25 Agosto 2023
“A população evangélica é acionada com base na pauta moral. Mas, se há a tentativa de estabelecer nesse grupo uma base eleitoral, o quanto a recíproca é verdadeira? Os grupos vão calibrando a bússola para ver quem se encaixa mais nas ideias que eles defendem. Os membros de partidos e pessoas em vários postos da política acionam os fiéis para se elegerem, para criar uma base e também para manter privilégios”, afirma a professora Nina Rosas, do Departamento de Sociologia da Fafich, nesta entrevista ao Portal UFMG.
Ela resgata parte da história da relação das religiões com a política, motivações dos líderes e das comunidades evangélicas – que já somam quase um terço da população brasileira –, a atuação das mulheres nesse ambiente e diversos outros temas.
Mestre e doutora em Sociologia, com estágio de doutorado no Center for Religion and Civic Culture, em Los Angeles (EUA), Nina Rosas é autora dos livros Mulher, pra que religião? Uma crítica aos conselhos conservadores da pastora Ana Paula Valadão (KDP, 2020) e As obras sociais da Igreja Universal: uma análise sociológica (Fino Traço, 2014). Suas pesquisas abrangem religião evangélica, gênero, feminismo, saúde e política.
A entrevista é de Itamar Rigueira Jr., publicada no sítio da UFMG, 18-08-2023.
Por que é importante conhecer os evangélicos quando se fala de política?
Bom, é importante entender os evangélicos para tudo. Vamos recuperar parte da história recente dessa religião no país. Na década de 1970, surgiu um grupo que provocou um boom no crescimento da vertente religiosa não católica no Brasil. Mas há muitas outras formas de ser evangélico.
Quando a gente usa esse termo, deve sempre lembrar que se trata de um grupo super-heterogêneo, que vai de Silas Malafaia ao pastor Henrique Vieira, que é deputado federal. Água e vinho dentro de um mesmo pacote, por isso é sempre um desafio. O espectro é gigantesco, inclusive ideológico. Isso tem de vir à frente de qualquer explicação. É preciso ter sempre em mente essa heterogeneidade, para não fazer interpretações que fogem à realidade.
Isso serve também para evitar os preconceitos, as visões planas...
Justamente. Há uma série de estereótipos em torno desses grupos. Voltando um pouco na história, é preciso pensar que evangélicos incluem os protestantes, que chegaram ao Brasil no período de imigração, no século 19. Mais tarde chegaram os pentecostais – e também há grande variedade no pentecostalismo: desde os que começaram em 1910, como a Assembleia de Deus, que ainda é a maior denominação evangélica do Brasil, até igrejas como a Universal do Reino de Deus, que permanece uma forte referência do que se denomina neopentecostalismo. Todos esses grupos são evangélicos.
Pensando na dimensão da política, é bom lembrar que a gente nunca teve no país um movimento anticlerical, mesmo com a separação de Estado e religião, com a Proclamação da República. Isso importa para entender por que a religiosidade brasileira está na política. Ela esteve sempre presente; a ideia de religião e política como coisas absolutamente separadas nunca existiu no Brasil. A gente não tem movimentos como na França, bastante radicais, anticlericais, até porque aquele é o berço do Iluminismo.
Nossa Constituição de 1934 garantiu para a igreja Católica um posto de privilégio de que outras religiões não desfrutavam. Ela ofereceu assistência às Forças Armadas, implementou o ensino religioso nas escolas públicas. E a gente está falando do início do século 20, quando há uma perseguição estruturada.
O Código Penal, do final do século 19, criminalizou as religiões mediúnicas, perseguiu práticas mágicas e de curandeirismo, sobretudo o espiritismo e as religiões afro-brasileiras. Então, o Estado, apesar da instituição da República e da separação legal da Igreja, não foi laico assim como em outros modelos.
Tudo isso cria as bases da proximidade da cidadania com alguns movimentos religiosos. Muitas vezes a igreja católica é o espaço de consolidação da cidadania para indivíduos periféricos. Práticas de assistência implementadas pelo governo muitas vezes acontecem dentro das igrejas, ultrapassando as fronteiras dos Cras [Centros de Referência em Assistência Social], por exemplo. Exames médicos e programas para as pessoas em situação de vulnerabilidade têm a participação de religiosos. E, mais recentemente, grande participação de evangélicos. E isso nunca foi uma questão.
