cada vez mais ricas, no tempo presente, vivendo plenamente também essa estação de sua existência. A passagem em ato, à qual se deve prestar muita atenção, reside no fato de que essas "necessidades" de "supérfluas", por assim dizer, se tornaram "necessárias", vitais, indispensáveis à qualidade da própria vida. A existência se torna mais significativa. Talvez seja o que Thomas Eliot, escritor e ganhador do Prêmio Nobel de Literatura em 1948, afirmava que "os idosos deveriam ser exploradores", dando a entender que sua existência, não é mais dominada pelos mecanismos da competição e do sucesso, tem a oportunidade de desenvolver uma sensibilidade mais aguda por todos os aspectos qualitativos e relacionais da vida, de modo a ser uma medida eficaz com a qual avaliar a qualidade da convivência civil.
Por sua vez, a grande cientista Rita Levi Montalcini enfatizava que "tudo é possível para os idosos": desempenhar funções de grande prestígio, entre as quais a de Pontífice, que é um ‘construtor de pontes’".
Também o jesuíta e o paleontólogo Teilhard de Chardin dizia que o envelhecimento nos permite, consciente e lucidamente, "conhecer" nossos declínios, abruptos ou graduais, e as "diminuições" das quais a velhice não consegue escapar, sem que isso seja motivo de desânimo e tristeza. E o monge camaldolês Dom Benedetto Calati costumava dizer: "São os idosos que devem planejar o futuro!"
E o testemunho de Rita Gay, escritora de Bergamo, é belíssimo: "Eu amo meu corpo velho, como nunca amei meu corpo jovem". “Eu nunca teria pensado - ela confidencia - que eu poderia descobrir só tão tarde que tenho um corpo vivo, sensível, normal e femininamente sexuado. Talvez justamente a velhice e seu breve horizonte vital tenham feito mudar radicalmente algo em mim: eu estava abandonando o reino do yang (**) que havia protegido tenazmente toda a minha vida? Porque, como Christiane Singer fala muito apropriadamente, a velhice pertence ao reino do yin, da disponibilidade à abertura, do acolhimento, do vazio, da rendição ... E tudo isso não significa paz de espírito, mas, aliás, uma extrema necessidade da verdadeira vitalidade, da criatividade, da descoberta, do aprendizado, da capacidade de colocar em ação as próprias energias mais profundas. Nesse sentido, os idosos, e especialmente as mulheres, têm uma grande capacidade de usar o corpo para encontrar uma nova maneira de sentir, de dar e de receber. Esse reflorescimento da corporalidade, da feminilidade, do erotismo também pode abrir espaço através da mediação de eventos que nos pegam de surpresa, como milagres"(***).
A velhice é vida: aprender a envelhecer é aprender a viver. Karl Gustav Jung destacou a velhice como um momento propício para a interiorização e o teólogo Karl Barth escreveu que essa fase da vida oferece ao homem a possibilidade de viver pela graça, não pelo dever. Na velhice simplesmente somos. Nisso, a velhice é uma idade de verdades: não o que fazemos nos define, mas o que somos. Além disso, o homem é plenamente homem, mesmo na velhice: acostumado a lê-la sob o signo do menos e do fim, esquecemos que o idoso é aquele que viveu mais do que outros e, de qualquer forma, que precisamente na fragilidade da velhice se faz mais forte o imperativo de proteger e cuidar o humano que está em nós e nos outros, que nos hospeda e aos outros. É um humano, em nós e nos outros, do qual não somos donos, mas hóspedes. As tarefas espirituais, relacionadas ao sentido da vida e à humanização da existência, são múltiplas na velhice: - enfrentamento de crises e mudanças ligadas à fragilidade da existência (doença, perda de entes queridos); - redesenho dos equilíbrios da vida de casal com a reorganização dos espaços e das tarefas domésticas; - enfrentamento de medos e terrores: medo da própria aniquilação, da dor, da dependência, de ter que ser um peso sobre os entes queridos.
E, no entanto, a velhice pode ser uma idade mais livre do que outras e permitir reorganizar criativamente o tempo e os espaços, as atividades (viagens, compromissos sociais, leituras ...): é preciso ousar planejar e definir metas a serem alcançadas, descobrir que fraqueza, frugalidade, lentidão, podem ser valores. A velhice, então, mais do que um fim, torna-se uma realização.
