14 Setembro 2022
Vitalino Similox, sociólogo, 74 anos, pastor da etnia maia Kakchikel da Igreja Evangélica Nacional Presbiteriana da Guatemala (IENPG) e ex-secretário geral do Conselho Ecumênico Cristão da Guatemala (composto pelas Igrejas católica, episcopal, luterana e reformada), desempenhou como líder da Conferência das Igrejas Evangélicas da Guatemala (Ciedeg) um papel de grande importância durante as negociações de paz, que em 1996 levaram a acordos entre o governo e os guerrilheiros de esquerda da Unidade Nacional Revolucionária da Guatemala (Urng), colocado um fim a 36 anos de guerra civil. Depois, em 1999, foi candidato à vice-presidência da República pela Aliança Nova Nação, de centro-esquerda, e hoje é reitor da Universidade Maia Kakchikel de Chimaltenango.
A entrevista é de Mauro Castagnaro, publicada por Riforma, 16-09-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Como descreveria o mundo evangélico na Guatemala?
Na Guatemala, os evangélicos são cerca de 45% da população e apenas 1% pertence às igrejas protestantes históricas. As Igrejas evangélicas se apaixonaram pelo poder político e econômico, envolvendo-se inclusive no narcotráfico, de forma que existem narcopastores e narcoigrejas, como se viu no caso do boss Juan Órtiz, conhecido como Chamalé.
A direita política também se aproveitou de pastores sem formação bíblica e teológica que fazem campanha contra a diversidade sexual, na qual convergem setores evangélicos e católicos conservadores. Portanto, o movimento evangélico não tem mais uma voz crítica e profética. As Igrejas protestantes históricas são absorvidas por questões internas, a Ciedeg perdeu a importância política e o Conselho Ecumênico Cristão da Guatemala enfraqueceu.
O que significa ser maia e presbiteriano?
Sempre tive consciência da minha identidade maia, tanto que na década de 1960 criei com outros uma rede de comunidades étnicas na Ienpg, chamada Presbitério Kakchikel, enquanto no presbiterianismo aprendi que a Igreja deve ser consciência crítica da sociedade e isso, junto com minha formação sociológica, me levou a amadurecer uma consciência de classe e uma opção política em favor da mudança das atuais estruturas de injustiça, opressão, corrupção. Hoje procuro dar minha contribuição ao diálogo entre a cultura maia e o cristianismo. Ser maia e presbiteriano significa dar resposta a uma sociedade em crise, fundada num pensamento linear, positivista, como explica Boaventura De Sousa Santos, segundo o qual as epistemologias do Sul do mundo, que se baseiam na experiência mais que na racionalidade, devem ser colocadas ao serviço da humanidade, num diálogo de saberes. A Universidade Maia Kakchikel procura recuperar e sistematizar as práticas tradicionais e incentivar um confronto entre a educação convencional e a ciência, filosofia e tecnologia maia.
A experiência indígena influenciou a IENPG?
Não. Hoje não vejo nem em outras igrejas protestantes nenhum movimento comparável ao do presbitério kakchikel nos anos 1970-80, que se esgotou. Muitos indígenas não querem saber nada da Igreja, o que me incomoda, mas me repetem que ‘a descolonização passa pela descristianização’; eu rebato: ‘Não necessariamente. Na minha experiência, para ser maia não preciso renunciar ao cristianismo, que, pelo contrário, me ensinou a rejeitar a injustiça’. De qualquer forma, nas seis universidades maias de cristianismo não se fala, mas tudo deriva da espiritualidade indígena.
Quais foram os sucessos e as carências do trabalho ecumênico na Guatemala?
O contexto permitiu e facilitou um movimento ecumênico como o dos anos 1980 e 90, com o empenho de todos aqueles que queriam a paz e a superação das causas do conflito armado, a começar pela pobreza. Era um ecumenismo socialmente comprometido. Agora não vejo um tema com o mesmo poder unificador.
Que perspectivas vê para o Conselho Latino-Americano de Igrejas (CLAI), que parece estar em perene crise e reestruturação, mesmo mantendo-se como o principal órgão interprotestante do continente?
Mais uma vez o contexto parece-me decisivo para permitir a estabilidade. Não vejo na América Latina um tema que mobilize as Igrejas, nem mesmo o das mudanças climáticas e do aquecimento global. E o CLAI tornou-se terreno de disputas de poder entre posições políticas e competição entre grupos pelos financiamentos das agências internacionais de cooperação, que aliás dispõem de menos dinheiro.
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Pacifista, maia e presbiteriano. Entrevista com Vitalino Similox - Instituto Humanitas Unisinos - IHU