14 Outubro 2022
"A paz não é uma palavra pró-putiniana". Andrea Riccardi, fundador da Comunidade de Santo Egídio, ex-ministro, historiador, convida a se mexer pela paz. Sobre o envio de armas para a Ucrânia, que é o ponto de fratura e divisão no movimento pacifista e entre os partidos de centro-esquerda, ele raciocina:
"O envio de armas é correto porque ajuda Kiev a se defender, mas só cria um equilíbrio no conflito, enquanto é preciso algo mais, é necessária a diplomacia da paz”. Às vésperas do encontro inter-religioso em Roma, de 23 a 25 de outubro, ele admite: as palavras do Papa não são ouvidas, nem mesmo por Zelensky.
A entrevista com Andrea Riccardi é de Giovanna Casadio, publicada por La Repubblica, 13-10-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Professor Riccardi, enquanto o povo ucraniano é massacrado por Putin, que peso podem ter as manifestações pacifistas?
Quando falo de paz, penso sobretudo no povo ucraniano bombardeado. Penso nos 7 milhões de ucranianos, a maioria mulheres e crianças, que deixaram o país e se tornaram refugiados no mundo; penso nessa nação que corre o risco de ser destruída. Quando invocamos a paz, não consigo ouvir que é uma palavra pró-putiniana. Basta dizer paz para indicar que a guerra que a Rússia está travando contra a Ucrânia é algo terrível. Digo paz porque a paz deve ser um objetivo que nos propomos com força, para que a palavra paz não seja removida do vocabulário.
João XXIII em 1962 conseguiu mediar a crise dos mísseis cubanos entre a União Soviética e os EUA. Devemos agora colocar esperanças em Francisco?
Há duas semanas, no Angelus, o Papa Bergoglio lançou uma grande mensagem equilibrada e realista, indicando o caminho para a paz. Krushev e Kennedy aceitaram o apelo de João XXIII para encontrar um entendimento. A voz do Papa Francisco hoje parece não ser ouvida. Após as palavras do Papa, um decreto foi emitido em Kiev proibindo as negociações com os russos. Não vi em nenhum lugar o desejo de encontrar um caminho de paz. E estou muito preocupado porque no mundo pós-globalizado as guerras têm uma fisionomia particular: elas se eternizam.
A guerra na Síria começou em 2011 e ainda não acabou. Aquela guerra foi o laboratório do conflito na Ucrânia; os métodos brutais das forças armadas russas na Ucrânia foram experimentados em Aleppo, na Síria. Há um conflito na Líbia que não dá sinais de ser resolvido. São países sangrados até o limite, onde as crianças nascem e crescem com a guerra e na guerra. Falar de paz não é conversa de bem, mas tentar solicitar um depois e mais além.
A política pensa aceitar as manifestações de rua pela paz?
Penso na Ucrânia e na Síria e não estou analisando as orientações das ruas. Até agora, elas não floresceram, pelo contrário. A opinião pública foi anestesiada. A complexidade dos problemas internacionais faz com que grande parte dos cidadãos se sinta impotente, na realidade é preciso entrar no jogo. O acolhimento dos refugiados sírios dividiu a Europa, por exemplo. Não há esplêndido isolamento que segure.
Você irá às ruas pela paz?
Irei à manifestação nacional que se realizará em novembro. Mas acredito que o importante seja expressar o desejo de paz.
A divisão entre os pacifistas é sobre o envio de armas para Kiev. A Ucrânia deve ser rearmada?
Ajudar Kiev a se defender é correto, mas não resolve o problema: apenas cria um equilíbrio no conflito. É preciso se libertar de uma lógica de guerra. É preciso diplomacia. Não só o Papa diz isso, mas Kissinger também. O diálogo não pode ser deixado à escalada da propaganda de guerra.
O que a Europa faz?
Bem pouco. Em vez disso, teria que trabalhar nessa direção. É preciso uma imaginação criativa para sair desse conflito. Parece impossível agora, mas a paz nunca é impossível. Devemos alcançar o inatingível. Perante a ameaça atômica, é necessária uma política de paz.
E o centro-esquerda?
O centro-esquerda está atravessando um processo de repensamento que não sei para onde irá. Agora eu trato de Ucrânia e Síria.
O encontro que a Comunidade de Santo Egídio organizou em Roma de 23 a 25 de outubro e que terminará com a oração do Papa no Coliseu, com a presença dos presidentes Mattarella, Macron e Bazoum, é uma festa religiosa ou um laboratório geopolítico?
É o espírito de Assis: religiões lado a lado rezando pela paz. A força da oração e a força fraca das religiões devolvem profundidade humana à paz.
No cenário internacional, mesmo agora, quem está errando mais?
Sempre a Rússia. Nós, europeus, mostramos nossa fraqueza e nossas divisões.
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“A paz não é pró-putiniana. Sim às armas para Kiev”. Entrevista com Andrea Riccardi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU