19 Mai 2023
"Na Ceia do Senhor, antes de tudo, se agradece (eucaristia, agradecimento) por conhecê-lo, por ouvir as suas palavras, depois se come juntos o pão que ele parte para nós e o vinho que nos oferece. São sinais muito densos, mas não é antropofagia, não é comer o seu corpo e beber o seu sangue. Da mesma forma que nos nutrimos de pão e vinho, nutrimo-nos de toda a sua doação a nós, até morrer por fidelidade à mensagem de vida: um morrer tão vivo que atravessa a morte", escreve Enrico Peyretti, teólogo, ativista italiano, padre casado e ex-presidente da Federação Universitária Católica Italiana (Fuci), em artigo publicado por Adista, 13-05-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Vamos começar com a coisa menos (ou mais importante). Que toda igreja tenha um banheiro. Existe, escondido na sacristia. Mas que seja bem indicado, porque à igreja vão os corpos, junto com as almas. Especialmente os corpos idosos.
Depois, que a igreja não seja monumento e museu, ou que o seja para os turistas, se assim o merecer, mas para a Eucaristia seja uma casa habitável. Porque, se o ambiente é uma plateia e um palco, não é uma igreja.
Igreja, ekklesia, significa reunião, convocação, para repartir a ceia do Senhor Jesus: “Fazei isso em memória de mim”. Não é um sacrifício, exceto no sentido generoso de quem morre para salvar outros em perigo, mas não no sentido de quem é sacrificado para aplacar um Senhor cruel e ofendido.
Assim foi entendido por muito tempo, e é uma ofensa a Deus, bom e misericordioso. Nos livros litúrgicos oficiais, a palavra "sacrifício" aparece de forma insistente, até mesmo completamente fora de lugar e desviante. Poucos padres corrigem os livros.
Na Ceia do Senhor, antes de tudo, se agradece (eucaristia, agradecimento) por conhecê-lo, por ouvir as suas palavras, depois se come juntos o pão que ele parte para nós e o vinho que nos oferece. São sinais muito densos, mas não é antropofagia, não é comer o seu corpo e beber o seu sangue. Da mesma forma que nos nutrimos de pão e vinho, nutrimo-nos de toda a sua doação a nós, até morrer por fidelidade à mensagem de vida: um morrer tão vivo que atravessa a morte.
E que não se esqueça de dar também o vinho. As dificuldades são falsos problemas. Se se entende e se quer, se pode A extinção é segura higienicamente.
Bastam dois ou três de nós, reunidos em seu nome, e ele está presente, não são necessárias multidões. Portanto, que a Igreja seja uma sala, um salão, onde nos sentamos podendo nos ver uns aos outros, não assistindo a um espetáculo recitado pelo padre.
Portanto, a missa tem um caráter social e de convívio. Nem tudo depende do padre. A tradição católica, a necessidade de um homem consagrado e único autorizado a celebrar a eucaristia, é respeitável, mas que não seja mais vínculo e empobrecimento da comunidade, não imponha limites à presença ativa de Jesus, pela mão de todos nós, se estivermos disponíveis. Jesus não estabeleceu tantas condições: "Fazei isso em memória de mim". Se não houver todas as condições canônicas, então há a sua presença e a nossa necessidade. Para as Eucaristias domésticas durante a pandemia, o bispo Bettazzi disse: “Assim como existe o batismo de desejo, existe a Eucaristia de desejo”.
E que não haja o altar, que, como a palavra indica, é a antiga ara para os sacrifícios, onde se imolavam os animais oferecidos a uma ávida divindade, em vez de oferecer a nós mesmos, uns pelos outros. Aquela de Jesus é uma mesa: somos convidados, nos sentamos ao redor, como numa casa. O concílio separou o altar da parede, onde o "sacerdote" tratava sozinho com Deus, e o virou para o povo, mas continuou sendo como um palco ou uma cátedra. Agora, outro passo: o povo é chamado a sentar-se à mesa de Jesus.
Sentamo-nos ao redor, o mais perto possível. Porque o povo dos fiéis é profeta, sacerdote e rei: não apenas assiste, não apenas participa, mas celebra a memória presente e atual da Ceia, à mesa comum. O pão de Jesus ainda é aquele disquinho que não é pão. Ele também é adorado, fora da Ceia, sob o vidro, entre raios de ouro. Mas Jesus disse “Tomai e comei”. O corpo de Cristo somos nós em comunhão com ele, enviados a viver para os outros, e aquele pão nos torna o seu corpo, não encerra Jesus aí dentro. Corpo de Cristo que nos torna o seu corpo, é também o ato de lavar os pés, de servir humildemente: somos as suas mãos quando servimos os necessitados.
A mais visível e sentida das revoluções do Concílio foi na missa. A liturgia eucarística melhorou muito, mesmo assim foi cada vez menos frequentada, até hoje. A reforma conciliar não é mais suficiente, para fazer o que Jesus nos pediu: "Fazei isso em memória de mim". Um documento de rede Viandanti, no caminho sinodal em curso (uma espécie de concílio de base), enfrenta bem, com franqueza, as reformas necessárias hoje para adequar a missa ao seu significado, na fé. Participação, homilia, linguagem, comunidade, ministérios, liturgia e vida, oração e relação com o mistério, experimentação, igreja povo de Deus, comunidade de comunidades, reforma do direito canônico.
Eu diferencio entre missas "lidas" e missas "faladas". As primeiras: tudo já escrito no livro, basta lê-lo, impessoal, prefixado. Nas missas faladas, quem preside é um ser vivente, que certamente segue um rito, em comunhão com todos os outros, mas vive-o com os presentes, no momento, nas situações de hoje. E não é só ele que fala, e não são só palavras, mas também silêncios e esperas. E é a missa de hoje, não igual àquela de ontem.
Depois a homilia. Basicamente, é a única coisa que você lembra (se você a lembrar) e julga. Muito longa, muito teórica, ou moralista, ou enfadonha. Oh, animada desta vez, mas política, provocativa ou demasiado pessoal. Nunca contentes. Quanto chega, nas homilias, do fruto de uma leitura atenta e vital, comunitária, da Escritura? Sim, em alguns casos chega algo. Depois, tem os padres que rezam a missa como simples suporte rápido para repassar uma homilia forte ao público, como um seu comício ou uma aula acadêmica. Antes e depois da homilia, missas sem mistério, sem silêncios nem recolhimentos. Outros fazem o contrário: todo mistério, sem a palavra de hoje.
É só o padre que decide tudo na missa? Existem aqui e ali experiências de verdadeira participação, celebração comunitária, várias orações eucarísticas, e também proferidas pelo povo, homilias às vezes confiados a leigos, homens e mulheres. Experiências isoladas, parece-me, nascidas das contestações mais ou menos radicais. Mas também sérias pesquisas comunitárias, não enraivecidas. Existem pequenas tradições, agora já de décadas, de hospitalidade eucarística entre católicos e evangélicos (os ortodoxos não aceitam): nenhuma revolução, mas um caminho, ainda pequeno. Esse é o verdadeiro ecumenismo: unidos no ato essencial, não fusão de instituições e organizações. É bom que a igreja seja variada, plural, unida na pluralidade. E, portanto, na Eucaristia, ápice e fonte da vida cristã.
Quem preside à Eucaristia deve ter uma vestimenta especial? Se é como numa festa social e num momento sério, sim é possível. Algo bonito e simples, na memória de outros momentos e lugares: basta um sinal, um lenço, uma estola. Não coisas sagradas, preciosas e suntuosas, não teatro, não distanciamento.
E principalmente os bispos: bota o chapéu, tira o chapéu... por favor...
E depois, o pão de Cristo deve ser levado aos enfermos. É a função de quem se presta e é capaz, não só do padre, claro, e é um sinal de atividade comum. Em suma, não se trata de abolir a classe dos padres, mas de fazer emergir o caráter social e convivial da Eucaristia, para absorver a hierarquia na fraternidade, na pirâmide invertida.
E tudo isso lembrando bem que Jesus, sempre presente a nós naquela noite, sabia que ia morrer por ódio do poder, do clero e do império, e aceitava morrer para ser fiel à sua tarefa de verdade, e que aquele morrer era um tão grande viver, que ele agora vive ao nosso redor e entre nós.
Na sua Ceia chama-nos a viver para os outros e, portanto, a renascer sempre.
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Sobre as celebrações eucarísticas. Artigo de Enrico Peyretti - Instituto Humanitas Unisinos - IHU