20 Junho 2023
“O que faremos diante da evidência de que estamos diante de riscos que nem os Estados e nem os governos podem resolver? É evidente que devemos escolher entre a autonomia e a barbárie”, escreve Raúl Zibechi, jornalista e analista político uruguaio, em artigo publicado por La Jornada, 16-06-2023. A tradução é do Cepat.
Estamos acostumados a que os defensores da política estadocêntrica divulguem as ações dos Estados, enfatizando suas realizações e omitindo a criminalidade estatal, que costuma ser atribuída a grupos de narcotraficantes e bandos armados que se multiplicam graças ao apoio que recebem de instituições armadas oficiais.
No entanto, muito pouco se menciona acerca do que esses Estados não estão fazendo, o que não podem ou não querem fazer pelas mais diversas razões. Tenta-se ocultar que a violência, que não para de crescer na maioria de nossos países, do México ao Chile, não aconteceria sem a conivência, o silêncio e o apoio direto de policiais e militares, bem como de empresários e governos federais, estaduais e municipais.
Vejamos alguns exemplos.
O que os Estados podem fazer frente à crise climática e as migrações em massa? Os governantes dizem que fazem todo o que é possível, reúnem-se, convocam caras conferências internacionais e cúpulas entre dirigentes, mas ficam apenas em declarações vazias nas quais ninguém confia, exceto aqueles que se beneficiam desses encontros.
Mas, a questão deveria ir mais a fundo. O que os Estados e governos poderiam fazer se fossem geridos por pessoas honestas? Ou algo mais complexo: é possível deter ou reverter a mudança climática? E as migrações?
Um estudo publicado pela revista Nature Sustainability diz que “de 3 a 6 bilhões de pessoas, entre um terço e metade da humanidade, poderão ficar presas fora do nicho ambiental onde a vida é possível, enfrentando calor extremo, escassez de alimentos e maiores taxas de mortalidade, a menos que as emissões sejam drasticamente reduzidas e se leve em conta a migração em massa”.
Para reverter a crise climática, seria necessário produzir uma drástica mudança em duas questões centrais: a acumulação de capital por pilhagem e roubo e os modos de vida da parcela da humanidade que vive muito bem, ou seja, as classes médias e altas do mundo.
A duas coisas são impossíveis. A primeira porque se trata do 1% mais rico que demonstrou não querer deixar o seu lugar de privilégio. A segunda porque as mudanças culturais são muito lentas e ninguém quer perder seu nível de vida, de consumo. Quantas pessoas, entre as que estão lendo estas linhas, estariam dispostas a viver como os povos originários de Chiapas que, sendo assim, são pobres e estão sendo punidos pelos poderosos?
Não é fácil mudar o modo de vida. Menos ainda voluntariamente e não pela necessidade. Se metade da população do planeta pode acabar migrando por motivos climáticos, é evidente que essa enorme e brutal proporção não pode ser contida, nem mesmo pelo Estado mais poderoso. As autoridades dos Estados Unidos são absolutamente impotentes para deter as nuvens de fumaça e poeira provocadas, nesses dias, pelos incêndios florestais no Canadá.
Nesses dias, estou na Venezuela, onde não tem gasolina e o país está paralisado. Venho do Uruguai, onde moro e não tem mais água potável. A Venezuela tem as maiores reservas de petróleo do mundo e o Uruguai era um paraíso de água potável abundante e de muito boa qualidade.
Nos dois casos, vemos a impotência dos Estados. As refinarias na Venezuela têm entre 60 e 70 anos, não foram reparadas e agora apresentam falhas quase permanentes. Agora, a Venezuela depende dos envios de gasolina do Irã. A “monocultura” de hidrocarbonetos está na base desta tremenda crise.
No Uruguai, a produção agropecuária para a exportação é responsável pela escassez atual, embora tenha sido agravada pela longa seca em decorrência da mudança climática. O desmatamento, as monoculturas de soja e a produção leiteira estão na base da atual escassez de água, já que as principais bacias estão contaminadas sem que ninguém responda por isso, nem o atual governo de direita, nem os anteriores de esquerda.
Nos dois países, a acumulação por pilhagem é, em última análise, responsável pelos desastres. Contudo, a gravidade da situação que nos afeta não pode mais ser resolvida com manifestações (em Montevidéu, há manifestações diárias e são necessárias para alertar a população, diante do silêncio oficial), nem com mudanças de governo. A “força da inércia”, mencionada por Fernand Braudel, é tão importante que nem mesmo o afundamento do sistema-mundo em curso é capaz de fazer com que as populações mudem os seus hábitos, em particular as urbanas.
Já há sete anos, no encontro O pensamento crítico frente à hidra capitalista, realizado em San Cristóbal de las Casas, o EZLN alertou sobre a magnitude das migrações esperadas para este século. Para alguns de nós, pareceu exagero, mas a realidade está nos superando.
O que faremos diante da evidência de que estamos diante de riscos que nem os Estados e nem os governos podem resolver? É evidente que devemos escolher entre a autonomia e a barbárie.
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A impotência dos Estados. Artigo de Raúl Zibechi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU