17 Julho 2023
“A polícia é o genocídio permanente dos setores populares e dos racializados”, escreve Raúl Zibechi, jornalista e analista político uruguaio, em artigo publicado por La Jornada, 14-07-2023. A tradução é do Cepat.
Michel Foucault considerou a polícia como “o golpe de Estado permanente”, frase que se tornou célebre, ainda que poucas pessoas a assumam inteiramente. O filósofo vivia e refletia na França, em 1978, quando ainda funcionava o Estado de bem-estar que Frantz Fanon chamava de zona do ser, onde a humanidade das pessoas é respeitada e a violência é a exceção.
O curso de Foucault de 1978, reunido no livro Segurança, território, população, concentra-se no “governo da população”, exercício do poder que tem os indivíduos como objeto, governar a vida de cada pessoa em seus mínimos detalhes. A arte de governar com base na “razão de Estado” consiste “na busca de uma técnica de crescimento das forças estatais, por uma polícia cuja meta essencial seria a organização das relações entre uma população e uma produção de mercadorias”.
Esclarece que a polícia não deve se moldar às regras da justiça, já que seus regulamentos são de um tipo diferente das leis civis. Os instrumentos desse golpe de Estado permanente são os ordenamentos, as proibições, os regulamentos e a prisão, com o objetivo de disciplinar. Como se pode observar, são os meios que o Estado de bem-estar desenvolveu na zona do ser.
Vamos tentar uma reflexão guiada pela mesma lógica para entender a atuação policial nas zonas do não-ser (onde a violência é a norma para resolver os conflitos), onde os Estados imperam para a espoliação, já que foi sequestrado pelo 1% para blindar seus interesses. Por acaso, não estamos diante de polícias que encarnam “o genocídio permanente” dos povos da cor da terra?
Muitos podem se sentir surpresos por semelhante opinião, quando não indignados, porque continuam considerando as violências policiais como excepcionais e acreditam que as instituições do Estado são o que de menos ruim pode acontecer a uma sociedade. Vejamos alguns exemplos.
Os dois principais sindicatos policiais da França declararam, durante as revoltas pelo assassinato policial de um jovem de ascendência argelina, que estão “em guerra” contra os adolescentes que consideram inimigos a serem eliminados, ainda que se refiram a eles como “hordas selvagens de vermes”.
Em uma entrevista recente, o sociólogo Denis Merklen, pesquisador nas periferias urbanas francesas e argentinas, considera que se trata de declarações golpistas e lembra que, em 2019, na ocasião da rebelião dos coletes amarelos, a polícia fez o ministro do Interior renunciar. Acrescenta que, “até agora, a polícia nunca tinha matado alguém desarmado atirando a poucos metros de distância”, como aconteceu com o jovem Nahel. “Eles o executaram”, sentencia. Testemunhas afirmam que o policial gritou: “Não se mexa ou meto uma bala na sua cabeça”.
Depois, apareceu que nas redes foi criado um fundo de apoio ao policial assassino, que arrecadou quase um milhão de euros em poucos dias, quando a meta inicial era de apenas 50.000. Dias depois, bandos armados de extrema direita saíram com o lema de “linchar negros e árabes”, complementando, deste modo, o trabalho policial, já em si letal.
Os jovens sem futuro que se amontoam em enormes blocos em bairros periféricos, desta vez, não se limitaram a queimar carros e edifícios em seus bairros, como em revoltas anteriores, mas atacaram delegacias e ocuparam o centro das cidades, onde dormem as classes privilegiadas.
O Estado foi implacável, levando às ruas unidades antiterroristas como o RAID (Busca, Assistência, Intervenção e Dissuasão, embora o nome designe “assalto militar”). Segundo alguns meios de comunicação, o RAID foi utilizado em até 13 cidades, por considerar que os revoltosos praticam “terrorismo de rua”.
Por último, a impunidade. Merklen menciona que o defensor do povo apresentou à justiça mais de 3.000 casos de violência policial. “Só dois chegaram a julgamento”, sentencia. Nada acontece quando esses mesmos policiais se manifestam encapuzados e com suas armas de serviço, exigindo mais uma vez o direito de matar, sem que o sistema político faça algo.
Se isso acontece na França, sabemos o que está acontecendo em nossas terras. Na América Latina, as polícias são autônomas, financiam-se com economias ilegais (jogo clandestino, tráfico, drogas, entre outros). No Rio de Janeiro, as milícias são o Estado, como afirma o pesquisador José Cláudio Alves. São herdeiras dos esquadrões da morte porque, diz ele, “nunca saímos da ditadura” e, hoje, já controlam diretamente mais da metade da cidade, enquanto se expandem dentro do Estado.
Isso acontece em todos os países. A polícia é o genocídio permanente dos setores populares e dos racializados. Não podemos e não devemos confiar nas instituições estatais, nem naqueles que as governam.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A polícia nos estados serve à espoliação - Instituto Humanitas Unisinos - IHU