01 Setembro 2023
O semanário Der Spiegel em julho de 2019 a definiu como “Capitã Europa”, quando pela primeira vez desobedeceu às ordens da Autoridade Portuária de Lampedusa que lhe negou a permissão para atracar o seu navio, o Sea Watch. Com seu gesto, a Comandante Carola Rackete salvou 53 migrantes e a consciência da Europa. Por suas ações ela foi presa, julgada e absolvida. Enquanto o ministro Matteo Salvini não respondeu em tribunal às acusações de difamação por chamá-la de “delinquente”, “sbruffoncella” e “fora da lei”. Depois do caso italiano, ela voltou a fazer o que sempre fez, “cuidar de campanhas de proteção do meio ambiente”, pois é especialista em gestão ambiental, “e na defesa dos direitos humanos”. E no próximo ano será candidata pela Linke alemã ao Parlamento Europeu.
A entrevista é de Uski Audino, publicada por La Stampa, 31-08-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Quatro anos se passaram desde seu desembarque em Lampedusa. As condições na Itália pioraram ou melhoraram?
Em geral pioraram, mas por outro lado vimos que não houve nenhum grande problema em dar proteção a milhões de refugiados ucranianos. Eles podem trabalhar, as crianças podem frequentar a escola e tudo muito rápido. Enquanto as famílias sírias em fuga das mesmas bombas russas ainda estão paradas em Lesbos.
Carola Rackete, capitã de Sea-Watch 3. (Foto: Stefan Müller | Flickr cc)
O que deveria fazer uma política europeia para os migrantes?
“Não sou especialista em política de migrantes. Trabalhei na emergência e o faria de novo. Mas não é uma de minhas competências e não tenho propostas concretas a respeito. É evidente que, no mínimo, devemos respeitar os direitos humanos. Não se deve esquecer que essas convenções nasceram dos horrores da Segunda Guerra Mundial e do nazi-fascismo. E agora estamos indo novamente em direção a uma situação em que os partidos de direita se consolidam, e não apenas na Itália. Este é o momento de tomar consciência de que na Europa é necessária uma aliança antifascista, uma linha vermelha que evite aos conservadores e à extrema-direita colaborar, porque a história nos ensina onde isso termina”.
O que lhe preocupa?
Estamos vendo a ascensão da direita em todos os lugares. Há uma luta massiva contra os direitos das mulheres e a igualdade, contra os direitos da comunidade LGBTQI, e também de algo que ainda nuca havia sido visto: na Itália os filhos de casais do mesmo sexo não podem mais ser registados, por exemplo.
Mas isso é apenas o começo. Há também pressões para limitar o direito ao aborto. O ponto é que grupos sociais que foram oprimidos durante muito tempo, das mulheres às pessoas de cor, nas últimas décadas têm mais direitos e isso leva a um claro contragolpe da direita. As pessoas que sempre tiveram direitos e os consideravam garantidos, ou seja, principalmente, homens brancos, como Salvini, veem o seu poder e a sua soberania interpretativa postos em discussão.
É por isso que é importante que a direita e os conservadores juntos não tenham uma maioria no Parlamento UE.
O governo Meloni anunciou um férreo controle sobre os migrantes, mas os desembarques não param. O que você acha da atual política italiana sobre isso?
Acho escandaloso que a UE tenha negociado com a Tunísia. Acabamos de ver o que fazem as forças de segurança tunisinas aos migrantes no deserto e como os abandonam por lá. Toda a União Europeia está envolvida nisso, e não devemos acreditar quando um governo Meloni tenta apresentar-se como moderado em Bruxelas, porque é bastante claro que fala de forma diferente na Itália e em Bruxelas.
Os outros países não deveriam cair nessa. Este é um governo de extrema direita e todos devem estar cientes disso. Não pode haver cooperação com Meloni em nenhum nível na UE. Nós sabemos que no seu partido há pessoas que circulam com símbolos nazistas.
Você participou do movimento ambientalista europeu. Por que está se candidatando com a esquerda da Linke e não com os Verdes?
Estudando ecologia, é clara para mim a necessidade de promover e criar outras formas econômicas mais equitativas, juntamente com uma redistribuição mais justa. Todos entendemos nestes últimos anos que o crescimento econômico não conduz por si só a uma distribuição mais justa. Precisamos de uma solução para a crise climática que enfrente as suas causas. E para mim as causas residem num desequilíbrio de poder entre as pessoas que podem votar e as multinacionais, que podem exercer a sua influência por meio dos lobbies. Estou me candidatando com a Linke porque é o único partido que não aceita doações de grandes grupos econômicos.
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“A situação piorou para aqueles que fogem, a Europa não pode tratar com a Tunísia”. Entrevista com Carola Rackete - Instituto Humanitas Unisinos - IHU