04 Agosto 2023
"Agendas antiambientais serão defendidas por senadores de direita eleitos para o triênio 2023-2027. Dos 27 senadores da Amazônia, 22 são de partidos de direita, um de partido centro do espectro político, três de centro-esquerda e um de esquerda. Apenas um é do Partido dos Trabalhadores (considerado de esquerda) e, portanto, com alinhamento direto com o presidente Lula", escrevem Rodrigo Machado Vilani, Lucas Ferrante e Philip M. Fearnside, em artigo publicado por Amazônia Real, 02-08-2023.
Rodrigo Machado Vilani possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2000) e em Direito pela Faculdade Vianna Júnior (2003). Possui mestrado em Direito (2006) e doutorado em Meio Ambiente (2010) pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Realizou pós-doutorado no Programa de Biodiversidade e Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (2014). É professor adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), onde ingressou em 2014. Suas áreas de interesse são: Direito Ambiental; Política Ambiental; Áreas protegidas; Conflitos Ambientais; Ecoturismo.
Lucas Ferrante é doutor em Biologia (Ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e atualmente é pós-doutorando na Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Tem pesquisado agentes do desmatamento, buscando políticas públicas para mitigar conflitos de terra gerados pelo desmatamento, invasão de áreas protegidas e comunidades tradicionais, principalmente sobre Terras indígenas e Unidades de Conservação na Amazônia.
Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007.
Leia também o primeiro, o segundo, o terceiro e o quarto artigos da série.
O Congresso Nacional do Brasil é dominado por forças políticas contrárias à agenda ambiental de Lula [1, 2], assim como os governos estaduais da Amazônia [3] e, no nível dos municípios amazônicos (condados), o apoio a Bolsonaro e seus a agenda antiambiental é mais forte precisamente onde ocorre o maior desmatamento [4]. A superação das contradições políticas no formato de coalizão do governo Lula é fundamental para o sucesso do arcabouço institucional proposto, para a proteção dos povos indígenas e da biodiversidade amazônica e para o combate às mudanças climáticas.
As forças políticas conservadoras permanecerão coesas e alinhadas com a agenda ruralista de minar a legislação ambiental, enfraquecer os movimentos sociais e apropriar-se de áreas constitucionalmente protegidas [5, 6]. Essas forças incluem a Frente Parlamentar Agrícola e a Frente Parlamentar Evangélica [7].
Os esforços de Lula para transformar a abordagem do meio ambiente e dos povos indígenas na Amazônia podem esperar encontrar resistência devido à composição de governos estaduais de direita com agendas pró-mineração e agronegócio. Usando dados disponíveis no sistema do Tribunal Superior Eleitoral [8], analisamos as plataformas eleitorais de oito dos nove governadores eleitos nos estados da Amazônia Legal brasileira (Tabela 1). Apenas a proposta do governador eleito de Mato Grosso não estava disponível.
Tabela 1: Agendas e ideologias partidárias dos governadores do Amazonas
Agendas antiambientais serão defendidas por senadores de direita eleitos para o triênio 2023-2027. Dos 27 senadores da Amazônia, 22 são de partidos de direita, um de partido centro do espectro político, três de centro-esquerda e um de esquerda. Apenas um é do Partido dos Trabalhadores (considerado de esquerda) e, portanto, com alinhamento direto com o presidente Lula [10].
Mais da metade (55,5%) dos nove estados da Amazônia brasileira tiveram governadores classificados por Bolognesi et al. [9] como ‘direita’, seguida pela ‘extrema direita’ (33,3%). Apenas um estado (Maranhão) elegeu um governador de um partido que não está nessas categorias.
Particularmente desafiador é o estado do Amazonas, que cobre cerca de 30% da área total da Amazônia brasileira. Entre agosto de 2021 e julho de 2022 foi desmatada uma área de 10.781 km² na Amazônia brasileira, 36% dos quais ocorreram em uma área conhecida como ‘AMACRO’ na divisa entre os três estados cujas iniciais compõem essa sigla: Amazonas, Acre e Rondônia (Figura 2). Esse desmatamento está relacionado à expansão do agronegócio, principalmente da pecuária [11]. Amazonas e Rondônia elegeram governadores de extrema direita que não apresentaram uma agenda indígena ou qualquer ação planejada contra o desmatamento ilegal e as queimadas. Todos os três governadores de estado na região da AMACRO foram eleitos após campanhas que propunham a promoção do agronegócio. No Amazonas, a agência ambiental do governo do estado é acusada de facilitar a extração ilegal de mais de 45.000 caminhões carregados de toras da floresta tropical da Gleba João Bento, uma área na região da AMACRO no sul do estado [12]. Essa madeira foi extraída entre 2013 e 2021, grande parte durante o mandato anterior de 2019-2022 do recém-reeleito governador Wilson Lima: 30% foi extraído apenas em 2020 [12].