Não houve problema ou conflito causados pela presença de agentes religiosos cristãos nos espaços do Estado e da consolidação da cidadania de muitos indivíduos no Brasil. As igrejas sempre estiveram presentes. Algumas expressões de fé, no entanto, foram muito perseguidas e tentaram se ajustar. No início do século 20, o espiritismo, que era acusado de exercício ilegal da medicina, tentou enquadrar suas práticas como assistência social. Até hoje é assim, e isso tem uma razão de ser, histórica, vinculada à perseguição religiosa.
Como se deu a entrada das religiões na política? Os evangélicos vieram com muito mais força e muito mais nomes, não?
Com o processo de redemocratização, houve uma corrida das igrejas, tanto da católica quanto das evangélicas, para a escolha de representação nas eleições de 1989 e 1990. Os evangélicos entraram na política justamente para tentar evitar a perda de benefícios de ordem fiscal, tributária, institucional.
A literatura sociológica diz que a chegada dos evangélicos à política foi marcada por dois modelos. [O sociólogo inglês naturalizado brasileiro] Paul Freston, um dos que mais pesquisaram a relação de evangélicos com a política, constatou que alguns indivíduos seguiam carreira solo, o que ele chama de modelo autoimpulsionado. Uma base os elegia, e eles nem sempre retornavam para atender às demandas.
No modelo institucional, as igrejas evangélicas definiam uma ou mais candidaturas, e toda a denominação passava a apoiar aquele candidato. É o modelo, por exemplo, da Igreja Universal e da Evangelho Quadrangular.
Os interesses extrapolam os de natureza religiosa, não é? Os grupos têm interesses econômicos fortíssimos, relacionados à mídia, canais de televisão, por exemplo. E há também objetivos muito particulares dos líderes.
Esse aspecto é superimportante. As licenças para as emissoras e a presença dos religiosos nas mídias cresceram muito. A participação diversa no espaço público visava sedimentar o lugar dos evangélicos. Ao mesmo tempo que ocupavam a política, iam também se aventurando em meios de comunicação e outras formas de produção de cultura. E o letramento, a habilidade para transitar nesses espaços vai acontecendo na marra.
A política, por exemplo, eles aprendem fazendo, entendendo o que é uma candidatura, uma legislatura, como uma lei é aprovada, o que é uma emenda parlamentar. Antes, a comunidade evangélica era politicamente muito apática. E os representantes políticos, muitos também representantes das comunidades de fé, começaram a se instrumentalizar. Aí, houve algumas inflexões na agenda dos evangélicos. Chamo a atenção para o combate aos direitos da comunidade LGBT+, que ficou mais forte.
Pode-se dizer que o forte conservadorismo também ajuda a fortalecer as comunidades religiosas, na medida em que elas constroem causas para defender?
Há pontos de conformidade entre o que acontece na vida política e o que acontece dentro das igrejas evangélicas. O que eu venho observando é que existe esse conservadorismo, mas ele não é exclusivo dessas igrejas. Outra pesquisa do Paul Freston mostrou o quanto os valores religiosos são similares a posturas da sociedade brasileira. Um estudo do Iser [Instituto de Estudos da Religião] publicado na década de 1990 já mostrava o quanto os brasileiros são conservadores.
Nós, acadêmicos, tendemos a pensar que só os evangélicos são conservadores, enquanto toda a sociedade é progressista. Isso não existe. Há também, por exemplo, o catolicismo conservador, que tem sido bastante proeminente na política, além de conservadorismo até entre indivíduos sem religião.
Assim como existem os evangélicos progressistas...
Sim. Eles não necessariamente se autodenominam assim, mas formam um grupo bem posicionado à esquerda no espectro ideológico. Vários deles defendem as pautas LGBTQIA+, celebram casamentos homoafetivos e até recebem essas pessoas como líderes em suas comunidades de fé. Alguns são favoráveis à não monogamia e ao aborto, visto como questão de saúde pública.
No geral, essas pessoas têm uma politização muito próxima da política institucionalizada. Mas a gente não pode achar que pessoas da periferia ou as que frequentam igrejas pentecostais como a Deus é Amor, a Universal, a Assembleia de Deus são pouco ou nada politizadas. Muitas vezes, elas seguem por outras vias que não a da política institucional.
