13 Dezembro 2022
"Adotar a defesa não violenta, no entanto, não é tarefa fácil. Implica, em primeiro lugar, um consenso ampliado da população, que só pode advir de uma educação das consciências que se constrói ao longo do tempo", escrevem Giannino Piana e Fabrizio Filiberti, em artigo publicado por Il Gallo, edição de dezembro de 2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Giannino Piana é teólogo italiano, ex-professor das universidades de Urbino e de Turim, na Itália, e ex-presidente da Associação Italiana dos Teólogos Moralistas.
Fabrizio Filiberti é presidente da Associação Ecumênica de Cultura Religiosa “Città di Dio” – Invorio (NO). A Associação "Città di Dio" é membro da Rede dos Andarilhos. Também é membro do Conselho Deliberativo e do Grupo de Reflexão e Proposta (Grp) da Associazione Viandanti.
Uma contribuição para a reflexão sobre a paz nesta proposta extravagante dos amigos Giannino Piana e Fabrizio Filiberti. Soluções próximas só podem existir em negociações animadas pela convicção de que a vitória não está na afirmação da superioridade, mas em pôr um fim às mortes, às devastações, às ameaças de ampliação do conflito com armas mais letais: mas uma busca de instrumentos para uma perspectiva de paz pode encontrar muitos caminhos. Num exército instrumento de paz podemos imaginar que “converterão as suas espadas em enxadões e as suas lanças em foices; uma nação não levantará espada contra outra nação” (Isaías 2, 4)?
A guerra em curso entre a Rússia e a Ucrânia e as graves consequências, tanto para a população civil - o número de mulheres e crianças mortas é muito significativo - quanto para os arranjos territoriais - a devastação de cidades inteiras reduzidas a escombros é impressionante – reapresentaram à atenção de um público cada vez mais vasto, ao lado das negociações diplomáticas, o tema da defesa não violenta. A esse respeito, também nesta revista apareceram contribuições importantes, entre as quais a de Enrico Peyretti, que não deixaram de sugerir tal prática para contribuir para a construção da paz.
Adotar a defesa não violenta, no entanto, não é tarefa fácil. Implica, em primeiro lugar, um consenso ampliado da população, que só pode advir de uma educação das consciências que se constrói ao longo do tempo. A aquisição de uma profundidade do valor da paz é a resultante de um processo de introjeção de atitudes e comportamentos inspirados em valores como a justiça e a solidariedade, a piedade e a misericórdia, a reconciliação e o perdão. A sua apropriação concreta exige a capacidade de lidar realisticamente com o conflito como fator constitutivo da condição humana.
Trata-se de vencer a tentação de demonizá-lo ou removê-lo, fingindo que não existe, de acertar as contas com ele submetendo-o a um processo que o faça deixar de negativo - como é quando entregue a si mesmo, fonte de inimizades e ódios de onde brotam violência e guerra - para se tornar positivo quando devidamente elaborado, transforma-se numa oportunidade de crescimento tanto pessoal como social.
Mas as dificuldades da defesa não violenta não param nesse ponto. A sua implementação comporta a adoção de uma estratégia adequada e a escolha de técnicas apropriadas que permitam a sua busca.
A esse respeito, existem estudos muito precisos que sugerem os caminhos a percorrer; mas o problema fundamental diz respeito ao sujeito dessa ação, que pode se encarregar de sua implementação. De fato, não basta o consenso da população (embora essencial): é necessária a presença de uma estrutura que assuma intervenções eficazes, que tornem transparente a possibilidade de a defesa não violenta representar uma alternativa real à violência da guerra.
Refletindo sobre o drama da guerra em curso na Ucrânia com o amigo Fabrizio Filiberti, fundador da associação Città di Dio há mais de vinte anos e um dos promotores da associação I Viandanti, nos perguntamos o que seria possível fazer para concretizar essa prática.
Com uma hipótese surpreendente, Fabrizio disse: o único caminho que considero viável é confiar tal tarefa ao exército. Isso me fez pensar e, depois de uma atenta consideração das razões alegadas por ele, cheguei à conclusão de que se trata de uma proposta séria e realista.
Pode parecer um contrassenso, um absurdo usar uma estrutura destinada à defesa militar como o exército para defesa não violenta. Mas, quando se considera a defesa como um objetivo a ser perseguido - o ministério tem esse título - e se reconhece - como já assinalado - a necessidade de uma estrutura aparelhada para implementar concretamente a defesa não violenta, não vemos por que tal papel não poderia ser assumido justamente pelo exército.
Tratar-se-ia de predispor tal instituição para o exercício de duas modalidades de prática da defesa com um duplo treinamento específico, fazendo-a assim ultrapassar a corrente concepção rigidamente militarista e belicista e colocando-a mais plenamente ao serviço de uma efetiva proteção global do país.
Haverá – cabe se questionar – as condições para que isso ocorra? A resposta a esse questionamento não é fácil. O exército desde sempre foi concebido com vista à defesa armada (e não apenas à defesa: basta aqui chamar a atenção para a atual agressão da Rússia à Ucrânia) e a preparação para o exercício de tal função não comporta apenas a aquisição de determinadas atitudes técnicas, mas também o estabelecimento de uma mentalidade precisa; a adesão a uma forma de pensar que privilegia a força e o uso de armas.
No entanto, não faltam sinais importantes que permitem vislumbrar a possibilidade de desenvolvimento de uma mentalidade mais aberta que se integre àquela originariamente belicista. Nas últimas décadas tem havido (e ainda há) muitas prestações de serviços civil fornecidas pelo exército em circunstâncias particularmente dramáticas na vida do nosso país.
Basta pensar nas intervenções durante os terremotos e as inundações e todas as outras calamidades naturais; e ao valioso contributo para enfrentar questões importantes como a organização da vacinação durante a (ainda persistente) emergência da pandemia de Covid-19. Como não lembrar o General Figliuolo, que desempenhou uma função essencial a esse respeito com grande discrição e segura competência?
Ou ainda: como não lembrar de algumas missões do exército italiano realizadas em países devastados pela guerra, onde os militares, sem abdicar do uso de armas, contribuíram para socorrer a população, apoiando-a em situações de dificuldade como reconheceram muitos observadores internacionais? Nem todos os militares são necessariamente belicistas por definição.
Existem militares (e não são poucos) mesmo em altos níveis hierárquicos, preparados profissional e culturalmente que consideram o recurso às armas como uma solução extrema. A proposta aqui ilustrada dirige-se em particular a eles, para que também por esse caminho se possa contribuir para a construção da paz.
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Uma proposta extravagante (um exército, instrumento de paz) - Instituto Humanitas Unisinos - IHU