Recorde de incêndios em agosto de 2022 na Amazônia, 01 de setembro de 2022[13] (Foto: Nilmar Lage/Greenpeace)
O desmatamento recorde ocorreu na Amazônia nos primeiros três meses desde a posse do presidente Lula [14]. Esse aumento é provavelmente um reflexo do desmantelamento da proteção ambiental durante o governo Bolsonaro (além do atraso inicial no preenchimento de cargos-chave na agência ambiental) e do fato de que é necessário mais tempo para reverter o empoderamento de agentes como grileiros, madeireiros e garimpeiros [15-17]. Mais preocupante é o fato de o governo Lula negligenciar o impacto de grandes desenvolvimentos (por exemplo, Rodovia BR-319, ver [15] e desmatamento gerado por commodities brasileiras [18, 19]. A retomada da fiscalização ambiental por si só é insuficiente. Há uma necessidade urgente de o governo tomar ações concretas contra grandes projetos de construção que aumentaram o desmatamento, como a Rodovia BR-319 [15, 17].
É fundamental que o governo Lula obtenha apoio interno – político e social – para a conservação da Amazônia e obtenha a colaboração de entidades internacionais, como as Nações Unidas, para ajudar a conter a violência em curso na Amazônia brasileira e a deter o extermínio dos povos indígenas. Sete elementos podem contribuir para reestruturar as ações de conservação na Amazônia:
Uma questão crítica é se os esforços do governo federal do Brasil podem ser suficientes para mudar a agenda política interna e contrariar a enorme força econômica e política dos interesses do agronegócio e da mineração que estão por trás da destruição ambiental que ainda está em andamento.
Financiamento internacional e outras formas de assistência são indubitavelmente necessários, juntamente com provisões para assegurar que os fundos sejam usados para deter o desmatamento da Amazônia e a degradação florestal [20, 21]. Outras formas de influência internacional também são essenciais, incluindo restrições ambientais por parte de países e empresas importadoras de commodities brasileiras que impactam a floresta amazônica e seus povos. [22].
[1] Ferrante L, Fearnside PM (2021) Reviravolta no Congresso Nacional ameaça Amazônia. Amazônia Real, 09 de março de 2021.
[2] ClimaInfo (2022) Desmonte ambiental: Próximo Congresso será “mais boiadeiro” que o atual. ClimaInfo, 06 de outubro de 2022.
[3] ClimaInfo (2022) Candidatos ao governo dos estados da Amazônia abraçam “boiada antiambiental”. ClimaInfo, 27 de setembro de 2022.
[4] Peres CA, Campos-Silva J, Ritter CD (2023) Environmental policy at a critical junction in the Amazon. Trends in Ecology and Evolution 38: 113-116.
[5] Campos RD (2022) Why the far-right will continue to radicalise in Brazil. Alternautas 9: 253–261.
[6] Milhorance C (2022) Policy dismantling and democratic regression in Brazil under Bolsonaro: Coalition politics, ideas, and underlying discourses. Review of Policy Research 39: 752–770.
[7] Ferrante L, Fearnside PM (2019) O novo presidente do Brasil e “ruralistas” ameaçam o meio ambiente, povos tradicionais da Amazônia e o clima global. Amazônia Real, 30 de julho de 2019.
[8] TSE (Tribunal Superior Eleitoral) (2022) Divulgação de candidaturas e contas eleitorais.
[9] Bolognesi B, Ribeiro E, Codato A (2023) A new ideological classification of Brazilian political parties. Dados Revista de Ciências Sociais 66: art. e20210164.
[10] Senado Federal (2023) Senadores em exercício.
[11] IMAZON (Instituto do Meio Ambiente e o Homem na Amazônia) (2022) Desmatamento da Amazônia chega a 10.781 km2 nos últimos 12 meses, o maior em 15 anos. Belém, PA, IMAZON.
[12] Wenzel F (2023) Os cupins da floresta. The Intercept-Brasil, 17 de janeiro de 2023.
[13] Lima W (2022) Queimadas batem recorde em agosto na Amazônia. Amazônia Real, 01 de setembro de 2022.
[14] Poder360 (2023) Amazônia tem recorde de alertas de desmatamento em fevereiro.
[15] Ferrante L, Andrade MBT. Fearnside PM (2021) Grilagem na rodovia BR-319. Amazônia Real [Série completa].
[16] Ferrante, L, Fearnside, PM (2022) Mineração e os povos Indígenas do Brasil. Amazônia Real, 08 de fevereiro de 2022.
[17] Bustamante MMC, Hipolito J, Delgado PGG, Ferrante L, Vale MM (2023) The future of Brazilian science. Nature Human Behaviour 7: 825–827.
[18] Ferrante L, Barbosa RI, Duczmal L, Fearnside PM (2021) A planejada exploração de terras indígenas aumenta o risco de novas pandemias. Amazônia Real [Série completa].
[19] Ferrante, L, Fearnside PM (2022) Países devem boicotar o Brasil por causa do desmatamento impulsionado pela exportação. Amazônia Real, 16 de fevereiro de 2022.
[20] Pelicice FM, Castello L (2021) A political tsunami hits Amazon conservation. Aquatic Conservation 31: 1221-1229.
[21] Vilani RM, Ferrante L, Fearnside PM (2022) Amazônia ameaçada pela agenda de mineração do presidente Bolsonaro. Amazônia Real, 06 de dezembro de 2022.
[22] Esta série é uma tradução de Vilani RM, Ferrante L, Fearnside PM. (2023) The first acts of Brazil’s new president: Lula’s new Amazon institutionality. Environmental Conservation.
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Os primeiros atos do novo presidente do Brasil: 5 – A resistência política contra Lula - Instituto Humanitas Unisinos - IHU