Cuidar, como demonstrou Martin Heidegger, um dos grandes filósofos do século XX, é próprio da condição humana em relação ao mundo, é uma disposição muito mais ampla do que a exigida pela doença. Cuidar ("sorgen" - die Sorge) é um caráter geral de estar na vida, o sinal de uma queda da qual se levantar ou de uma fratura que exige sua reparação, o sinal de uma unidade a ser protegida, que deseja se reconstituir. A relação de cuidado passa a ser a expressão cultural de uma disposição natural. É aquele ato que Luigi Pintor em "Servabo", um livro de alguns anos atrás, descrevia de maneira inigualável: "Em uma vida inteira não há nada mais importante a fazer do que se abaixar para que o outro, abraçando-se em seu pescoço, possa de levantar" (L. Pintor, "Servabo", Bollati-Boringhieri, 1991, p. 85). Em relação aos "idosos" (da velhice), a relação de cuidado deve levar em conta, em minha opinião, duas dimensões existenciais: trata-se de "cuidar" (a) vida e (a) liberdade daquelas pessoas. Essa passagem não é óbvia, inclusive pelo que se dizia acima: não se trata de cuidar de "ruínas", "escombros", "descartes", "monumentos aos caídos", "seres senis", mas pessoas vivas, pensantes, amantes da vida, capazes de relacionamentos profundos ...; não se trata ainda mais de cuidar dependentes, irresponsáveis, autômatos, mas pessoas livres, capazes de escolher, desejar, planejar (evidentemente dentro dos limites de suas condições físicas e psíquicas). É óbvio, portanto, afirmar que a vida humana deve ser escrupulosamente respeitada e defendida sob quaisquer circunstância e idade. (E, a propósito, quero lembrar que as declarações oficiais, nesse âmbito, em nível mundial, propõem o direito à saúde e, ao mesmo tempo, em alguns Estados, é inserida a limitação do atendimento sanitário precisamente para os idosos - na Grã-Bretanha, na Suécia etc. Na Itália, talvez, esse debate seria impensável, mesmo que depois as escolhas no âmbito sanitário acabem ocorrendo de maneira pouco transparente!)
Voltando ao tema da humanização do cuidado, onde se fala de necessidade e ajuda, compaixão e competência ou a falta delas. Pode haver uma compaixão incompetente ou uma competência sem compaixão. Não é possível separar esses polos e, aliás, a variedade de suas interações é igual às infinitas possibilidades que os seres humanos têm para recusá-las. O cuidado requer compaixão e competência e gera compaixão e competência. E isso pede e gera não apenas nos indivíduos, mas também nas comunidades. Ele configura papéis, mas também os quebra, porque o cuidado gera compaixão e competência não apenas naqueles que o dão, mas também naqueles que o recebem, e é dessa troca sutil que a medicina nasceu, ou não? Certamente, o pressuposto dessa troca é que não há onipotência, explícita ou implícita, em quem cuida, nem inconsciência ou passividade total em quem é cuidado. Ninguém tem o monopólio do ser humano, não existe uma definição abstrata dele; surge na confluência dos saberes (a competência) e das ações (a compaixão), cada vez elusivo e concreto. Para isso (para o que é humano) cada um contribui ou cada um o diminui, não apenas pela maneira como gerencia a relação de cuidado, mas também pelo que é ou acredita ser. Para concluir, considero linda a imagem oferecida por Erri De Luca, para indicar o profundo sentido de um cuidado que seja humano: para ele "é necessário tirar as luvas de borracha das mãos modernas e convidá-las a tocar também as feridas".
(*) Permitam-me insinuar que também no mundo católico, nos últimos anos, o Papa João Paulo II insistiu na imagem do papa "jovem", sempre em forma, forte, disposto e em uma Igreja aberta aos jovens com os grandes eventos das "Jornadas da Juventude".
(**) Yin e yang são opostos: tudo tem seu oposto, não absoluto, mas em termos comparativos. Nada pode ser completamente yin ou completamente yang; contém a semente para o seu oposto.
(***) Rita Gay, "Vecchiaia e corporeità: una iniziazione", in Servitium, n. 170, março-abril 2007, p. 127. Valeria a pena aprofundar o tema da sexualidade no período da velhice.
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O valor da velhice e a humanização dos cuidados - Instituto Humanitas Unisinos - IHU