Gosto de chamar atenção para isso, porque muitos sociólogos e cientistas políticos infelizmente entendem que só uma pessoa que sabe como funciona a política institucional é politizada. É uma visão preconceituosa. Essas pessoas devem ser entendidas como sujeitos reflexivos, epistemológicos, que fazem escolhas com base num cálculo que é próprio da racionalidade que eles carregam, que pode ser diferente da minha ou da de um colega meu. Gosto de pensar que os evangélicos, assim como os católicos, têm as suas variações.
Por exemplo, sobretudo na década de 1970, o próprio catolicismo foi sacudido pela Teologia da Libertação e as comunidades eclesiais de base, que formavam pessoas periféricas, pobres, com base na ideia de emancipação contra condições sociais de opressão. Então, tanto entre os evangélicos quanto entre os católicos, há alas mais progressistas, ainda que não sejam a maioria.
A característica principal é ainda o conservadorismo. Eles se posicionam contrariamente a práticas como o aborto, à ampliação dos direitos das populações LGBT+ e à educação sexual nas escolas, porque entendem que isso pode afetar os seus direitos individuais, a criação dos filhos e ameaçar a liberdade religiosa.
É aí que entra a questão da família, tão presente em slogans do bolsonarismo?
Por que o Bolsonaro ganhou as eleições em 2018? São vários fatores, a Lava Jato, o antipetismo, tudo que envolveu o impeachment da Dilma [Rousseff, ex-presidente]. Mas eu nem precisaria entrar na política para explicar a dimensão da família, fundamental para essa população conservadora e muitas vezes periférica que o Jair Bolsonaro soube mobilizar muito bem.
Então, essas pessoas – e vários sociólogos e antropólogos da religião estão batendo nessa tecla, não é nenhuma novidade – querem garantir a proteção de seu núcleo familiar. O político que chega com propostas de reforço dessa unidade familiar é muito mais ouvido que outros que fazem promessas sobre aposentadoria, tributação etc.
Para manter seu poder, alguns líderes de denominações defendem valores em que possivelmente não acreditam e que muitas vezes não praticam. Há alguma resistência de grupos evangélicos a esses líderes, que são acusados de fraudes e enriquecem absurdamente?
Há formas diferentes de pensar sobre essa questão. Isso não passa despercebido a uma parcela dos evangélicos. Vários pesquisadores da sociologia e da antropologia da religião já escreveram sobre esse tipo de liderança religiosa. E há algumas vozes no meio evangélico, como o reverendo Caio Fábio, que já fazem essa denúncia da utilização da fé por algumas agremiações. Mas existem também resistências.
Vamos lembrar o caso de Edir Macedo, que foi alvo de uma série de acusações e chegou a ser preso. Não sei se esse tipo de coisa passaria hoje, porque os grupos vão criando uma maturidade. Edir Macedo é a figura mais importante da Igreja Universal, mas o que sustenta a igreja não é ele, que não está presente em todas as comunidades que integram essa denominação.
A maior parte da comunidade pentecostal no Brasil é composta de mulheres pobres e pretas. Elas limpam a igreja, recolhem o dízimo, pregam e oram por cura, e isso é muito mais a cara das igrejas no Brasil do que as grandes figuras. Elas continuam importantes, inclusive porque conseguem mobilizar uma quantidade de dinheiro muito grande, mas há também circuitos adjacentes.
A Universal vem perdendo fiéis, e os atos da liderança religiosa nas últimas duas décadas não são ignorados pelas agremiações locais. Em 2018, grande número de mulheres pobres e periféricas do campo do pentecostalismo votou em Jair Bolsonaro, e muitas delas mudaram de opinião, segundo dados do Iser. Não é o único grupo que deixou de apoiar Bolsonaro, e tampouco o mais importante. Mas o fato é que ele não teve votos suficientes para se eleger em 2022.
Muitas dessas mulheres e uma boa parte do meio evangélico repensaram o voto, a despeito do conservadorismo. Em pesquisas, as mulheres dizem que viam nele a promessa de valorização da família, o que é caro para elas. E o que mudou? A gente não teve vacina tão rápido, muitas pessoas ficaram sem oxigênio, tudo isso contou, ainda que muitos no meio evangélico não necessariamente atribuam a Bolsonaro o grande fracasso do Brasil na pandemia. Mas ele não correspondeu às expectativas dessa população, e isso mudou o voto.
