11 Outubro 2022
Enquanto a ameaça nuclear paira sobre o mundo, 60 anos após o Concílio Vaticano II, que o Papa João iniciou em 11 de outubro de 1962, a Igreja Romana vive a sua herança num contexto histórico e cultural muito particular.
O comentário é de Luigi Sandri, jornalista italiano, publicado por L'Adige, 10-10-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Um contexto histórico e cultural que, por um lado, facilita a sua vida, mas, por outro, impõe problemáticas que a grande Assembleia nem sequer imaginou e que dividem a comunidade eclesial.
O Papa Francisco recordou no domingo: “Em relação ao início do Concílio, não podemos esquecer o perigo de uma guerra nuclear que justamente naquele momento ameaçava o mundo. Por que não aprender com a história? Também naquele momento havia conflitos, mas optou-se pelo caminho pacífico”.
O que havia acontecido? Em outubro de 1962, os Estados Unidos descobriram que os soviéticos haviam instalado mísseis em Cuba que, de lá, poderiam atingir o território americano. O presidente John Kennedy ameaçou lançar uma retaliação nuclear contra a URSS se aquelas armas não fossem desmanteladas. O líder soviético, Nikita Krushev, a princípio recusou e depois aceitou o convite do exterior. Ao escrever aos dois protagonistas, o Papa Roncalli favoreceu aquele entendimento razoável.
Hoje, os EUA de Joe Biden e o Kremlin de Vladimir Putin jogam um ao outro a responsabilidade de sugerir o uso de armas atômicas na Ucrânia para determinar a vitória final no conflito em curso.
Diante dessa eventualidade, Bergoglio lembra aos contendores o que aconteceu em 1962; advertência e esperança para 2022?
No que diz respeito, porém, à vida da Igreja Romana, os 60 anos desde o Concílio mostram que muitas coisas mudaram desde então: por exemplo, a liturgia é celebrada nas línguas do povo, e todos entendem. Mas, é claro, é difícil traduzir em concreto a afirmação conciliar de que "a Igreja é o povo de Deus". Os bispos continuam a ser nomeados por Roma.
Talvez, o problema mais complexo, surgido no período pós-conciliar, seja a resposta "moral" a ser dada aos problemas trazidos pela secularização, modernidade e leis do estado, que dizem respeito, por exemplo, às uniões civis entre pessoas LGBTQ, a interrupção da gravidez, a eutanásia.
Em 1974, na Itália, havia também a lei sobre o divórcio, à qual a Igreja imediatamente se opôs na medida do possível; sua derrota no referendo (onde ganhou o "não" ao cancelamento daquela lei) retirou, por enquanto, essa temática da discussão.
Sobre os temas citados, a “compreensão” pastoral é suficiente para aqueles que fazem essas escolhas, deixando inalteradas as condenações doutrinárias, ou é necessário um repensamento radical da doutrina se ela não parecer mais motivada? O Concílio, sozinho, não permite respostas certas; e Dom Giulio, padre da Ligúria que questionou publicamente o "não" oficial, foi suspenso a divinis (ele está proibido de rezar missa). Mas mudar a doutrina sobre algumas questões "tabu" será bastante difícil, fora de um novo Concílio, do qual participem "padres" e "madres".
Utopia? Quem sabe: a história corre rápido e, talvez, os pessimistas serão desmentidos.
Leia mais
- Francisco: “Aprendendo com a história”. Eis o que aconteceu em 1962 entre Krushev, Kennedy e João XXIII
 - Memória de João XXIII e 60º aniversário da abertura do Concílio Vaticano II
 - Concílio Ecumênico Vaticano II – 60 anos: profecia para o terceiro milênio e a vida da Igreja
 - Em meio a temores nucleares, lembremos um papa que ajudou a evitar o Armagedom
 - Ainda há um longo caminho a percorrer
 - Pacem in Terris, uma encíclica para o fim da guerra fria
 - Um passo do ponto sem retorno? Artigo de Alessandro Castegnaro
 - Guerra na Ucrânia e além, até que ponto a diplomacia do papa realmente funciona? Artigo de Giovanni Maria Vian
 - O inesperado e relevante discurso do Papa Francisco proferido no domingo, 02-10-2022
 - Manifestar-se pela paz e parar essa loucura. Artigo de Donatella Di Cesare
 - O sábado. Artigo de Raniero La Valle
 - Os efeitos devastadores das armas nucleares “táticas”. Entrevista com Maurizio Simoncelli
 - “Pedir o diálogo não é utopia”
 - Os argumentos católicos para se opor ao risco do desastre nuclear
 - O grande perigo e o que salva. Artigo de Eugenio Mazzarella
 - Paz: só a solução do papa faz sentido. Artigo de Domenico Gallo
 - “A paz passa através da cessação das hostilidades pelo agressor”, afirma arcebispo ucraíno
 - Anexações ilegítimas e respeito pelas minorias. O plano de paz de Bergoglio para a Ucrânia
 - “A guerra em si é um erro e um horror! Que as novas gerações respirem o ar saudável da paz, não o ar poluído da guerra, que é uma loucura!”
 - Zamagni: “A paz ainda é possível. O Papa pode atuar como mediador”
 - Stefano Zamagni: Em 7 pontos, uma proposta para “uma negociação de paz credível” na Ucrânia
 - O apelo de Francisco: Deus é paz. Que o sagrado não seja o suporte do poder
 - "Empenhai-vos pela paz, não pelos armamentos!", conclama o Papa Francisco no Cazaquistão
 - Papa Francisco como Elon Musk: entre as poucas vozes a pedir um cessar-fogo na Ucrânia. Artigo de Marco Politi
 - Zelensky assina decreto: não há negociações com Putin
 - A última cruzada da Rússia. Artigo de Stefano Caprio