27 Julho 2023
"O dano ambiental seria enorme se os planos para a BR-319 e suas vicinais fossem concretizados", escrevem Rodrigo Machado Vilani, Lucas Ferrante e Philip M. Fearnside, em artigo publicado por Amazônia Real, 25-07-2023.
Rodrigo Machado Vilani possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2000) e em Direito pela Faculdade Vianna Júnior (2003). Possui mestrado em Direito (2006) e doutorado em Meio Ambiente (2010) pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Realizou pós-doutorado no Programa de Biodiversidade e Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (2014). É professor adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), onde ingressou em 2014. Suas áreas de interesse são: Direito Ambiental; Política Ambiental; Áreas protegidas; Conflitos Ambientais; Ecoturismo.
Lucas Ferrante é doutor em Biologia (Ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e atualmente é pós-doutorando na Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Tem pesquisado agentes do desmatamento, buscando políticas públicas para mitigar conflitos de terra gerados pelo desmatamento, invasão de áreas protegidas e comunidades tradicionais, principalmente sobre Terras indígenas e Unidades de Conservação na Amazônia.
Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007.
Leia também o primeiro, o segundo e o terceiro artigos da série.
O histórico do próprio Lula e declarações recentes indicam áreas de preocupação para os cargos futuros do atual governo. Isso inclui declarações durante sua campanha de 2022 defendendo veementemente a construção das barragens do rio Madeira e o início da barragem de Belo Monte, seu apoio à legalização de reivindicações ilegais de terras em terras do governo e seu apoio ao projeto da rodovia BR-319 (Manaus-Porto Velho), desde que apenas os governos estaduais e locais tenham um compromisso com a ‘preservação’ [1-4]. O dano ambiental seria enorme se os planos para a BR-319 e suas vicinais fossem concretizados [5]. A lista inicial de projetos de infraestrutura prioritários para os primeiros 100 dias do governo Lula, divulgada em 18 de janeiro de 2023, não incluía a BR-319, mas após pressão de políticos do estado do Amazonas, a lista foi alterada duas semanas depois para incluir este notório projeto rodoviário [6].
As gestões presidenciais do Partido dos Trabalhadores de Lula (2003-2016) foram marcadas por dois grandes retrocessos na área ambiental. Primeiro, nos Programas de Aceleração do Crescimento (PACs) dos governos Lula, grandes investimentos foram feitos em projetos de logística, energia e mineração que causaram a desterritorialização dos povos indígenas e que foram realizados com base na subestimação grosseira de seus impactos sociais e ambientais, em além de limitar a participação das comunidades afetadas [7-10]. Em segundo lugar, a derrubada do Código Florestal Brasileiro em 2012, durante o primeiro governo Dilma Rousseff, foi um processo em que “os proprietários de terras demonstraram sua hegemonia e eliminaram os impedimentos legais para perpetuar seus crimes sociais e ambientais” ([11]: p. 136).
Note-se que os ministérios do meio ambiente e da agricultura estavam em lados opostos da questão do esvaziamento do Código Florestal, e que a própria preferência da presidente Dilma ficou clara quando ela posteriormente nomeou como ministro da ciência e tecnologia o deputado federal que elaborou e patrocinou o projeto de lei que destruiu o código. A Câmara dos Deputados, onde a representação é proporcional à população, votou em uma proporção de sete para um para derrubar o código, embora as pesquisas de opinião na época indicassem mais de 85% da população brasileira contra qualquer mudança no código, demonstrando assim a enorme poder político dos “ruralistas” (grandes proprietários e seus representantes) que deriva do dinheiro gerado pelas exportações agrícolas do Brasil [12].
Entre os ministros indicados por Lula em seu atual governo estão os ruralistas (latifundiários e seus representantes), como Carlos Fávaro, atual ministro da Agricultura que, antes de sua nomeação, era senador relator do PLS 510/2020 – projeto que estimularia a grilagem de terras e o desmatamento [13]. Fávaro também fez parte da seção de política agrícola da equipe de transição de Lula, que também incluiu Evandro Gussi, presidente e diretor executivo da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (UNICA), e há muito defende a abertura da Amazônia para as plantações de cana-de-açúcar [14]. O governo Lula manteve a política de liberação de agrotóxicos de Bolsonaro e, no primeiro trimestre de 2023, foram concedidas autorizações para uso de mais de 100 novos agrotóxicos [15]. [16]
[1] Fearnside PM (2023) Lula e a questão fundiária na Amazônia. Amazônia Real 17 de janeiro de 2023.
[2] Fearnside PM (2023) Lula e as hidrelétricas na Amazônia. Amazônia Real.
[3] Fearnside PM (2023) The outlook for Brazil’s new presidential administration. Trends in Ecology and Evolution 38: 387-388.
[4] Fearnside PM (2023) Lula e a rodovia BR-319. Amazônia Real 24 de janeiro de 2023.
[5] Fearnside PM (2022) Por que a rodovia BR-319 é tão prejudicial. Amazônia Real [série completa].
[6] Brasil (2023) Deputados do AM aprovam BR-319 entre prioridades de Lula. Amazonas em Tempo 31 de janeiro de 2023.
[7] Machado CJS, Vilani RM (2015) Governança Climática no Antropoceno: Da Rudeza dos Fatos à Esperança no Brasil. Rio de Janeiro: E-papers. 212 p.
[8] Fainguelernt MB (2016) A trajetória histórica do processo de licenciamento ambiental da usina hidrelétrica de Belo Monte. Ambiente & Sociedade 19(2): 245-264.
[9] Fearnside PM (2017) Belo Monte – Atores e argumentos. Amazônia Real [Série completa].
[10] Fearnside PM (2017) Belo Monte – Lições da Luta. Amazônia Real [Série completa].
[11] Paulino ET (2014) The agricultural, environmental and socio-political repercussions of Brazil’s land governance system. Land Use Policy 36: 134-144.
[12] Fearnside PM (2018) Challenges for sustainable development in Brazilian Amazonia. Sustainable Development 26: 141-149.
[13] Carrero GC, Walker RT, Simmons CS, Fearnside PM (2022) Grilagem de terras na Amazônia brasileira. Amazônia Real, Série completa
[14] Ferrante L (2022) Plano bioenergético na Amazônia pode gerar trabalho escravo e nova pandemia. Ecoa UOL 18 de novembro de 2022.
[15] Pedlowski M (2023) Brasil: de lixeira química a polo mundial da fabricação de agrotóxicos (banidos).
[16] Esta série é uma tradução de Vilani RM, Ferrante L, Fearnside PM. (2023) The first acts of Brazil’s new president: Lula’s new Amazon institutionality. Environmental Conservation
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Os primeiros atos do novo presidente do Brasil: 4 – As atuais contradições de Lula - Instituto Humanitas Unisinos - IHU