Algumas causas defendidas no meio evangélico parecem contraditórias. É possível falar numa agenda moral seletiva?
É preciso pensar um pouco mais sobre como funcionaria essa seletividade. Na política, há momentos muito diferentes. Um deles é o da consolidação do voto. A antropóloga Patrícia Birman diz que o voto é estabelecido pela hierarquia das urgências. Então, por exemplo, se o que é mais urgente é proteger a família, mesmo que um candidato defenda muitas coisas de que a pessoa não gosta, ela vota nele.
Outro momento é o da política no executivo, no legislativo. Boa parte dos evangélicos não consegue acompanhar, ao longo do tempo, a atuação dos representantes que elegem. Talvez os grandes escândalos, sim. Mas qual é o grau de envolvimento dessas pessoas que votam com as questões relevantes que influenciam a vida política da sociedade brasileira? Talvez pouco, como ocorre com uma grande parte da população. Não tem nenhum demérito nisso, provavelmente o que é valor para elas não está na política institucionalizada.
Outro ponto ajuda a pensar sobre o que você chamou de agenda moral seletiva. As pessoas podem ser contrárias ao neoliberalismo e, ainda assim, superconservadoras em alguns aspectos. Muitos evangélicos são beneficiários de programas sociais, mas moralmente conservadores. Pode parecer incongruência, mas não é, porque eles dependem desses serviços do governo e, ao mesmo tempo, têm opiniões sobre questões que afetam a sua moralidade.
É o que eu já chamei, ecoando outras autoras, de paradoxo pentecostal. A religião evangélica tem grande capacidade de absorver seletivamente alguns ideários, como o feminista, de selecionar aquilo que é compatível com os valores que ela preza, rejeitando uma série de outras perspectivas que supostamente fariam parte do mesmo pacote.
Você tem estudado muito as mulheres evangélicas. Como elas são afetadas pela prática religiosa?
A literatura mostra como, ao mesmo tempo que continua sendo assimétrica a distribuição de poderes, sobretudo na administração das agremiações religiosas, essas mesmas instituições e esses mesmos repertórios de crenças e valores autonomizam as mulheres e aproximam os homens do ambiente da casa; muitas vezes eles param de beber, de fumar, de procurar outras mulheres. Eles não vão dividir melhor as tarefas com as esposas, mas vão ter uma escuta mais assertiva, uma ética mais apurada quanto ao comprometimento com a família.
A mulher assume uma importância fundamental como autoridade moral do lar. Elas são ensinadas nas igrejas que santificam suas casas. A religião confere a elas mais independência nas relações familiares. Mas a mesma religião que fala sobre a potência da mulher no mercado de trabalho, equiparação salarial e planejamento familiar é absolutamente contrária ao aborto, mesmo em casos de violência, previstos por lei.
Então, não estamos falando de mulheres que queimam sutiãs ou abdicam da submissão, mas de mulheres que se autonomizam em suas relações conjugais e, muitas vezes, conseguem determinar a educação religiosa dos filhos, fazer coisas que antes não fariam.
A submissão se limita a alguns aspectos...
Sim, no compromisso da mulher com o casamento, com a fidelidade conjugal. Mas um efeito perverso é que muitas vezes a mulher se responsabiliza pelo ambiente doméstico, pela educação dos filhos, pela limpeza da casa e também pelas funções na comunidade religiosa. É uma tripla jornada de trabalho: fora de casa, dentro de casa e na igreja.
Mas, ainda assim, ela ganha uma potência de autodeterminação, entende que pode orar pelas pessoas, que é importante como líder de uma comunidade religiosa. Isso dá à mulher uma autonomia que ela não tinha no casamento. Ela não precisa abdicar da submissão, em certo sentido, como muitas vezes o feminismo defende, para estar nesse lugar. De novo, é o paradoxo do pentecostalismo.
É muito significativo o número de mulheres evangélicas casadas que frequentam os templos sozinhas, sem o marido? A gente pensa sempre na família, no casal com os filhos presentes nos cultos.
Acho que sim. Observei cultos e congressos vinculados à Igreja da Lagoinha, e alguns eventos reuniam um número incrível de pessoas, presencialmente, sem contar a transmissão por TV e streaming. Os eventos aconteciam aqui em Belo Horizonte agregando 6 mil mulheres, e ficava muita gente de fora. Naqueles direcionados aos homens, apareciam 600. E não era por falta de espaço, tem a ver com o interesse mesmo.
A literatura mostra que muitos homens têm dificuldade de aderir à fé, talvez, entre outras razões, porque tradicionalmente, na cultura brasileira, eles ocupam o espaço da rua, têm liberdade, fazem o que querem. Adentrar o espaço da religião poderia impedi-los, mas existe um peso também em relação a ser homem. A sociedade brasileira é marcada pela ideia de que o homem tem de ser o provedor.
Muitas vezes, ele não é só o provedor, mas é também o mais agressivo, mais contundente, mais responsável, digamos assim, pelo exercício da violência. E quando esses homens vão para as comunidades religiosas, esse peso de ser o provedor – e também ser o que é forte e garante a segurança do lar – é bastante diminuído. Principalmente nas religiões pentecostais, mas não apenas, há a tendência de cultivar e fortalecer, nos homens, atributos associados historicamente ao gênero feminino, como a docilidade, a humildade, a bondade.
Nos espaços de fé, os homens podem encontrar alívio se se sentem oprimidos pelos papéis sociais que desempenham. Mas depende um pouco, claro, do tipo de recorte. Por exemplo, um deles, que é fundamental, está relacionado a classe e raça: homens brancos e homens negros, no mercado de trabalho e na própria unidade familiar, estão posicionados em dimensões muito diferentes.
A gente falou aqui de heterogeneidade evangélica, e é muito importante também fazer um recorte interseccional. Os indivíduos não têm apenas gênero, mas também raça, situação de vida, e isso é determinante no relacionamento das pessoas com a fé. Para ilustrar, a relação dos homens negros com o racismo torna o espaço doméstico muitas vezes mais simétrico e mais importante para a resistência contra a branquitude, contra as violências que eles sofrem fora da casa. Isso não existe para uma família de pessoas brancas.
A religião vê no movimento político força para lutar contra os avanços, contra pautas mais progressistas, como a LGBT+. Uma das motivações desses grupos para fazer política é usá-la para reforçar suas pautas e as convicções morais, evitando a influência de outros valores?
Os evangélicos cada vez mais entendem a política como espaço de oportunidade de consolidação de sua moralidade. O que a gente pode dizer com certeza é que existe um projeto por parte dessas lideranças presentes na política institucional. Esses religiosos têm projetos de moralização da sociedade. E as comunidades de fé que os apoiam podem comprar isso em absoluto ou não.
Tanto o Silas Malafaia, que não é um representante político, mas conversa com os representantes o tempo todo, como o Marco Feliciano e o Magno Malta, todas essas pessoas estão tentando, sim, criar projetos de cristianização da sociedade, embora isso não possa ser entendido como algo que represente todo o movimento evangélico. Esses projetos, bastante refratários a grupos como o LGBT+ – entendidos como fator de degradação da sociedade –, são o que os fazem tão ativistas, tão engajados em uma série de frentes da política.
As pautas conservadoras são destinadas a toda a sociedade, mas há também a intenção de manter as comunidades coesas. Assim, os grupos crescem, se fortalecem, e os líderes aumentam seu poder. É por aí?
Eu acho que a gente pode pensar dos dois lados. A população evangélica é arregimentada por esses líderes religiosos, assim como por parte do próprio Jair Bolsonaro. Vemos claramente como essa população é acionada com base na pauta moral. Mas, se há a tentativa de estabelecer nesse grupo uma base eleitoral, o quanto a recíproca é verdadeira? Os grupos vão calibrando a bússola para ver quem se encaixa mais nas ideias que eles defendem.
Tanto os membros de partidos como pessoas em vários postos da política conseguem acionar os fiéis para se eleger, para criar uma base e também para manter privilégios. E os próprios grupos, que se sentem em alguma medida ameaçados, também utilizam seu voto nesses representantes para garantir que não haja um suposto banheiro neutro nas escolas. É uma via de mão dupla, é muito importante que isso seja dito.
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“A ideia de religião e política como coisas absolutamente separadas nunca existiu no Brasil”. Entrevista com Nina Rosas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU