29 Novembro 2022
Os bispos da Alemanha se opõem às autoridades do Vaticano, defendendo as reformas propostas pelo Caminho Sinodal de seu país e por católicos de muitas outras partes do mundo.
A reportagem é de Robert Mickens, publicada por La Croix International, 26-11-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
É tudo culpa (ou mérito) do Papa Francisco. Aqueles que criticam ferozmente o Caminho Sinodal que a Igreja Católica na Alemanha embarcou em 2019 – e mesmo aqueles que o apoiam com entusiasmo – não podem negar que o papa jesuíta é o responsável.
A única razão pela qual os alemães puderam passar os últimos três anos discutindo propostas cuidadosamente argumentadas para grandes reformas da Igreja – quase nenhuma considerada aceitável pela grande maioria das autoridades do Vaticano – é porque Francisco permitiu que eles o fizessem. É algo que Bento XVI e João Paulo II jamais teriam considerado ou tolerado. Isso deveria estar claro para todos.
Não importa se alguém concorda com o que os alemães estão propondo – que incluem a possibilidade de casamento dos padres; a inclusão das mulheres em todos os níveis de governo e ministério eclesial; e uma revisão abrangente e reformulação do ensinamento da Igreja sobre a sexualidade humana, para citar apenas os pontos mais salientes.
Se alguém apoia essas mudanças ou não, faz pouca diferença. O cavalo já fugiu. E agora será quase impossível para Francisco simplesmente ignorar as propostas dos alemães sem dar a impressão de que toda a sua conversa sobre sinodalidade não passou de uma farsa. Ele e todos os outros sabem disso.
Isso também porque os católicos da Alemanha não são os únicos que veem a necessidade urgente de uma reforma séria da Igreja e não – como o chamou o cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado do Vaticano – uma reforma na Igreja. Ele alertou os bispos alemães durante sua visita ad limina de 14 a 18 de novembro para prestarem atenção à distinção. E, de fato, é crucial.
Porém, ao contrário do cardeal italiano (que muitas vezes foi apontado como um dos principais candidatos à sucessão de Francisco) e seus confrades na Cúria Romana, os alemães viram claramente que a mudança estrutural é a verdadeira questão. Eles estão cientes de que o modelo e as estruturas institucionais atuais da Igreja não são mais adequados para o propósito. O paradigma imperial-monárquico é antigo e anacrônico. Também é insustentável e tornou-se cada vez mais um impedimento pesado para promover o autêntico testemunho cristão, o discipulado e a propagação do evangelho.
Talvez o Papa Francisco não esteja 100% convencido disso, mas parece pelo menos intuir. Por que outra razão ele abriria a caixa de pandora que a sinodalidade provou ser de várias maneiras? O papa tem suas próprias limitações pessoais, como todos nós, mas uma coisa ele não é, e isso é estúpido. Ele pode tomar o pulso de uma sala muito rapidamente, até mesmo o pulso da sala de estar global onde os proverbiais elefantes estão à espreita. Ele sabe muito bem que os católicos de todo o mundo querem que as coisas mudem e os insta a explicar o que eles acham que as mudanças deveriam ser.
Quando ele se recusou a aceitar a proposta de ordenar homens casados ao presbitério, que foi aprovada por maioria em outubro de 2019 pelos bispos presentes no chamado Sínodo Pan-Amazônico, causou profunda decepção e até raiva entre muitos. Mas essa recusa não encerrou o debate. Na verdade, apenas provocou apelos mais insistentes para tornar o celibato clerical opcional, conforme revelado pelo Caminho Sinodal (que os alemães começaram em dezembro de 2019) e as recentes consultas sinodais com católicos de todo o mundo.
Mas os altos funcionários da Cúria Romana deixaram claro durante a visita ad limina dos bispos alemães que esperam que seus confrades ao norte dos Alpes freiem o que consideram um trem desgovernado. O cardeal franco-canadense Marc Ouellet, chefe do Dicastério para os Bispos, até os exortou a impor uma moratória no Caminho Sinodal, que deve ter sua sessão final em março de 2023. A resposta de dom Georg Bätzing, presidente da Conferência Episcopal Alemã (DBK), foi educada, mas firme: “Nein, danke!”.
Foi impressionante a maneira como o bispo de Limburg, de 61 anos, enfrentou os burocratas do Vaticano. Apesar de nunca ter estudado em Roma, ele não parecia nem um pouco intimidado por suas tentativas de usar a velha tática da cúria de jogar forte com os fracos. Bätzing não mostrou nenhum sinal de fraqueza. Basta ler a tradução para o inglês de seu discurso de abertura na reunião de 18 de novembro no Caminho Sinodal que ele e seus compatriotas realizaram com Ouellet, Parolin e o cardeal jesuíta Luis Ladaria (Dicastério para a Doutrina).
Logo no início, o líder da DBK destacou que “a presidência do Caminho Sinodal é composta por dois bispos e dois leigos” e lamentou que “pessoas essenciais” do Caminho Sinodal – os delegados leigos – não tenham sido convidados a Roma para as palestras.
“E é por isso que nossas reflexões, discussões, perspectivas compartilhadas e possíveis direções estão sujeitas a serem discutidas, colocadas em comum e apropriadas com todos os envolvidos no Caminho Sinodal”, disse ele. Em outras palavras, ele disse aos funcionários do Vaticano que ele e seus colegas bispos não concordariam com nada sem o consentimento de seus parceiros leigos.
O bispo também não teve medo de declarar a perplexidade que muitos católicos alemães sentiram pela carta que o Papa Francisco lhes enviou em junho de 2019 para oferecer algumas orientações e notas de advertência na preparação para o Caminho Sinodal.
“Causou surpresa que a carta do papa não se refira ao verdadeiro ponto de partida do Caminho Sinodal, ou seja, o abuso sexual, o tratamento inadequado por parte das autoridades da Igreja, o encobrimento dos bispos e também a contínua falta de transparência demonstrada por autoridades romanas em lidar com isso”, disse ele.
A Igreja “perdeu muita confiança e credibilidade” como resultado da crise de abusos, apontou Bätzing. “Nós apenas ganharemos nova confiança se houver uma grande mudança na forma em que exercemos nosso ministério, envolvendo clérigos, religiosos e leigos na elaboração e na tomada de decisões de uma forma tangível e séria. E isso não apenas se aplica à Igreja de nosso país, mas à Igreja universal”, acrescentou. “Nós instamos que vocês nos escutem em nossa situação”, implorou Bätzing. Ou seria um aviso?
Ele então rebateu as numerosas críticas que até agora foram feitas aos alemães e seu Caminho Sinodal, seja por pessoas no Vaticano ou por outros católicos mais rígidos (conservadores) doutrinariamente. Por exemplo, ele refutou as acusações de que os alemães estavam flertando com o cisma ou procurando estabelecer uma Igreja nacional, até mesmo se ofendendo com tal sugestão.
“Fico triste com o poder que esta palavra (cisma) adquiriu, com a qual se tenta nos negar a catolicidade e a vontade de permanecer unidos à Igreja universal. Infelizmente, isso também inclui a comparação um tanto imprecisa com uma ‘boa Igreja Protestante’”, disse o presidente da DBK. Essa comparação, infelizmente, foi feita pelo próprio papa.
“Nenhuma nova Igreja está sendo fundada, mas as decisões do Caminho Sinodal perguntam, com base na Sagrada Escritura, na Tradição e no último Concílio, como podemos ser Igreja hoje – missionária e dinâmica, encorajadora e presente, servindo as pessoas e ajudando-se mutuamente”, disse o bispo Bätzing aos representantes do Vaticano. Ele insistiu que os católicos da Alemanha querem apenas “contribuir para a conversa” que ocorre em toda a Igreja.
Então, o que acontecerá na sequência? O Papa Francisco deu sinais confusos às vezes, mas principalmente expressou algumas das mesmas preocupações expressas pelos críticos do Caminho Sinodal. No entanto, ele não interveio para interromper o processo. Ele até decidiu – no último minuto, ao que parece – não comparecer à reunião de 18 de novembro entre os bispos alemães e seus assessores do Vaticano. Isso provavelmente foi feito para dar aos participantes total liberdade para discutir suas diferenças – e para ele permanecer acima da briga.
O Caminho Sinodal está programado para realizar sua sessão final daqui quatro meses. Obviamente, existem aqueles, incluindo muitos funcionários do Vaticano, que gostariam de ver o papa intervir e impor a moratória sugerida pelo cardeal Ouellet. Mas isso seria visto na Alemanha, e em muitos outros lugares, como a opção atômica. E provavelmente criaria um desastre, deixando os danos impossíveis de reparar.
Isso porque muitas, senão a maioria das reformas que os católicos na Alemanha estão exigindo, são as mesmas que os crentes em partes mais dóceis da Igreja também estão abraçando. Ao longo destes meses que antecedem outubro de 2023 e a assembleia internacional do Sínodo aqui em Roma, muitos seguirão o movimento do Caminho Sinodal para ver se as mudanças que ele está pressionando ganham maior impulso e se espalham pelo resto da Igreja.
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O Rio Reno desaguará no Tibre? Bispos alemães visitam a Cúria Romana e insistem nas reformas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU