27 Outubro 2022
"A humanidade deve pôr um fim com as guerras ou será uma guerra que colocará um fim à humanidade".
A reportagem é de Luca Kocci, publicada por Il Manifesto, 26-10-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Do Coliseu, onde ontem se encerrou o encontro internacional de líderes de Igrejas cristãs e das religiões mundiais promovido pela Comunidade de Santo Egídio ("O grito de paz"), foi lançado um apelo por um imediato "cessar-fogo universal” - mas o olhar estava direcionado principalmente para a Ucrânia – para a "não proliferação" de armas e para o "desmantelamento" dos arsenais nucleares.
“A guerra é uma aventura sem retorno na qual somos todos perdedores. Que se calem as armas, que se declare imediatamente um cessar-fogo universal. Que se ativem logo, antes que seja tarde demais, negociações capazes de conduzir a soluções justas para uma paz estável e duradoura. Que se reabra o diálogo para anular a ameaça das armas nucleares”, exorta o apelo de paz assinado por cristãos, muçulmanos, judeus e crentes de outras religiões, na esteira do “espírito de Assis”, o primeiro encontro mundial das religiões convocado por João Paulo II em 1986 na cidade da Úmbria.
"Estamos diante de uma encruzilhada: ser a geração que deixa morrer o planeta e a humanidade, que acumula e comercializa armas, na ilusão de se salvar sozinha contra os outros ou, ao contrário, a geração que cria novas formas de viver juntos, não investe em armas, abole a guerra como instrumento de resolução de conflitos e termina com a absurda exploração dos recursos do planeta”.
Não existe mais a guerra fria, mas os ponteiros do relógio da história parecem ter retrocedido sessenta anos, como disse o Papa Francisco em seu discurso no Coliseu, no encerramento dos três dias de diálogos e debates que, exceto o último momento de oração inter-religiosa de ontem à tarde, se realizaram na “Nuvola” no Eur.
Durante a crise dos mísseis cubanos em outubro de 1962, "enquanto um confronto militar e uma deflagração nuclear pareciam próximos" - recordou o pontífice -, João XXIII exortou os governantes a fazer "tudo que estivesse ao seu alcance para salvar a paz” e evitar "ao mundo os horrores de uma guerra, cujas terríveis consequências não se pode prever". Bergoglio acrescentou: “Essas palavras são de uma impressionante atualidade. Faço-as minhas. Não somos neutros, mas alinhados pela paz. Por isso, invocamos o ius pacis como direito de todos para resolver os conflitos sem violência”.
Uma referência, a de 1962, que ressoou também em outras intervenções, de Marco Impagliazzo (presidente da Comunidade de Santo Egídio) a Jeffrey Sachs (assessor especial do secretário-geral da ONU), que parecia referir-se precisamente à guerra Rússia-Ucrânia: “Num tempo de proliferação nuclear, ninguém pode se permitir encurralar os adversários no corner e humilhá-los. Precisamos de diplomacia”.
Essa mesma diplomacia invocada no primeiro dia do encontro pelo presidente francês Emmanuel - ao mesmo tempo, porém, que envia armas a Kiev -, que na segunda-feira foi depois recebido no Vaticano por Bergoglio para falar também sobre a Ucrânia, e que ontem assinalou um sinal de Moscou, com o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, que acolheu positivamente a proposta de Macron de incluir o Papa Francisco e Biden nas negociações para a busca de uma solução para acabar com a guerra.
"A nossa oração tornou-se um grito, porque hoje a paz é gravemente violada, ferida, pisoteada, na Europa, ou seja, no continente que no século passado viveu as tragédias das duas guerras mundiais, e estamos na terceira", também disse ontem o pontífice. "Hoje está acontecendo o que se temia e o que nunca gostaríamos de ouvir: isto é, que o uso de armas atômicas, que culposamente depois de Hiroshima e Nagasaki continuaram a ser produzidas e testadas, é agora abertamente ameaçado".
O apelo final do Coliseu é uma autocrítica ao papel nem sempre pacífico das religiões ("mesmo entre nós às vezes nos dividimos abusando do nome de Deus, pedimos perdão, com humildade e vergonha") e um desejo para o futuro: vamos libertar o mundo "do pesadelo nuclear" e "investir em toda via de diálogo". A paz é sempre possível! Nunca mais guerra!”.
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Bergoglio: “Não somos neutros, somos pela paz”. Primeiros sinais de Moscou - Instituto Humanitas Unisinos - IHU